Problemas atuais não vêm da tecnologia, diz criador do Orkut
Engenheiro que criou o Orkut opina sobre diversos assuntos frequentemente debatidos sobre as redes sociais, como algoritmos e fake news
O turco Orkut Buyukkokten foi o engenheiro que criou a rede social que levava seu nome - aquela pela qual os brasileiros foram fissurados durante anos. Registros de uma fase boa da vida, fotos um pouco comprometedoras, as comunidades mais engraçadas da internet, os depoimentos fofos dos amigos disputando o topo do perfil foram elementos que marcaram toda uma geração. Por mais que a rede social criada por Orkut tenha sido apagada em 2014, as ideias do engenheiro não foram deixadas para trás nem sequer interrompidas.
Além de ter criado a plataforma Hello em 2016, o engenheiro carrega consigo uma visão particular sobre o mercado e o comportamento dentro do mundo das redes sociais e nada contra a corrente defendendo o modelo em que acredita: o que conecta as pessoas de verdade. Hello, sua nova rede social, teve, até hoje, cerca de 1,1 milhões de downloads no mundo todo. É bem pouco - o Facebook, por exemplo, teve cerca de 30 milhões de downloads só no iPhone no primeiro trimestre deste ano.
Apesar de ter entrado várias vezes no Instagram para registrar, por exemplo, a caipirinha que estava tomando no almoço e a chuva de São Paulo durante a conversa com o Estado, o engenheiro mostra grande preocupação com o jeito que as redes sociais funcionam hoje. Na entrevista a seguir, Orkut opina sobre diversos assuntos frequentemente debatidos sobre as redes sociais e deixa claro que o culpado pelos nossos problemas não é a tecnologia, mas sim o jeito como as novas redes sociais funcionam.
Estado: O que mudou no mundo das redes sociais, comparando a época que o Orkut surgiu, lá no começo dos anos 2000, com os dias de hoje?
Orkut Buyukkokten: Umas das mudanças mais visíveis é o uso de smartphones para acessar as redes sociais, assistir vídeos e ouvir música, o que inicialmente era restrito a computadores. Outra coisa que mudou foi a geração. Hoje, temos uma nova geração que está sempre conectada e interagindo nas redes sociais. Mas há também uma mudança no estilo particular das novas redes sociais, que passaram a ser um lugar em que as pessoas se comparam umas com as outras. E isso não é uma surpresa, já que as novas redes sociais, como Facebook e Instagram, foram projetadas para estimular que os usuários se promovam dentro das plataformas. Essas redes sociais ganham dinheiro a partir dos nossos interesses. Ao invés de favorecer os usuários, elas favorecem anunciantes, empresas e acionistas. As tecnologias dessas plataformas são desenvolvidas para atrair anunciantes, a partir do valor de números de engajamento e tempo gasto nos serviços.
De que forma esse novo funcionamento das redes sociais impacta a experiência dos usuários nas plataformas?
Criamos uma geração insegura e solitária e, quanto mais as pessoas usam as redes sociais, mas isoladas elas ficam. E mais: há uma grande relação entre a depressão e uso de redes sociais. Hoje, as pessoas não são elas mesmas nas redes sociais, porque se expor é aceitar o risco e o medo da rejeição. A maioria dos usuários têm centenas de amigos com que interagem apenas superficialmente. Temos uma geração que envia de forma automática e rasa as mensagens de parabéns em aniversários. Isso porque as redes sociais deveriam ser um lugar para juntar as pessoas, com o objetivo de criar uma comunidade que socializa entre si e deixa as pessoas mais felizes.
Isso era diferente no Orkut?
O Orkut tinha um estilo totalmente diferente. Ele não foi criado para as pessoas se auto-promoverem: não tinha o feed de notícias que as redes sociais atuais têm. Quanto mais as pessoas usavam o Orkut, mais conectadas elas se tornavam, porque elas interagiam em comunidades, conversavam sobre o que elas gostavam, e viam essa relação crescer na vida real também. Eu conversei com várias pessoas, principalmente no Brasil, que me disseram que encontraram o seu melhor amigo no Orkut. As redes sociais têm o potencial de criar momentos mágicos e incríveis, porque elas têm a capacidade de conectar não só amigos e vizinhança, mas milhões de pessoas. Aqui em São Paulo, por exemplo, há 12 milhões de habitantes. Agora imagine que uma plataforma tem o poder de conectar todas essas pessoas! Nós também criamos o Hello em torno dessas comunidades e interações. E eu não culpo a tecnologia pelos problemas que estamos vivendo. Sou convicto de que a tecnologia pode nos unir e nos conectar. O problema é a forma como a tecnologia é usada e o tipo de rede social que existe hoje, que só nos separa.
Você acha que o algoritmo é um problema dentro das redes sociais?
Os algoritmos são otimizados para gerar receita, lucros e publicidade de marcas, em vez de estimularem a conexão entre as pessoas e a felicidade dos usuários. Podemos notar um exemplo dessa necessidade de engajamento e lucro se olharmos para serviços como o Twitter - lá, dentro do engajamento total, que traz retornos financeiros para a empresa, existe um grande número de engajamento falso, com contas maliciosas e robôs, que, apesar de não serem reais, atraem anunciantes e acionistas.
As redes sociais se tornam hoje um poderoso canal de disseminação de informações e de opiniões políticas. É o lugar certo para isso?
É um grande problema. Temos vários exemplos de como essa questão pode impactar a política e as eleições. Empresas e usuários podem hoje disseminar informações para milhões de pessoas, em apenas um lo que é real. E muito disso é consequência da maneira como o feed de notícias e os algoritmos funcionam.
No Hello isso também acontece?
Nós temos um recurso para solucionar essa questão. Trata-se de um sistema de reputação, que funciona da seguinte maneira: a reputação de um usuário aumenta de acordo com o número de interações positivas com os membros da plataforma e, quanto maior a reputação de um usuário, mais audiência seu conteúdo passa a ter. Assim, é impossível que fake news se espalhem na rede.
Como está sendo a experiência do Hello?
Converso muito com os usuários do Hello e eles dizem basicamente três coisas. Primeiro, que eles conseguem criar conexões significativas a partir de assuntos que eles amam. Eles também dizem que é um lugar feliz para se estar. Além disso, eles nos falam que se sentem confortáveis para serem no Hello quem eles realmente são na vida real, porque é uma comunidade muito receptiva. Ouço histórias de pessoas que viajaram para outro país para conhecer pessoalmente alguém do Hello, já escutei até histórias de pessoas que se conhecerem no Hello, se apaixonaram e hoje vivem juntas. E é esse o nosso objetivo: unir as pessoas por meio das redes sociais e também conectá-las na vida real.
O Orkut tinha um museu, com os arquivos da plataforma disponíveis para os usuários, mas o Google o apagou em 2017. Lá tinham muitas histórias de pessoas, principalmente dos brasileiros, em que o Orkut participou da vida de toda uma geração. Como você enxerga a importância dessa memória do Orkut?
O Orkut tinha uma grande quantidade de memórias, imagens, conteúdos, comunidades e discussões, e foi muito importante disponibilizar esse material para os usuários, para permitir que as pessoas preservem essas memórias. É essencial a atitude de olhar para o nosso passado, para a nossa história, porque tudo que aconteceu há décadas e séculos atrás fazem de nós o que somos hoje. E esse também é um problema dessa nova geração, que é desatenta à nossa história e também a valores como amizade, amor, união e empatia. Nós tínhamos esses valores no Orkut e eles se perderam nas redes sociais atuais. É importante valorizar isso e compartilhar esses valores com as gerações que ainda estão por vir.