Programadores, ativistas, advogados e empreendedores expressam diferentes pontos de vista sobre as mudanças anunciadas por Mark Zuckerberg. Suas opiniões não expressam a totalidade, nem o resumo do que pensam as periferias sobre o fim dos filtros nas redes sociais. Mas dão indícios relevantes.
Imagine uma postagem no Instagram sobre a importância de lideranças comunitárias citando o famoso samba de Leci Brandão que fala de “um novo líder no morro do Pau da Bandeira”. O conteúdo é barrado e o autor recebe notificação.
Essa situação real aconteceu com Tauan Matos, fundador da +1Code, que ensina programação gratuita no Jardim Pantanal, periferia da zona leste de São Paulo. Ele sabe que, com as mudanças anunciadas pela Meta, os problemas das redes sociais devem aumentar, mas existe outro lado.
Postagens injustamente proibidas pelo algoritmo poderão ser disseminadas, como o conteúdo com o samba de Leci Brandão. Para Matos, o ideal seria o uso dos filtros e a participação dos usuários como moderadores.
Com as mudanças anunciadas por Mark Zuckerberg, “os próprios usuários vão ajudar a identificar o que é fake news. Isso é incrível porque dá voz a quem está na base, quem vive o dia a dia das comunidades. Garante que a gente tenha um papel importante nas decisões que moldam o que vemos na internet”, acredita Matos.
“Agora vai ficar mais difícil, é assustador”
Para Solange Silva, “nas periferias as consequências vão chegar de forma mais agressiva, serão alvo de racismo, homofobia.”, diz a advogada. “Obviamente, mulheres negras, trans, periféricas, ficam mais vulneráveis. Não é só hostil, é perigoso, essas questões virtuais matam na vida real”.
Silva é coordenadora pedagógica do Instituto Minas Programam, que, desde 2015, ensina programação de graça para meninas e mulheres, priorizando negras e indígenas. O aumento de crimes nas redes sociais terá uma consequência jurídica negativa.
“Quem tem dificuldade de acesso à justiça vai ter mais, porque uma coisa é sofrer o crime na internet, outra é ter um advogado para entrar com uma ação”, lembra Silva.
Músico periférico empreendeu pelo Instagram
Boaz Souza é músico, arranjador, professor e educador. Nasceu no jardim São Rafael, favela de Guarulhos. Pelo Instagram, estabeleceu sua empresa de músicos que tocam “em casamentos de quem quer casar e não tem grana”.
Ele considera “uma boa mudança” a retirada de filtros da Meta. “A tecnologia consegue me levar a lugares onde um cara da periferia, um cara favelado, preto, se for pelo modo comum, não vai”.
Como músico, viajou países, quase todos os estados brasileiros, gravou com grandes nomes e fez a turnê marítima com Roberto Carlos, o projeto Emoções em Alto Mar. Como empreendedor, ter começado na internet “foi algo fenomenal, lindo”.
“Com essa mudança da Meta, eu penso muito que a internet é aquela coisa da consciência. Algumas coisas só afloram mais o que a pessoa é. Mas na favela temos grandes artistas, empreenderes, que só precisam de um pouco mais para expandir seus produtos”.
Para ativista mineiro, exclusão vai se agravar
Daniel Silva, 41 anos, é um ativista mineiro com longa experiência em recuperação de pessoas no cárcere. Desenvolve trabalhos em locais como o Morro do Papagaio, perto de Belo Horizonte.
Para ele, “vamos estar diante de um agravamento muito grande que vai segregar ainda mais as periferias, dando abertura a racistas, preconceituosos, xenofóbicos, radicais. E vai aumentar a dificuldade de identificar”.
Ele imagina o surgimento de guetos virtuais. “O que vai fazer eu querer entrar no Instagram se vai ter a todo momento uma mensagem de ódio, exclusão? Então vai continuar nos grupos fechados, onde se falam os iguais. Eu não vou conseguir ter uma plataforma democrática”, acredita.