Free Fire vira meio de renda para jovens de favelas

Santo Onofre, time que leva o nome de comunidade do Rio Grande do Sul, foi campeão da Taça das Favelas Free Fire, promovida pela Cufa

7 dez 2022 - 05h00
(atualizado às 13h58)
Foto: Reprodução

A tensão num abraço coletivo à espera do resultado deu lugar a uma explosão de gritos e pulos de alegria quando o narrador esportivo Diego Hads anunciou a vitória do time Santo Onofre, mesmo nome da comunidade de onde vêm os cinco jogadores da cidade de Viamão (RS), na final da Taça das Favelas Free Fire, neste sábado (3/12).

Doze equipes de dez estados brasileiros participaram da última etapa da competição que premiou o 1º lugar com R$ 60 mil. Das Capitais (Santa Catarina) e Prourb (Ceará) apareceram na sequência com a prata e o bronze, ganhando, respectivamente, R$ 30 mil e R$ 15 mil.

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O jogo eletrônico de tiro e sobrevivência foi lançado em 2017 pela desenvolvedora Garena, de Singapura, e rapidamente se popularizou entre os jovens, em especial os de periferia. “É muito acessível para qualquer pessoa que tenha um celular mediano ou baixo porque é muito leve”, explica o estudante de enfermagem Giovani Padilha, 21, um dos membros do Santo Onofre, já que o Free Fire não consome muito o armazenamento do celular nem dados de internet.

A final, transmitida pelas redes sociais da Taça das Favelas, se deu com seis rodadas, chamadas de quedas, já que os jogadores são “lançados” em um território e precisam coletar armas e se manterem vivos. Os pontos contabilizados são os “abates”, quando o jogador consegue matar seus adversários. Quanto mais abates tiver, mais pontos ganha. O intuito é conseguir um “booyah” em cada queda, ou seja, uma vitória. 

Conhecida historicamente pela criação da Taça das Favelas há 10 anos, a Central Única das Favelas (Cufa) somou mais uma modalidade de esporte por causa da pandemia. “Em 2020, a gente ia fazer o que fizemos em 2022 que era o Favelão, que foi a primeira edição nacional da Taça das Favelas do futebol, mas quando a pandemia chega, acaba cortando esses planos porque a gente não poderia fazer nenhum tipo de competição pelas condições do momento”, explica Marcus Vinícius Athayde, idealizador e diretor da Taça das Favelas Free Fire, devido às regras de distanciamento social para evitar o contágio da Covid-19. 

Athayde aponta que o jeito foi pensar em uma alternativa “capaz de mobilizar os jovens, que tivesse aderência dos jovens da favela e que tivesse um caráter competitivo que traz a união e uma sensação de pertencimento para que eles se sintam representados”. O Free Fire acabou se encaixando como uma luva devido à acessibilidade, popularização e por não depender do contato físico entre os jogadores, já que a competição aconteceu de forma online.

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A primeira edição aconteceu com 5.936 jogadores de mais de mil favelas. Além dos valores da premiação terem aumentado de lá para cá (1º lugar: R$ 15 mil, 2º lugar: R$ 10 mil e 3º lugar: R$ 5 mil, em novembro de 2020), conforme a Cufa conseguiu patrocínios e parcerias, o interesse dos participantes foi muito mais expressivo na 3ª edição que aconteceu neste ano: 50 mil inscritos de mais de mil favelas, segundo a organização. O campeonato conta com eliminações que começam na esfera municipal, passam para a estadual e se encerram na nacional.

O estudante Andrey Costa, 17, capitão do Santo Onofre, já participava da Taça desde 2020 com outros times, mas essa foi a primeira vez que chegou ao pódio. “Eu joguei as três Taças. Na primeira eu fiquei no top sete e, na segunda, cheguei à semifinal com outros amigos”, conta.

Os parceiros deste ano começaram a amizade no campinho de futebol da favela e acabaram se juntando quando passaram a se encontrar em disputas amadoras. “Você chegava na escola, tava todo mundo jogando Free Fire ou Clash Royale [jogo de cartas que representam personagens em uma arena]”, complementa Giovani Padilha.

“A gente começou a jogar na brincadeira, eu não pensava que poderia virar uma profissão ou uma renda para ajudar a família”, comenta o estudante Gabriel Mayer, 18, também do Santo Onofre. “Inclusive, eu comprei meu celular por causa do prêmio de uma das competições que eu participei”, completa. “No começo, minha mãe não acreditava muito, mas quando ela viu que eu conseguia alguma renda, ela foi incentivando”. Giovani e Andrey também concordam.

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Para eles, o game virou um meio de ascensão social e esse é o objetivo para que a Taça aconteça: dar oportunidade, afirma Giovani Centeno, coordenador da Cufa em Viamão e responsável pela organização dos times no Rio Grande do Sul. “Os pais foram entendendo que o filho pode ser um jogador profissional e que não é só um jogo de tiro. Longe disso. Na realidade, é um jogo de inclusão pensando, sim, na perspectiva de trazer recursos para dentro de casa”, diz. 

Também partiu de Centeno buscar atender às necessidades dos competidores, como disponibilizar a sede da entidade, celulares e a conexão de internet para os jogadores que não tinham acesso adequado.

“A gente tem jogadores que estavam jogando na Taça que hoje estão jogando em times, alguns semiprofissionais, outros profissionais, e tendo como sustentar a sua família. Então é um jogo que muda realmente a vida desses jogadores”, prossegue.

Andrey é um deles. “Já viajei duas vezes para São Paulo para jogar a série B da LBFF”, conta orgulhoso. A sigla é da Liga Brasileira de Free Fire, que é a principal competição do país desenvolvida pela Garena. Ele aponta que já recebeu proposta de contrato de time para o ano que vem, mas ainda vai avaliar melhor. 

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“É um pouco clichê, mas o que eu digo é para que quem tá começando agora não desista porque eu tentei duas vezes a Taça e neste ano consegui. Se eu tivesse parado, não estaria aqui”, afirma.

Já Giovani e Gabriel têm outros planos para 2023 e sugerem que o jogador que está começando também tenha um “plano B”. “Hoje em dia, o Free Fire é dividido em duas competições por ano, então por dois meses os times assinam um contrato. Quando acaba a competição, encerra o contrato, não é um emprego fixo”, explica Giovani. “Eu estou no meu primeiro ano de enfermagem e pretendo continuar estudando”. Já Gabriel quer servir ao Exército e também garantir sua estabilidade.

Com relação ao prêmio deste ano, além de auxiliar nas despesas de casa, os jovens pretendem usar uma parte para realizar outro sonho: tirar carteira de motorista no ano que vem.

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