Passinho batalha contra break em Manguinhos, e os dois ganham

Disputa de estilos que não costumam se desafiar é parte das comemorações dos dez anos do Treino do Passinho

20 jul 2024 - 13h01
Resumo
Batalha na zona norte do Rio de Janeiro reuniu nomes históricos do passinho reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial. Embora seja de periferia, essa dança típica do subúrbio cariosa não costuma estar na mesma roda que o break, mais praticado em São Paulo, e que estreia nas Olimpíadas de Paris. Mas esses dois estilos consagrados nas periferias se encontram em uma praça em Manguinhos, numa noite de celebração.
No centro da roda, Manu, campeã Pan-Americana, atleta, e uma das poucas mulheres da cena break
No centro da roda, Manu, campeã Pan-Americana, atleta, e uma das poucas mulheres da cena break
Foto: Juliana Portella

No coração de Manguinhos, zona norte do Rio de Janeiro, o começo da noite de 18 de julho ganha vida. O sol se despede lentamente e a Rampa de Skate do PAC se prepara para ser o palco de um evento que carrega o ritmo, o som e a poesia das periferias cariocas. A pequena multidão aguarda o início do evento Passinho Convida x Break.

“A gente faz há dez anos o treino de Manguinhos, aqui na praça. Para comemorar, resolvemos fazer essa batalha de passinho versus break. A gente faz porque acredita que essa cultura, esse movimento, tem que vir de dentro pra fora, e não o contrário”, explica Severo IDD.

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Cria de Manguinhos, ele é dançarino, MC e líder do Bonde Imperadores da Dança (IDD), que promove a festa, com as presenças ilustres dos DJs Yure IDD, Cafeína e Funk In Rio. “É maneiro ter esse evento na comunidade porque os jovens vão ver que passinho e break têm muita coisa em comum”, diz Severo IDD.

Batalha organizada pelo Bonde Imperadores da Dança (IDD) mostrou que passinho e break têm muito em comum
Foto: Juliana Portella

Batalha Show: uma explosão de talento 

A Batalha Show, ponto alto da noite em Manguinhos, atrai a atenção e transforma o ambiente em um espetáculo de tirar o fôlego. A competição é acirrada. O time do break tem nomes de peso como Manu Bgirl, Homem Elástico, Doug e Dotado. O time do passinho vem representado por Destemida, Marreta, Wanderson e Negueba.

A energia contagiante do evento foi sentida por todos, como Juliana Lima, moradora de Manguinhos. “Eu acho muito foda, porque é uma coisa que movimenta nosso território. É um ritmo que é difícil até de explicar… mexe com a gente, com o coração. As crianças se inspiram bastante no baile funk, é uma coisa boa e positiva”. 

Michel Gomes Vieira, o Michel Bracinho, reconhecido, entre outros lugares, no Caldeirão do Huck.
Foto: Juliana Portella

Momento especial da batalha, a parte inclusiva envolve pessoas com deficiência. Disputaram El Foguito e Michel Bracinho, provando que a dança é uma linguagem universal. Michel Gomes Vieira, de 28 anos, conhecido como Michel Bracinho, é um talentoso dançarino que, em 2013, conquistou o segundo lugar na Batalha do Passinho no Caldeirão do Huck.

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“Eu fui ver os vídeos do dançarino Cebolinha, fui treinando, treinando, treinando e fui ficando cada vez melhor. Hoje, sou coreógrafo do grupo Bonde das Dancinhas, de Jacarepaguá", conta Michel.

Coyote: vencedor na batalha e na vida

Entre os 16 dançarinos que participaram da competição, um nome se destacou: Coyote. Com 27 anos, levou o título, chamando a atenção de jurados como André DB. Integrante dos grupos Os Mister PassistasGrupocorre, além de️  tatuador, Coyote recebeu o prêmio e o reconhecimento.

Quando foi anunciado vencedor entre 16 batalhadores, Jeff Cebolinha, um dos jurados, dançarino renomado e influencer, fez questão de parabenizá-lo pessoalmente. Coyote lembra que “nos anos dois mil eu assistia o cara mais brabo, o Cebolinha, e me imaginava dançando com eles. Cebolinha e a geração dele abriram um caminho imenso para nós”.

Coyote, de 27 anos, levou o título e chamou a atenção de jurados como Cebolinha, que o elogiou
Foto: Theo Theodoro

Emocionado, Coyote diz que “é muito gratificante ver que o cara que eu assistia lá trás está aqui dançando comigo e, o melhor, pode me dar umas dicas construtivas. Sempre me abraçando, como aluno, isso é demais”.

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Apesar da emoção do momento, Coyote sabe que deve “manter o pé no chão, sem parar de olhar para o céu, para as estrelas, e focar na melhoria. Ser uma pessoa melhor e um dançarino melhor” é sua meta.

Passinho como política pública

Cebolinha, reforça a importância do reconhecimento oficial do passinho como Patrimônio Cultural Imaterial do Rio de Janeiro, mas alerta que ele precisa vir acompanhado de ações de fomento real para a cultura.

Os jurados Jeff Cebolinha e André DB fixados na batalha, para fazer justiça na hora de julgar.
Foto: Theo Theodoro

“Esperamos que esse título acompanhe oportunidades, valorização, senão vir com políticas públicas é só mais um título, um status”. Como veterano, ao longo de duas décadas, ele viu o passinho crescer e mudar.

“Esse estilo é uma realidade no Rio de Janeiro e está além do baile, dos vídeos no YouTube e das esquinas das favelas”, resume.

A história dos Imperadores da Dança

O grupo Imperadores da Dança (IDD), fundado em 2009 no Jacaré, comunidade da zona norte do Rio, é um dos pioneiros do passinho carioca formando bondes, ou crews (veja alguns vídeos de batalha).

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Severo e Isaque IDD lideram o grupo. São figuras centrais no movimento que transformou o passinho em Patrimônio Cultural Imaterial carioca, reconhecido de moradores a visitantes da Praça de Skate de Manguinhos.

A comunidade em Manguinhos foi à praça ver o passinho e o break batalharem, danças vencedoras das periferias.
Foto: Juliana Portella

Anderson Santana, o Baianinho, que também colou na festa, é outro integrante histórico dos Imperadores da Dança. Ele explica a origem do nome. “Tinham uns dançarinos no baile que se intitulavam reis da dança. Aí eu pensei: cara, o que é melhor que o rei? Joguei na internet e ali estava a resposta: imperador”.

Reconhecimento e futuro

O passinho, agora reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Rio de Janeiro, representa uma vitória para todos que produzem cultura nas periferias. Diana Anastácia, produtora cultural e mestre em Cultura e Territorialidades, sabe disso.

“Todo investimento na cultura preta de favela é reparação histórica. O reconhecimento por parte do poder público é uma vitória não só do funk, mas de todos aqueles que são marginalizados pela condição social, geográfica e racial”.

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Organizadores da batalha na praça em Manguinhos. Espaço público é a casa das danças de rua.
Foto: Theo Theodoro

Ela espera que o reconhecimento oficial venha acompanhado de incentivos. A batalha entre o passinho e o break foi viabilizada pela Lei Paulo Gustavo, “mas não é sempre que se tem incentivo. Na maioria das vezes, tudo é feito na correria, na luta”, lembra Diana.

Para quem não pode estar presente em Manguinhos na noite em que o passinho encontrou o break, o documentário As Galeras, da jornalista Juliana Portella, cria da Baixada Fluminense, é um bom começo. Esta reportagem, da mesma autora, também.

Fonte: Visão do Corre
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