Em uma São Paulo do mundo invertido, um artista precisa resgatar o seu equipamento, preso no centro da cidade, para realizar um show. 70% da população foi transformada em zumbis por uma nova variante do vírus “Covid-20”, e o município está sendo evacuado. A polícia não existe mais, foi substituída por uma força particular conhecida como Milícia BR. Esse pesadelo cyberpunk (ou melhor, “cybertrap”) é o roteiro inicial de Sonho Trap Star, novo game de ação que está sendo desenvolvido pelo estúdio Salve!.
A ideia do jogo partiu de Alexandre De Maio, fundador da revista Rap Brasil e quadrinista premiado, autor de obras como Raul e Desterro (esta última em parceria com o escritor Ferréz). “Eu sempre me interessei pelo universo dos videogames, e agora a tecnologia para desenvolver jogos está mais acessível”, conta De Maio em entrevista à Ponte.
O personagem principal é um trapper da vida real, DaLua, um dos pioneiros do subgênero de hip hop no Brasil. “Eu queria pegar esse novo momento do hip hop, do trap, e fui atrás das pessoas que começaram a história do trap no Brasil. O DaLua faz parte do time da Outlaws, cujo um dos sócios é o Cris Konebo, que eu conheço desde que ele rimava quando tinha 14 anos na zona norte de São Paulo. DaLua tem um estilo único e está ajudando a desenvolver a história, trazendo ideias”, explica o criador do jogo.
Trap é o nome dado ao estilo de hip hop que emergiu em meados da década de 2000 no sul dos Estados Unidos, com mais ênfase nas melodias da voz, batidas digitais e um uso característico do chimbau da bateria, nos chamados “triplets”. Pelo fim da década de 2010, o trap se tornou o estilo predominante nas paradas de hip hop, e ganhou o gosto popular também no Brasil, com artistas de funk, como MC Poze e Salvador da Rima, se aventurando no estilo.
“Em 1998 eu fiz um curso de 3D na Avenida Paulista, aí eu vi Toy Story e desisti da profissão (risos). Mas depois comecei a fazer cursos online, e conheci o Rafael Martins Alcântara, que é desenvolvedor lá do Capão Redondo (periferia da zona sul da capital paulista), que me ensinou muita coisa e está junto no desenvolvimento do jogo”, lembra De Maio. “Como é minha estreia nesse universo, escolhi um tema que fosse próximo da minha realidade.”
A intenção de Sonho Trap Star é trazer uma paródia que critique os problemas da cidade de São Paulo, inspirada no universo da franquia Grand Theft Auto (GTA), mas com elementos cinematográficos e narrativos que remetem também à série de games The Last of Us. “A ideia é fazer uma crítica ao uso de armas. Somos contra essa liberação de armas que exista agora no Brasil e queremos usar o lado lúdico do videogame para falar do perigo que é esse monte de arma na rua e onde isso vai parar”, explica De Maio, que garante que marcos arquitetônicos de São Paulo vão dar as caras no game, como o Museu de Arte de São Paulo, a Catedral da Sé e o Edifício Copan, além de bairros periféricos.
Como outros jogos do tipo, o game utiliza a violência como metáfora para tratar da violência urbana no mundo real. “O roteiro traz uma cidade com a milícia distribuindo armas na rua para quem tem emprego, meio que em cima daquela ideia do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, de ‘licença para matar’, uma polícia privada que tem licença para matar até a Polícia Militar. O jogo vai discutir o que acontece quando se mistura política populista, segurança pública e o que temos visto, talvez mais fortemente no Rio de Janeiro, mas que talvez possa tomar todo o país”, resume o criador.
Por outro lado, a música aparece como redenção: quem finalizar o game vai ter acesso a uma faixa inédita de DaLua, além de presenciar um show virtual do artista. Sonho Trap Star ainda não tem data de lançamento, mas está programado para chegar à Steam, loja virtual de games, em 2023, inicialmente para PCs. No momento a equipe está procurando mais parceiros comerciais e já conta com um nome de peso, a marca de streetwear Kings.