Como o Brasil, Belo Horizonte tem uma história longa de racismo contra homens negros – e, obviamente, contra negras. Basta observarmos as reações de vigilantes quando se deparam com um homem preto nas ruas e lojas da cidade. Além deles, câmeras servem de monitoramento discriminatório de pessoas colocadas na mira por causa da cor da pele.
Foi diante desse cenário que surgiu a canção e clipe Pretos na Mira, para denunciar e inspirar mudanças na sociedade, combatendo o racismo. No clipe, lançado em março deste ano no Dia Internacional contra a Discriminação Racial, são apresentadas cenas de episódios racistas que repercutiram na imprensa nacional e internacional.
MC Kekel, um dos protagonistas, conta que gravar foi como colocar nas cenas suas próprias experiências. “Viver essa situação real em nossas vidas, foi descrever o próprio sentimento que a gente tem. Muitas das pessoas ali no clipe viveram essa vigilância racista. A gente vive até hoje, 24 horas”, relata o músico.
Arte como ponte para comunicação
Pretos na Mira é um manifesto artístico, produzido pelo Instituto KondZilla e gravadora GR6, em parceria com o Instituto Identidades do Brasil e agência Artplan, baseado na ideia original de Ary Nogueira e Rafael Pascarella.
A ideia do clipe é destacar o talento de pessoas pretas. “A arte tem uma das melhores pontes, que é a comunicação. E usar a música como um adereço em conjunto ao nosso combate contra o racismo é uma das melhores armas que a gente tem”, destaca Kekel.
Quem defende a mesma linha de pensamento, de usar a arte como recurso antirracista, é o músico Melk Silva, 31 anos, morador do Aglomerado da Serra, periferia de Belo Horizonte.
“Quando o preto é protagonista, ajuda muito na divulgação da vida preta e no cotidiano das periferias”, acredita Melk. Ele fala sobre a importância de projetos como o Pretos na Mira, que é uma das formas de chamar atenção da sociedade. “É fundamental a exposição dos negros na mídia, nos colocarmos em evidência”.
Melk descreve suas vivências exatamente como no clipe: entrar num supermercado e os vigias ficarem em cima; ir em uma loja de produtos caros e não ser bem atendido, entre outras situações que fazem parte do cotidiano de quem mora nas favelas e periferias.
Combatendo câmeras de vigilância com lentes antirracistas
O fotógrafo Rafael Freire, 30 anos, também morador do Aglomerado da Serra, diz que falar sobre racismo tem sido uma pauta complicada. “Quando achamos que estamos conseguindo combater, vem as situações que fazem parecer que a luta é inválida”, lamenta.
O fotógrafo se refere ao seu trabalho de fotografia artística que pratica há mais de 10 anos e busca reconhecimento. “Se uma pessoa branca começar a fazer o mesmo trabalho, ganha até o prêmio Nobel”, ironiza. O fotógrafo colabora através da arte com seu papel de destaque na periferia, mostrando o mundo com lentes sem racismo.
Mesmo frente aos recorrentes casos de vigilância transformados em perseguição e violência, a palavra mira, inserida no título do projeto, não simboliza apenas opressão, mas, também, a exaltação à história, ao talento, livre arbítrio e ao direito de ir e vir de corpos negros.