Motivados a resgatar a história de construção e resistência de uma comunidade localizada na região do Pimentas, em Guarulhos, na Grande São Paulo, moradores começaram a desenvolver o "Museu Comunitário do Jardim Vermelhão", bairro que completa 30 anos em 2022.
Por conta da pandemia de Covid-19, o projeto iniciado em 2019 só saiu do papel no final de 2021, mas a partir de então teve itinerário com exposições que trazem depoimentos da população sobre a luta por habitação, acesso à água e energia elétrica. Também aborda como a força coletiva virou uma estratégia para a conquista de direitos.
"A gente percebeu que os moradores tinham um grande anseio de contar a história de luta deles", conta a idealizadora da exposição Suzy Santos, 37, moradora do Jardim Vermelhão há 10 anos e mestre em museologia. "E queríamos evidenciar que as nossas tradições culturais estão vivas nas pessoas que aqui habitam, no nosso território."
Para ela, o conceito do museu não apenas se caracteriza pelo espaço expositivo, mas pela história viva presente em cada depoimento. A exposição conta com relatos escritos e imagens que dão voz à história de formação do bairro, às lutas contra as reintegrações de posse e às conquistas por direitos habitacionais.
Quando era tudo barro
As ocupações no bairro começaram em 1992, inicialmente com oito famílias, sendo a maioria delas formada por migrantes do Nordeste do país.
Naquela época, a região tinha característica rural, mas, com a alta demanda por moradia, o loteamento foi se urbanizando. "Com o crescimento desordenado, Guarulhos virou uma cidade extremamente periférica. Mudou de rural para extrema periferia", afirma Rosildo Santos, 45, baiano que chegou no bairro em 1995 e foi o 1º presidente da Associação de Moradores do Vermelhão.
"Era preciso ter o Estado ali para criar alguma política para regular as moradias, porque se despeja o Vermelhão, ia ter que despejar metade da cidade de Guarulhos"
Rosildo Santos
A ocupação passou por diversas tentativas de reintegração de posse, sendo o movimento de 2007 o de maior impacto para André Marcos, que chegou no Vermelhão em 2002. "Veio aqui a tropa de choque, cachorro e as máquinas e derrubaram as casas. Foram 22 moradias, 22 famílias que ficaram sem moradia".
São essas as histórias trazidas no museu. Apesar do começo do trabalho em 2019, a ação está dentro de um outro trabalho, o "Pimenteiras e Pimenteiros do Vermelhão", projeto que nasceu em 2012 em parceria com a Associação Comunitária do Jardim Vermelhão.
Os "Pimenteiros" realizam atividades socioeducacionais voltadas para crianças e adolescentes, como rodas de capoeira, campeonatos de karatê, palestras, contação de histórias, passeios e oficinas de artesanato ecológico.
A produção do museu contou com a presença tanto dos residentes mais antigos do bairro, quanto dos mais jovens. "A ideia era provocar e impulsionar os mais jovens a verem como são feitos os processos museológicos, a tomarem as decisões, aprenderem e utilizarem a criatividade deles", diz Suzy.
Não à toa, o filho da museóloga, Gustavo Silva, se criou envolvido com os projetos da mãe e do padrasto, Marco Cesar, 42, que dava aula de karatê logo nos primeiros anos da iniciativa. Hoje, aos 21 anos, Gustavo é fotógrafo e mediador das exposições itinerantes do museu.
"Muitos jovens tinham parentes que participaram da luta por moradia do bairro, mas não sabiam. Quando uma das jovens viu o avô na exposição, ela se assustou, nem fazia ideia de que ele foi presidente da associação e tinha ajudado o bairro a se levantar", contou Gustavo.
Entre os objetivos do museu está fortalecer a identidade dos moradores com o bairro e o sentimento de pertencimento.
Os voluntários também organizaram o documentário "Revelando Guarulhos: Memórias do Jardim Vermelhão", gravado em 2019, para contar a história do bairro pela ótica dos moradores que estiveram ativamente ligados com a formação da região.
O filme foi transmitido ao final de cada exposição itinerante e em breve estará disponível para visualização no Youtube.
O documentário foi apresentado para os moradores e também para os jovens da Fundação Casa Guayi, em Guarulhos. "Para os jovens deu uma sensação de autoestima, sabe? Eles conheciam o bairro por conta dos bailes funk, mas ficaram interessados pela história do bairro, de como foi formado", completou a museóloga.
Um dos depoimentos do filme e presente na exposição é o de Adauto dos Santos, 47, morador que chegou ao Jardim Vermelhão em 2002 e relata que "era tudo barro, por isso se deu o nome de Vermelhão, porque é um barro vermelho".
Contudo, Adauto e outros dois moradores: Marilene de Sousa, 61, e Francisco dos Santos, 81, não sobreviveram para acompanhar os resultados do trabalho.
Para Suzy, também é um propósito que o museu inspire mais regiões da cidade a também se reencontrarem com a própria história e desenvolverem ações similares.
"Se a gente conseguir estimular outros bairros a fazerem projetos parecidos, já vai ser ótimo porque nada melhor do que os próprios moradores para contar sobre as suas histórias"
O museu encerrou seu itinerário pelos CEUs de Guarulhos, mas está disponível para visitação na associação de moradores do bairro do Vermelhão.
Como ver a exposição: Para conferir o trabalho é preciso marcar um horário com a equipe do projeto
Contato para agendamento: (11) 97323-3669
Instagram:: @museucomunitario_jdvermelhao e @pimenteirosdovermelhao