No Dia do Grafite, panorama da produção mostra artistas correndo atrás de financiamento, de galerias nacionais e estrangeiras, e usando redes sociais como portfólio. Enquanto editais permitem produzir grandes painéis e museus a céu aberto, a arte pela arte vai sendo substituída pela sobrevivência através do grafite.
Esta reportagem começa em Belém (PA), que sediará a COP 30 e que, há dois anos, inaugurou seu primeiro museu de grafite ao ar livre, o Museu de Arte Urbana de Belém (MAUB). Museus a céu aberto e grandes painéis são parte importante do cenário brasileiro de grafite – a presença maior de mulheres e a profissionalização compõem um quadro mais completo.
Instalado na zona portuária da capital paraense, o MAUB renova seus painéis anualmente. No ano passado, 19 obras, a maioria de mulheres, totalizaram seis mil metros quadrados de grafites. “A região tem muitos galpões e silos, um ponto turístico que estava meio abandonado. Revitalizou; tem muito ambulante que vende tapioca, água de coco, estão felizes, dobrou o lucro”, conta Gibson Massoud, idealizador do museu.
A última renovação do acervo custou R$ 2,6 milhões. “Hoje em dia está consolidado, mais tranquilo. No início, não foi fácil”, diz Massoud sobre conseguir verba. Entre os artistas de destaque do MUAB está Luis Júnior, um “abridor de letras”, como são chamados os pintores de barco em Belém. Ele é o único que participou das duas edições de repintura do museu, demarcando as cores e formas da cultura local.
Iniciativas como o MAUB se espalham pelo Brasil. No Corredor Cultural Beco do Pantera, na Lapa, Rio de Janeiro, as obras começam na Praça Paris e vão até a escadaria decorada pelo artista chileno Jorge Selarón. “Está renascendo com um lado da Lapa que não existia”, diz o rapper Shackal, idealizador do projeto.
O grafite como arte e o grafiteiro como artista
Grafiteiras e grafiteiros se profissionalizam, vendem prints (impressões assinadas das obras, em papel nobre), disputam editais e vendem para galerias estrangeiras, brasileiras com mercado lá fora, e nas quebradas, como na Favelarte Galeria Suburbana, na favela de Paraisópolis, zona sul de São Paulo.
Há curadores especializados, entusiastas e críticos, lembrando que é importante colocar os artistas que vêm das ruas nas galerias, atendendo, também, a uma necessidade do mercado. Isso nem sempre é um caminho considerado legítimo por todas e todos da cena.
A internet também alterou o cenário. Amanada Pankill, grafiteira e sócia da Seiva Cultural, produtora surgida para combater atravessadores do grafite, diz que “os artistas estão mais focados em usar a rede social como portfólio. As pessoas contemplam mais as telas do que o espaço público. É uma mudança muito brusca”.
Sua sócia e também grafiteira, Mimura, acha que “a internet e o celular desmistificaram o grafite, saiu desse lugar marginalizado. Antigamente minha mãe achava que era coisa de vândalo, hoje ela sabe que é arte.”
A experiência de ter começado aleatoriamente a vender e expor no exterior levou Fábio Salmos a criar o curso Vivendo de Arte. Por R$ 67,00, ele ensina sobre mercado, como usar as redes sociais profissionalmente, entre outras dicas visando o comprador gringo. “Eu não sabia nem o que era PayPal”. Seu curso já foi comprado por 1.296 artistas.
Um deles é Oziil, três décadas de grafitagem em São Paulo. “Tem que conhecer o mercado, saber se portar como artista, colocar preço”. Ele ganha a vida no ramo de customização e envelopamento automotivo, mas está “tirando o pé do envelopamento, daqui a pouquinho, se Deus quiser, vou viver só da arte”.
Aumento do número de mulheres grafiteiras
A Seiva Cultural, em São Paulo, fundada no ano passado, teve um objetivo específico: colocar a produção de grafites nas mãos, sobretudo, de mulheres da periferia. E aumentar o valor do cachê. Para fazer grandes painéis em laterais de prédios e viadutos, a produção é gigantesca.
São necessários andaime, plataforma elevatória, equipamentos de proteção como capacete, corda, luvas, óculos, inventário prévio e póstumo das obras, com fotos e vídeos. E preciso também entender a burocracia dos editais, como os do Museu de Arte de Rua (MAR), de São Paulo.
A Seiva produziu oito grafiteiras, com empenas (grandes imagens) nas laterais de conjuntos habitacionais das periferias de São Paulo. Segundo a grafiteira e produtora Pankill, “quando eu comecei a pintar, contava nos dedos as mulheres que tinham, hoje não sei quantas tem”.
Sua sócia, Mimura, mãe-solo, diz não ter como fazer grafites de graça. “A profissionalização permitiu permanecer no universo do grafite, se fosse só pela arte, eu não poderia, não sou herdeira. Hoje consigo pagar as contas com a minha arte”, comemora.
Iniciativas femininas se fortalecem no Brasil inteiro. Em Recife, a PixeGirls existe há dez anos. Recentemente, fizeram o primeiro grafite gigante produzido só por mulheres, 275 metros na rua da Saudade, uma das mais antigas e emblemáticas da capital pernambucana. Pintaram Bione, pioneira do rap feminino local.
Segundo a pichadora Bubu, envolvida nessa produção, “a galera está entendendo que não é brincadeira. Estou te falando do sentimento porque é sobre isso: as mulheres estarem hoje mais ativas no grafite, na arte de rua, tanto por inspirações passadas, que foram caladas, quanto presentes, que estão sendo ouvidas”, diz. E corrige: “ouvidas e vistas.”