Antes, durante e depois da primeira grande enchente do ano, moradores se organizaram pelos grupos de WhatsApp nas comunidades vizinhas ao rio Tietê, na capital paulista. O Visão do Corre acompanhou dez dias de intensas trocas de mensagens.
“A água já entrou nas casas aqui da Maria Zilio”, diz a mensagem de texto. Eram exatamente 2h43 da madrugada de 1 de fevereiro, sábado, quando um morador avisou, via WhatsApp, sobre a enchente em uma rua do Jardim Lapenna, zona leste de São Paulo.
Começava o primeiro grande alagamento do ano nas comunidades próximas ao rio Tietê. Um minuto depois da primeira mensagem, que tinha vídeo, outro morador avisa que a rua “Serra da Juruoca tá acima do joelho”.
A chuva chegava em quebradas como Lapenna, Romano, União Vila Nova e Jardim Pantanal, enchendo ruas e casas durante o primeiro final de semana de fevereiro. Os dias seriam de muito trabalho e articulação por redes sociais, boca a boca e grupos de WhatsApp.
Sábado e domingo a missão é reagir em meio à enchente
No grupo Plano de Bairro, do Jardim Lapenna, no sábado, primeiro dia de enchente, predominam fotos dos estragos e as primeiras informações. No meio da tarde, alguém avisa que conversou “com o pessoal para ir acomodando as coisas para o lado de fora”.
Na manhã de domingo, moradora pede luva de limpeza emprestada. Circulam informações sobre doações na Catedral de São Miguel Arcanjo, a principal da região. Políticos mandam mensagens e alguém observa que a presença foi “tardia”.
Um morador repete que “tá cheio de entulho aqui, sofá quebrado, um monte de coisa”, enquanto outro fala de “bastante colchão na rua”. A semana mal começou.
Informações essenciais para começar a semana
Uma das primeiras mensagens da segunda-feira é “pessoal, algum ponto aí do bairro recebendo doações de roupa? Pq o galpão ainda está cheio de lama…”. O Galpão ZL, importante organização do território, havia sido alagado.
Dois endereços de doações são informados rapidamente. Rolam avisos importantes como o fechamento temporário da UBS e alguém pergunta “quem pode vir aqui no pedro moreira ajudar na organização das salas para guardar as doações?”.
Pedro Moreira Matos é uma escola. Em cinco minutos, alguém se candidata a ajudar. A escola ficará fechada para aulas, mas aberta para doações durante a semana.
Doações, marmitas, cadastros, entre outras providências
Embora nos grupos rolem informações de todo tipo - de venda de gatos a vídeo de Bolsonaro e filho hostilizados pela torcida do Vasco - no início da madrugada de quarta-feira, dia 5, circula a informação de que colchões estão disponíveis.
A escola Pedro Moreira vai oferecer alojamento e distribuir marmita. “Venham retirar”, diz uma mensagem. “Todas as lideranças da comunidade estão trabalhando em prol da divulgação da entrega das Marmitex, café da manhã, almoço e janta”.
Alguém reforça: “informativos e as movimentações que estão sendo feitas pela comunidade estão sendo divulgadas, no story e nos grupos do Lapenna e também no boca a boca”.
No final da tarde de quarta-feira, alguém está “querendo saber quando vai passar o cata bagulho, alguma informação? Por favor nos avise”.
Cadastro no CRAS, fundamental
Na quinta-feira, 6 de fevereiro, em uma articulação via WhatsApp, o presidente da Sociedade Nova Jardim Lapenna troca mensagens com o assessor do secretário de Abastecimento da Prefeitura de São Paulo. Consegue a abertura de 900 cadastros no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS).
O cadastro serve receber benefícios sociais como colchões, produtos de limpeza e cestas básicas. Às 9h17 da manhã, avisam: “quem não fez já pode vim agora”, ou seja, fazer inscrição no CRAS.
Discussões sobre quem pode ou não receber benefícios, entre outros acalorados debates éticos, são frequentes nos grupos. Há vídeos de esclarecimentos sobre quem realiza ou não determinadas ações.
Polêmica do final de semana: mulheres presas vendendo colchões
Uma semana após a enchente, ruas e casas continuam alagadas. As ruas, cheias de entulhos. As articulações para assistência às famílias estão a todo vapor. Alguém comemora “mais 60 pessoas beneficiadas pela doação”.
Um caso policial monopoliza as discussões nos grupos no final de semana. Duas mulehres estavam vendendo colchões recebidos de doação. Foram presas e um vídeo com viatura da PM entupida de colchões circulou, gerando muitos comentários.
O debate tem vários lados. “Às vezes a pessoa vende para comprar alguma coisa que está faltando dentro de casa”, e complementa que “depois que a pessoa pega é dela, ela faz o que quiser”.
Uma nova semana pela frente
A segunda-feira, dia 10 de fevereiro, começa com avisos de atendimento das famílias cadastradas na semana anterior. A mensagem comemora “200 kits de higiene pessoal e limpeza doméstica além de cestas básicas e colchões!”.
O corre continua. Nova mensagem pergunta “se alguém tiver e puder doar fraldas geriátricas, será uma mulher que está necessitando muito”. Outra pessoa escreve que “a urgência é infantil e juvenil”. Sugere-se “montar um posto avançado pra identificar esses casos”.
Quantas famílias estariam precisando? “Ontem eu observei ao menos 50 e pedi para o coordenador colocar no relatório pendência de 100, pois não tinha como avaliar!”, alguém responde.
Gisele Fernanda se prontifica a ajudar na contagem. Mãe-solo de dois filhos, um cadeirante, teve a casa alagada. “Eu vou voltar a trabalhar ainda hoje, mas no horário de almoço estarei disponível aí a gnt faz esse levantamento”.
A mensagem é de 9h14 de terça-feira, 11 de fevereiro, dez dias após a enchente. Ainda há muito a fazer, sem contar a possibilidade das próximas chuvas.