O batuque dos pandeiros e os cantos que ecoam todos os domingos no Pagode da 27, tradicional roda de samba do Grajaú, zona sul de São Paulo, agora podem ser ouvidos também a quase 30 km de distância dali.
A roda de samba é um dos destaques da nova exposição instalada no Museu da Cidade, no Solar da Marquesa de Santos, centro histórico da capital paulista.
Inaugurada no fim de janeiro, a mostra “Intersecções: negros(as), indígenas e periféricos(as) na cidade de São Paulo” revela como essas populações ajudaram a construir a cultura paulistana.
Saraus, bailes funk e até mesmo o famoso “churrasco na laje” são representados pelos mais de 300 objetos espalhados pela área expositiva. Com curadoria de Adriana Barbosa, Nabor Júnior e Eleilson Leite, a mostra dedica espaços exclusivos para contar a história de movimentos artísticos e culturais, e explica como eles se interseccionam com a própria cidade.
Para apresentar essa história, áudios, filmes e itens, como fotografias, livros e peças de roupas, ajudam os visitantes a mergulhar na cena artística que se espalhou pela capital paulista desde os anos 1980.
No espaço reservado ao Pagode da 27, por exemplo, um vídeo reproduz cenas dos encontros de sambistas na rua Manuel Guilherme dos Reis, antiga rua 27, no Grajaú. Quem utiliza o fone de ouvido reservado para acompanhar o filme fica com a sensação de estar dentro da roda de samba.
Para o músico Jefferson Santiago, 41, ver o grupo representado na exposição é sinal de reconhecimento do trabalho feito há 18 anos na comunidade. “Foi bem emocionante”, conta ele sobre como se sentiu ao se deparar com o espaço no museu.
O artista celebra a ideia da mostra e diz que muitas produções periféricas ainda precisam ser conhecidas por moradores do centro. “As pessoas estão fazendo coisas grandiosas [nas periferias] que muitas vezes a galera do centro não sabe ou não dá a devida atenção”, afirma Jefferson.
Na mesma sala reservada ao Pagode da 27, vídeos também apresentam os fluxos de Heliópolis e Paraisópolis, ambas na zona sul, aos visitantes da exposição. Gravados por pessoas das próprias favelas, os filmes registram o vai e vem dos jovens dentro dos bailes funk e mostram momentos de descontração, dança e batalhas de rimas.
A música também aparece em salas sobre o rap, os bailes black e em uma parede recheada de discos clássicos de pagode, evidenciando o papel de cantores e bandas negras e periféricas na construção musical de São Paulo.
No térreo, uma caixa de som reproduz poesias declamadas no Sarau Elo da Corrente, que existe desde 2007 em Pirituba, zona noroeste de São Paulo. Fotografias do Bar do Santista, onde o sarau ocorre, e um microfone posicionado no centro da sala parecem colocar o visitante no centro do encontro de poetas.
A poucos metros dali, telas exibem sites de veículos periféricos, como a Agência Mural e o Nós, Mulheres das Periferias, enquanto títulos impressos como a Revista Raça também ficam à vista, demonstrando os canais onde as histórias das populações negras e periféricas são protagonistas.
A exposição tem ainda áreas dedicadas às artes visuais, com telas do artista plástico Sidney Amaral (1973-2017), e espaços reservados a ocupações e eventos culturais como Aparelha Luzia, Feira Preta e Quilombaque.
Também há salas exclusivas às reflexões sobre a cultura indígena, onde o visitante pode ver, por exemplo, a reprodução de uma casa de rezas da aldeia guarani Tekoa Kalipety, em Parelheiros, zona sul. O núcleo indígena foi desenhado com a colaboração da líder Jera Guarani, que trouxe para o museu temas como a alimentação nas aldeias e a necessidade de preservação ambiental.
Para o historiador e curador da exposição Eleilson Leite, 54, levar essas temáticas ao centro da cidade é símbolo de resistência e pertencimento. “O centro nos pertence”, afirma ele, dizendo que as periferias precisam estar em todos os lugares.
Cearense, Eleilson morou na região do Jaçanã, zona norte, quando chegou à capital paulista e viu o bairro se transformar ao longo dos anos, com o asfaltamento das ruas e o crescimento da população local.
Na exposição, ele decidiu usar a expressão “aqui era tudo mato”, repetida por moradores antigos das periferias paulistanas, para mostrar as transformações ocorridas nesses territórios.
Ao lado de fotografias e textos que falam sobre as mudanças na paisagem periférica, a sala com imagens da aldeia Tekoa Kalipety convida o visitante a perceber que São Paulo ainda tem espaços verdes.
Eleilson diz que a mostra não consegue abarcar tudo aquilo que as periferias e os movimentos indígena e negro trouxeram para a cultura paulistana, mas que tudo o que está ali é “muito representativo”.
“Quase tudo o que se faz de cultura e arte vem das periferias”, afirma o historiador, que é também coordenador de cultura da ONG Ação Educativa.
A exposição ficará em cartaz até o final de julho e é gratuita.
SERVIÇO
Local: Solar da Marquesa de Santos e Casa da Imagem/Museu da Cidade de São Paulo
Endereço: R. Roberto Simonsen, 136 e 136B - Centro Histórico de São Paulo, São Paulo – SP
Período de visitação: Terça a domingo, das 9h às 16h, até 28/07
Preço: Gratuito