O Escritório Paulistano de Arquitetura venceu o concurso promovido pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo e será o responsável pela construção do Memorial dos Aflitos, no bairro da Liberdade, na capital.
A construção é uma reivindicação da comunidade negra após a descoberta de ossadas no local, em 2018, onde existiu o primeiro cemitério público paulistano, área então periférica, de intenso povoamento negro, indígena e de outras populações marginalizadas, antes da região ser ocupada por imigrantes japoneses, no século 20.
O Memorial ficará localizado ao lado da Capela dos Aflitos, último resquício arquitetônico da cultura negra na Liberdade. As duas construções serão importantes marcos da negritude no bairro caracterizado pela cultura oriental. A entrada do Memorial dos Aflitos ficará na rua Galvão Bueno, a mais movimentada, e permitirá visualização e acesso à Capela que, atualmente, fica escondida no fim de uma rua sem saída.
“Isso vem em um momento muito importante de conscientização e de resgate dos nossos referenciais de identidade”, diz a arquiteta Ana Marta Divolto, uma das responsáveis pela proposta arquitetônica.
Terra para construção das paredes
O projeto vencedor leva prêmio de R$ 50 mil e será implantado. A construção terá valor máximo de R$ 3,6 milhões. Não há prazo para início, nem conclusão da obra, pois ainda podem ser interpostos recursos ao concurso. Depois deverão ser realizados trâmites burocráticos como projetos complementares, planilhas e organograma. Após essas etapas, uma licitação será feita para contratação de construtora.
Segundo o resultado do concurso, o projeto do Memorial dos Aflitos é uma proposta elegante, prevendo utilização de materiais referenciais da arquitetura paulistana do passado. Destacou-se a configuração estrutural e espacial da cobertura, além do bom aproveitamento de pisos e mezaninos.
Proposta de fruição da cidade
Márcio Coelho, arquiteto e professor de arquitetura, ressalta que as paredes principais de terra prensada resgatam técnicas históricas de construção, assim como a estrutura do teto, em madeira.
“Além de um espaço de reflexão e homenagem às pessoas que foram enterradas ali, história que foi apagada, o projeto propõe a fruição da cidade, com uma passagem entre as ruas. Uma das premissas importantes é que, da rua Galvão Bueno, fosse possível avistar a torre da Capela dos Aflitos”.
Apesar de vencedor, a ressalva ao projeto é que deverá ser revista a proposta de demolição e ocupação de área que integra o lote ao lado de onde será construído o Memorial, ocupado pela Capela dos Aflitos. Ela é tombada desde 1978 pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condepaaht).
Projeto envolveu alunos de arquitetura
A proposta arquitetônica vencedora do concurso para construção do Memorial dos Aflitos foi liderada por três arquitetos – além dos dois mencionados anteriormente, o trio é completado por Eduardo Colonelli. Eles também são docentes e envolveram estudantes em fase final de graduação no projeto. Todos comporão a equipe de trabalho durante a construção.
Segundo a aluna Fernanda Souza Silva, “desde o início a gente tinha muito interesse em intervir e melhorar a área, podendo manter toda a ancestralidade, mas fazendo com que as pessoas conheçam o real potencial da Liberdade, que passa de uma região de comércio muito forte, para trazer a cultura que ela representa”.