Quem nos dera rodar como em Adolescência, que respeita os direitos do menor infrator

Série sobre adolescente que comete assassinato não confunde punição com desrespeito aos direitos que até os assassinos têm

24 mar 2025 - 07h53
(atualizado às 08h46)
Resumo
Produção em quatro episódios da Netflix leva a pensar no tratamento dado aos chamados “menores infratores” no Brasil. A motivação do crime é o fio condutor da série, mas o comportamento dos policiais é exemplar de uma conduta técnica e ética em relação ao assassino, um adolescente de 13 anos, e seus familiares.
Série Adolescência nos faz pensar que nem sempre a arte imita a vida no trato com adolescentes que infringem a lei.
Série Adolescência nos faz pensar que nem sempre a arte imita a vida no trato com adolescentes que infringem a lei.
Foto: Divulgação

Sou sensível a qualquer cena de enquadro policial, na ficção ou na vida real. Por isso, a série Adolescência, bombando na Netflix, me pegou desde o começo. E continuou pegando porque, sendo uma série policial, os agentes da lei agem de uma forma que me surpreendeu.

Nem sei dizer muita coisa sobre a trama principal, as consequências trágicas do ambiente internético tóxico, que envenenou um adolescente de 13 anos, Jamie, filho de pais bonzinhos e omissos. Fiquei viajando nas ações policiais de Adolescência.

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A série não faz apologia ao justiçamento, ao punitivismo. Sequer se sugere descontar toda violência contra quem foi violento. Não serve de argumento para pedir a redução da maioridade penal, tá ligado?

O primeiro episódio de Adolescência é exemplar de um comportamento profissional, técnico e ético dos policiais. Não sei se é assim na Inglaterra, onde a série é ambientada. Torci tanto para não ser só ficção...

Fiquei pensando nos chamados “jovens infratores” rodando na mão da polícia no Brasil, ainda mais por assassinato, como é o caso de Jamie, o protagonista. Imaginei a série Adolescência sendo exibida na Fundação Casa, em São Paulo, e prisões similares pelo Brasil.

Vejamos o resumo dos primeiros minutos de Adolescência: a polícia invade a casa do assassino, e apesar de fortemente armada, não atira, nem bate em ninguém; policial deixa o acusado trocar de calça antes de ser preso; no caminho, ele é orientado, corretamente, em como proceder da melhor maneira na delegacia; nela, o fichamento é um primor de atendimento respeitoso.

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Quase caí do sofá quando o policial perguntou a Jamie, preso por matar uma adolescente a facadas, detido com provas irrefutáveis, se ele tinha tomado café da manhã. E se aceitava cereal! Mano, cereal, entende? Imagina você sendo preso por assassinato aos 13 anos de idade e, na delegacia, o policial se preocupa em perguntar se você tomou café da manhã.

Isso nos primeiros minutos de Adolescência. E a série continua surpreendendo como quando o adolescente tem que tirar a roupa durante a revista. Exceto o policial que revistou, os outros na sala, incluindo o advogado, viram as costas.

O interrogatório é outro show de profissionalismo policial, com perguntas enquadrantes, perspicácia, provas técnicas, nada de tortura para tirar qualquer confissão.      

Nos episódios seguintes, continuei sendo surpreendido por Adolescência, como na sequência em que investigadores vão à escola onde a vítima e o assassino estudavam. Os policiais tomam um enquadro da melhor amiga da vítima, tentando interrogá-la.

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Em seguida, policial à frente do caso toma outro enquadro, desta vez do filho matriculado na mesma escola, explicando ao pai a motivação do crime – o pai admite estar errado. E, de quebra, revê a relação paternal.

O protagonista Jamie, preso, tem várias consultas absolutamente competentes com uma psicóloga. Há telefone na prisão, ele liga para o pai no aniversário. E por aí vai...

Lógico, voltando à realidade, e como diria a música, “aqui é Capão Redondo, tru, não Pokémon”. Concordo, sei, infelizmente.

Mas a ficção serve para isso mesmo, para nos fazer sonhar. E se o sonho fosse no Brasil, o título da série poderia ser Estatuto da Criança e do Adolescente Aplicado Conforme o Previsto.

Fonte: Visão do Corre
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