Jovens mudam rotinas para se adaptar às redes sociais na BA

"A tecnologia é uma ferramenta de conhecimento e isso é tudo que você precisa para alcançar a liberdade", diz estudante de Ciências de Dados

25 jan 2022 - 08h00
(atualizado em 26/1/2022 às 10h10)
“Com as redes sociais todos têm a oportunidade de mostrar o que sabem fazer"
“Com as redes sociais todos têm a oportunidade de mostrar o que sabem fazer"
Foto: Skramm / ANF

Com o progresso da tecnologia, muitos jovens brasileiros estão cada vez mais conectados à internet. No Brasil, em 2020, a utilização da rede cresceu, passando de 74% para 81% da população que a utiliza, o que representa 152 milhões de pessoas.  Os dados foram divulgados, em 2021, pela pesquisa TIC Domicílios, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação.

A pesquisa ainda aborda que o celular é o dispositivo mais usado como principal meio para acesso à internet, seguido de computador e televisão.

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Outro estudo, realizado pela We Are Social e Hootsuite, que publicou o relatório digital 2021, revelou que os brasileiros gastam uma média de 10 horas e 08 minutos usando a internet e usam, por dia, aproximadamente 03 horas e 42 minutos em mídias sociais.

Será que esses dados impactam positivamente na vida de boa parte dos jovens, principalmente das comunidades periféricas?

Mesmo com esse aumento, muitos jovens que moram em favelas ainda não têm acesso as essas tecnologias, pois não possuem condições financeiras para poder utilizar a internet por meio de dados móveis ou por wi-fi. Além disso, outro fator problemático são os altos valores dos dispositivos, como smartphone, tablet e notebook. Será que a maioria dos jovens têm condições de comprar esses aparelhos?

Entretanto, alguns jovens conseguem sobressair, “furar a bolha” e acessar a internet para mostrar as atividades profissionais e até ganhar dinheiro, como é o caso de Dricca Bispo, que usa as redes sociais para apresentar o seu trabalho artístico.

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A influencier Dricca Bispo tem 13 mil seguidores
Foto: Skramm / ANF

“Com as redes sociais todos têm a oportunidade de mostrar o que sabe fazer. Um jovem incentiva o outro e isso gera mudanças sociais, querendo ou não. Além disso, é possível perceber a cultura que as mídias digitais criaram. O exemplo disso, é que, hoje, muitas pessoas sabem o que é TikTok e Instagram e, com esses aplicativos, dá para ganhar dinheiro apenas dançando ou mostrando algo engraçado para as pessoas”, explica.

Mulher negra, artista independente e jovem empreendedora, Dricca, 24 anos, exibe a sua marca – a dança – nas plataformas sociais. A influenciadora diz que, desde pequena, foi muito ligada às artes e, durante a época do ensino médio, estava envolvida nas atividades de coral, intervalos musicais, oficinas de dança. 

Após escolher o que queria na vida, passou, em 2014, na Universidades Federal da Bahia (UFBA). A partir daí, ela se dedicou na carreira como dançarina e, hoje, trabalha com dança e música, além de ser produtora de conteúdo.

Dricca diz que iniciou a carreira de digital influencer por acaso, mas percebeu que criar conteúdo acerca dos bastidores de gravações, mostrar o cotidiano e postar vídeos dançando atrai possíveis contratantes.

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“Meu começo não foi de forma intencional. Após algum tempo postando, eu percebi que criando conteúdo sobre os bastidores das gravações, mostrando o dia a dia do que é ser artista independente e postando vídeos dançando, eu atrairia possíveis contratantes e criaria network para trabalhar com dança”, diz.

Ela revela que foi através desses conteúdos que os seguidores surgiram e, a partir disso, grandes e pequenas empresas conheceram o seu trabalho on-line e a contrataram para algumas publicidades.

“Atualmente, eu produzo vídeos dançando no reels, às vezes direcionados até para um contratante específico, já que muitos músicos perceberam a importância da dança para a divulgação do trabalho deles e vem até mim com o intuito de criarmos os famosos challenges, que viralizam nos aplicativos de entretenimento. E isso acaba sendo um pouco de tudo, porque as pessoas também se interessam pela vida pessoal das outras, então, em algumas ocasiões, meus pets aparecem na telinha ou minha família e amigos”, explica.

Hoje, Dricca possui mais de 13 mil seguidores no Instagram e fala como alcançou os números.

“Eu bati 10k (10 mil) depois de seis anos de Instagram por causa de um vídeo dançando pagode, desse modo percebi que os vídeos com dança, quando bem produzidos e com uma música em alta, gerava um bom engajamento. Continuei mantendo esse tipo de conteúdo e, em dois anos de pandemia, alcancei 13k”, revela.

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Agora, a influenciadora digital tem o desafio de manter o número de seguidores e gerar conteúdo para eles.

“O principal é manter esses seguidores interessados no seu conteúdo. Como muitas pessoas já perceberam que as redes sociais são um caminho para alcançar suas metas, muitos criam o mesmo conteúdo de forma massiva, e ser diferente no meio de tanta gente é bem difícil, mas eu faço o que posso para poder manter e ganhar meus seguidores”, fala sorrindo.

Dricca fala que criar conteúdo não é tão simples como parece, pois, 30 segundos de vídeo, muitas vezes, levam dias para ser criado.

“As pessoas veem o conteúdo de 30 segundo muito lindo e bem produzido, contudo as vezes demoramos dias pensando em como entregar o produto da melhor maneira possível”, diz e ainda ressalta a dificuldade quando o cliente não se responsabiliza pelos custos da produção: “quando não existe um contratante que se responsabilize pelos custos da produção, temos que correr atrás da colaboração de amigos. Então, é uma correria para conseguir quem filme, quem disponibilize figurino e faça cabelo, conseguir local, mas, no final, é muito satisfatório poder entregar o conteúdo como imaginamos”, fala sorrindo.

Ela também salienta que a tecnologia é uma oportunidade para o jovem adquirir conhecimentos voltados para o mercado de trabalho.

“A tecnologia abre muitas portas para os jovens que têm acesso a ela. Além das possibilidades com as redes sociais, é possível fazer cursos profissionalizantes de empresas que atuam com programação e, no final, oferecem uma vaga de emprego, por exemplo. E ter uma renda extra é algo essencial para quem é jovem periférico. Porém, muitos jovens que não conseguem se encaixar nos padrões que o sistema construiu, podem se sentir valorizados e reconhecidos por fazer algo que gostam utilizando a tecnologia”, pontua.

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Dricca Bispo, moradora do bairro Castelo Branco, percebe boas chances para muitos jovens exibirem o que eles sabem fazer e com isso terem possibilidades de um retorno financeiro. Ela manda uma mensagem aqueles que querem ser digital influencer:

“Não desista. Parece clichê, mas eu já me senti desmotivada a continuar produzindo em vários momentos e achei mesmo que não seria possível alcançar os seguidores que tenho hoje. Muitas pessoas vão se identificar pelo que você faz e são essas pessoas que você pode contar. Pode parecer pouco em comparação com outros influenciadores, mas não se compare com a história de outras pessoas, cada coisa acontece no seu devido momento. Construa sua rede de forma saudável para você e de acordo com a sua realidade”, finaliza.

Tecnologia para vida

“Para mim, a tecnologia permite a autonomia para que o jovem possa ir lá e aprender o que quiser. Por exemplo, a internet tem muito conhecimento; basta uma rápida pesquisa num mecanismo de busca para alcançar a resposta para quase qualquer pergunta”, ressalta, Helder de Jesus Conceição, 31 anos, estudante de Ciências de Dados e programador.

Helder Conceição
Foto: Ana Maria Conceição / ANF

O estudante destaca que a tecnologia sempre foi uma válvula de escape das estruturas limitantes da periferia de onde nasceu. “Existir dentro deste mundo é permitir que algo seja criado através das minhas próprias habilidades, sem interferências de meios externos. É também uma janela para um novo mundo no qual só o que importa é minha capacidade e habilidade de compreender a ciência das coisas”, afirma.

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Desde muito jovem, ele cria sites para empresas, o que lhe permitiu observar o desenvolvimento das tecnologias ao longo das últimas décadas. Atualmente, ele trabalha como freelancer no setor de Blockchain e também no desenvolvimento de sites e aplicações.

A relação com a tecnologia começou cedo na vida de Helder. Morador da comunidade de Brotas, em Alto do Saldanha, aos 13 anos ele desenvolveu seu primeiro jogo de RPG, com intuito de empoderar a comunidade.

O jovem diz que a tecnologia permite independência, e aponta a internet como uma forma de alcançar lugares dos quais nunca imaginou conhecer, além de poder fazer novas amizades.

“Usando a internet consegui conhecer muitos lugares e pude conhecer pessoas que foram referência para mim. A tecnologia é uma ferramenta de libertação na minha vida, por exemplo: me faço referência para que outros jovens compreendam o poder desta ferramenta e alcancem suas próprias missões pessoais”, enfatiza.

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O programador fala que a tecnologia pode mudar a vida das pessoas, através do conhecimento que surge oriundo dela. “A tecnologia é uma ferramenta de conhecimento e isso é tudo que você precisa para alcançar a liberdade, que é algo que se conquista para quem vem de onde eu vim, e ela pode ser uma boa ferramenta pra alcançar esse objetivo”, afirma.

Conceição tem uma conexão muito forte com as comunidades. Ele pontua que a tecnologia oportuniza aos jovens buscarem conhecimentos, mesmo com todas as limitações do sistema educacional brasileiro.

“As carências de oportunidades para jovens periféricos estão também ligadas à dificuldade de estes encontrarem conhecimento necessário para concorrer igualmente em um mercado cada vez mais competitivo e que não se importa com suas limitações. Para mim, a tecnologia permite a autonomia para que o jovem possa ir lá e aprender o que quiser. E é assim mesmo. A internet tem muito conhecimento. Basta uma rápida pesquisa num mecanismo de busca para alcançar a resposta para quase qualquer pergunta”, garante.

O programador diz que uma das mais importantes técnicas de pesquisa que orienta aos jovens é a pesquisa em inglês.

“Atualmente, navegadores já permitem a conversão do idioma do site para a nossa língua, basta um clique com o segundo botão do mouse e outro clique no botão ‘traduzir essa página’. Assim, é possível achar conteúdo gratuito e de muita boa qualidade que só está disponível no Brasil, através de cursos com altos custos que estão muito além das possibilidades de um jovem da periferia”, pontua.

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Para o estudante, a tecnologia traz diversos benefícios e resultados positivos economicamente, como iniciar uma carreira tecnológica e empreendedora da internet.

“Com conhecimentos básicos de HTML, CSS e Javascript (linguagens de programação), por exemplo, já é possível, para um jovem periférico, encontrar clientes através das redes sociais e é empoderando economicamente a si mesmo e aqueles que o rodeiam, que conhecerão, através de exemplos, as possibilidades do conhecimento tecnológico”, garante.

Nos dias atuais é comum jovens terem acesso às redes sociais. Conceição diz que eles podem melhorar de vida através delas: “o jovem que gera conteúdo na internet, seja nas redes sociais ou fora delas, pode alcançar sua emancipação através da conversão desse conteúdo em produto”, afirma.

Ele explica que o criador de conteúdo é responsável pelo tráfego da internet e que as pessoas só utilizam as redes sociais ou motores de busca porque alguém criou conteúdo.

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“Esse é o lugar mais importante na internet, já que ela é um espaço em que o tráfego estabelece as regras do jogo; é o movimento de pessoas dentro da internet e é importante porque define os custos pagos pelas grandes empresas que divulgam seus produtos nessas ferramentas. No fim, sem o criador de conteúdo, as redes sociais não são nada além de uma série de algoritmos parados”, assegura.

TrazFavela – potência da favela

Foi através da tecnologia que o empreendedor Iago Santos, 28 anos, morador da favela de São Caetano, idealizou o TrazFavela, uma startup que faz a intermediação entre comerciantes e entregadores, ou seja, é um serviço de entrega nas comunidades de Salvador e região Metropolitana, na Bahia.

Iago Santos
Foto: Fernando Gomes / ANF

O sucesso do empreendimento já é realidade, pois a startup já realizou mais de 3.500 entregas durante toda a operação que iniciou em setembro de 2019. Além disso, conseguiu parcerias, participando de programas do Google for Startup, sendo umas das primeiras startups do nordeste a participar dos programas deles, chamadas Startup Zone e o Black Founders Fund.

Santos explica que a iniciativa funciona pela rede social, por meio do aplicativo WhatsApp, o qual opera como central de atendimento, recebendo pedidos dos comerciantes e, depois, envia para os entregadores. Os clientes são os estabelecimentos comerciais no ramo de roupas, sex shop, cosméticos, marmita, confeitaria, entre outros. Em todo histórico, o negócio contabiliza quase 200 estabelecimentos que já trabalharam com eles.

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“Recebemos os pedidos dos clientes e mandamos o valor da taxa e o frete. Depois, enviamos a demanda aos entregadores, que a levam para o consumidor final”, esclarece.

Iago Santos, cofundador da startup, diz que o projeto está mudando a vida dele, já que o retorno que está tendo é muito positivo.  “Estão acontecendo muitas coisas boas na minha vida. São possibilidades de estar ocupando lugares que, antes, eu acreditaria que era impossível para mim”, fala entusiasmado.

Ele diz que através do empreendimento virou Coordenador de Tecnologia Inovação da Associação de Jovens Empreendedores da Bahia, faz parte da Comissão de Inovação do município de Salvador e é Suplente da Comissão de Inovação da Tecnologia da Federação do Comércio do Estado da Bahia (FECOMERCIO).

“Com o TrazFavela as portas se abriram e, hoje, consigo levar a mensagem de positividade para todos jovens das comunidades. Uma coisa que sempre carrego comigo: por onde eu andar, irei falar bem da favela e sempre vou mostrar o lado bom do que possui dentro dela”, destaca.

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Santos conta que teve a ideia de criar o projeto quando trabalhava no bairro nobre de Salvador, a Barra, e tinha acesso a vários aplicativos de delivery. Ele usava, comprava e consumia os produtos tranquilamente, mas, na região que morava, o aplicativo não tinha nenhum cadastro de comerciantes.

“Teve um dia, ao chegar na minha residência, fui fazer compras em um aplicativo e apareceu que a minha região não era atendida. O mais interessante que eu não achei nenhum comerciante do meu bairro dentro do programa. Eu fiquei muito incomodado, pois o meu bairro e os circunvizinhos têm um comércio muito forte. Com tudo isso, vi uma grande oportunidade para criar o TrazFavela”, explica.

 O projeto foi lançado dentro de uma competição de criação negócios, no qual foi desenvolvido boa parte da ideia.  “Por causa da competição fiz a parte de pesquisa de mercado, fui para rua, perguntei para as pessoas e vi que essa dor não era só minha, pois nas comunidades não tinham aplicativos que atendesse as favelas”, salienta.

Iago Santos conta que tem uma relação muito estreita com a favela e relata que a startup mostra a capacidade de transformação que os moradores do bairro possuem na região, além de oferecer notoriedade aos estabelecimentos comerciais. “O TrazFavela começa a trazer uma visibilidade diferente, mostrando a potência que existe dentro do bairro e a capacidade de transformação que as pessoas têm de dentro dela”, afirma.

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Iago lembra das dificuldades que teve que enfrentar ao longo dos tempos e explica que o nome foi, e continua sendo, um problema, pois o termo “favela”, para muitos, remete à negatividade.

“Houve bastante críticas pelo termo ‘favela’ dentro de ‘TrazFavela’. As críticas eram feitas por empresários que não são da comunidade e estranharam esse nome por não ser muito mercadológico, pois muitas pessoas encaram de forma pejorativa”, lembra.

O empreendedor, no entanto, resistiu às críticas e ressalta que o projeto nasceu com o intuito de tentar quebrar o preconceito que existe nas periferias. “Nas favelas têm coisas boas, não só coisas ruins. Os comerciantes da região abraçam o projeto, mas os investidores de fora não dão muita atenção”, afirma.

Iago faz questão de frisar que carrega a favela onde estiver: “uma coisa que sempre carrego é a favela, pois, por onde eu andar, sempre levarei ela comigo; para falar as coisas boas que existem dentro dela”, afirma.

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Mesmo com todas as circunstâncias, a startup foi a única da Bahia a participar do “Amcham Arena” e ficou entre as 22 melhores do Brasil. Amcham Arena é realizada pela Câmara Americana de Comércio para o Brasil, com o intuito de reconhecer as melhores startups do país.

Além de Iago Santos, que trabalha no setor de negócios e da comunicação e parcerias, a startup é composta por mais dois sócios: Marcos Silva, responsável pelo desenvolvimento e construção da plataforma, e Ana Luiza, encarregada pela operação, financeiro e atendimento. Também existe uma funcionária que ajuda no atendimento na parte operacional, pelo WhastApp. 

Sobre o futuro, Iago pretende lançar, neste ano, o aplicativo do TrazFavela e se consolidar em Salvador com perspectiva de expansão para mais quatro municípios do Brasil.\

TrazFavela: sócios Marcos Silva, Iago Santos e Ana Luiza
Foto: Fernando Gomes / ANF
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