Túmulo de MC Daleste, apesar de ser simples e discreto, é o segundo mais procurado do cemitério da Vila Formosa, na maior parte dos casos por curiosos. Corpos enterrados na terra, como o do funkeiro, deverão ser removidos.
O túmulo de MC Daleste é o segundo mais visitado do cemitério da Vila Formosa, zona leste de São Paulo – só recebe menos pessoas do que o da “menina Débora”, brutalmente assassinada e tida como milagreira.
Apesar de concorrido, o local onde estão os restos mortais de Daleste é tão simples quanto a maioria dos túmulos vizinhos, com a diferença de que está cuidado. Cercado com cerca branca de plástico, decorado com pequenas pedras, na ocasião da reportagem tinha a placa de mármore com a identificação do sepultado – o túmulo foi vandalizado inúmeras vezes.
Na quadra em que Daleste descansa em paz, nenhuma cova tem estrutura de concreto ou tijolo. O mato toma conta da maioria delas, e muitas sequer são identificadas. Somente um monte de terra indica que, abaixo, estão os restos mortais de alguém.
O túmulo de Daleste não é facilmente identificável, o que não impede o fluxo de visitantes. Porteiros, coveiros e jardineiros estão acostumados a indicar o local.
Curiosos são maioria
Curiosos, não fãs, são os que mais visitam o túmulo de Daleste. Além do nome conhecido, o local fica próximo a um dos portões, facilitando a curiosidade. Na chegada ou na saída, as pessoas aproveitam para dar uma espiada, seguida da inevitável foto.
“Se você me perguntar, não conheço nenhuma música dele”, diz um dos irmãos que, ao visitar os parentes mortos, aproveita para ver o local onde Daleste está enterrado. O mesmo acontece com as irmãs Maria e Mariana Lima Dourado, que perderam o pai há oito meses e, sabendo da série da Globoplay sobre Daleste, param para ver o túmulo do funkeiro.
As duplas estiveram no cemitério um dia após a estreia de MC Daleste - Mataram o Pobre Loco. Rafael de Oliveira Firmino também foi ao Vila Formosa. O principal motivo: visitar o túmulo do pai. Mais fã da história do que das músicas de Daleste, morador da região, esteve no enterro do músico.
Ele conta que soube do assassinato pela internet, pouco depois do ocorrido. “Fiquei em choque”. Avisou o cunhado, fã do funkeiro. Desacreditaram na notícia. Ele lembra da muvuca do enterro, filas, gente passando mal. É a primeira vez que volta a ver o túmulo de Daleste. “Falaram que o corpo tinha sido exumado”. Não foi.
Uma mentira para diminuir o fluxo
Após inúmeras situações absurdas, de roubo da placa do túmulo até presumíveis “trabalhos espirituais”, foi preciso inventar uma mentira – a de que o corpo havia sido retirado do local – para tentar diminuir o fluxo de visitantes.
Quem conta a história é Paulo Henrique, há 25 anos trabalhando no Vila Formosa. Ele enterrou Daleste e cuidou do túmulo. Presenciou cenas grotescas, como garotas esfregando as pedras decorativas em partes íntimas do corpo.
Houve uma tentativa real de exumar Daleste, com a presença de familiares, mas o corpo ainda não havia se decomposto. O tratamento dado ao cadáver, para suportar muitas horas de velório, atrasa a decomposição.
A regra é exumar os copos três anos após o enterro, mas isso nem sempre acontece. O jardineiro Paulo Henrique, que conhece como poucos a história do túmulo de Daleste, explica o motivo dos restos mortais ainda não terem sido retirados. Não só os do funkeiro, mas de vários túmulos ao redor.
A “quadra dos amigos”
Eles estão na chamada “quadra dos amigos”, onde foram sepultados ex-funcionários do cemitério, vizinhos, pessoas com alguma ligação afetiva em relação ao cemitério Vila Formosa. Até agora, ninguém ousou remover os despojos.
O túmulo de Daniel Pedreira Sena Pellegrini, o MC Daleste, é vizinho do primeiro sepultado do local. Francisco José de Oliveria também morreu jovem, com 15 anos, em 1949. Há ainda uma placa próxima homenageando dez presos políticos assassinados sob tortura pela ditadura militar. Seus corpos foram enterrados clandestinamente no Vila Formosa.
Mas o descanso eterno dos restos mortais pode ser incomodado com a privatização dos cemitérios de São Paulo, que começou no mês passado. Os corpos não poderão permanecer enterrados na terra, por questões sanitárias.
No Vila Formosa, empresas que ganharam a licitação vendem jazigos. “Precisa ser logo, vai virar um cemitério parque”, alerta a vendedora, que estende o folheto com imagens ilustrativas. O preço mais baixo é R$ 12 mil.
Por enquanto, a manutenção dos túmulos na terra, como o de Daleste, custa R$ 60 por mês.