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Alan Turing, criador da teoria da computação, faria 106 anos neste sábado (23)

23 jun 2018 - 10h16
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Alan Turing, hoje conhecido como o criador da teoria da computação, faria 106 anos neste sábado (23), se não tivesse falecido aos 41, em Cheshire, no Reino Unido. Destacando-se nas ciências matemáticas e lógicas, desde jovem era apontado como estranho e excluído do convívio social por sua natureza introvertida, associada à sua dificuldade de respeitar regras e figuras de autoridade.

Mas foi na relação afetiva e intelectual que construiu com Christopher Morcom, quando tinha 16 anos de idade, que Turing encontrou sua vocação para as ciências exatas. Morcom foi, além de um grande primeiro amor, o estímulo acadêmico que deu início à carreira de Turing, incentivando-o à pesquisa e ao cálculo. Em 1930, Christopher morreu de pneumonia e, duas semanas mais tarde, Turing escreveu uma carta à mãe de Morcom, que foi lida pelo ator Benedict Cumberbatch, que o interpretou no filme O Jogo da Imitação, de 2014.

Sua extraordinária vivência pessoal e sua importância para o rumo que a história da humanidade tomou poderiam ter caído completamente no esquecimento, se não fosse o escritor e também matemático Andrew Hodges, em 1983, a lançar a biografia Alan Turing: O Enigma, que posteriormente deu origem ao filme.

O trabalho de Turing não pode ter sua importância resumida à criação da teoria da computação, à criptografia, à noção de algoritmo, aos primórdios do que hoje estamos desenvolvendo sobre inteligência artificial e redes neurais ou mesmo ao seu talento para o cálculo. Turing foi, antes de ser um acadêmico brilhante, um herói de guerra.

 A Segunda Guerra Mundial

Em 1937 foi publicado o artigo "Sobre as Máquinas Computáveis" de Alan Turing, o que comprovou que existiam cálculos que eram impossíveis de serem resolvidos. O que ninguém percebeu, naquele momento, era que essa barreira que levava à necessidade de criar formas de aprimorar a maneira de se fazer contas levaria à construção dos nossos computadores modernos. No artigo, Turing desenvolveu a noção que seria possível criar uma máquina de cálculos que fosse capaz de solucionar equações sob os comandos adequados, dando início ao que hoje compreendemos como a lógica da programação.

Entretanto, neste mesmo momento, nascia mais que o embrião da computação moderna: No auge das batalhas da Segunda Guerra Mundial, Adolf Hitler utilizava uma parafernália tecnológica chamada Enigma, capaz de criptografar mensagens emitidas por telégrafos de forma sistemática, permitindo a interpretação das informações apenas àqueles que detinham conhecimento de como a máquina embaralhava as seqüências de letras, por meio de senhas cifradas. Os alemães estavam seguros que o método de criptografia era indecifrável aos Aliados, quando a GC&CS do exército britânico, em 1939, convocou Turing para encontrar soluções para interceptar as mensagens e compreendê-las, dando vantagem competitiva em relação aos países do Eixo.

Aqueles submarinos alemães não são mais tão secretos agora (Imagem: Reprodução / Pinterest)
Aqueles submarinos alemães não são mais tão secretos agora (Imagem: Reprodução / Pinterest)
Foto: Canaltech

Ao entrar nas ações de inteligência de guerra britânicas, em Bletchley Park, um centro especializado em criptoanálise, Turing encontrou uma Alemanha confiante de seu triunfo, enquanto o resto da Europa parecia ir de mal a pior. Era hora de adotar medidas para virar o jogo e Turing teve papel determinante ao construir, em 1940, o Bombe, um artefato eletromecânico capaz de decodificar as mensagens criptografadas da Enigma sem que os alemães soubessem da vantagem estratégica, ajudando os Aliados a abater os submarinos secretos do serviço de guerra do Eixo. Sem o talento de Turing para decodificar, que ele desenvolveu ao longo de sua vida com interesse e paixão, possivelmente teríamos um final bastante diferente para a Segunda Guerra Mundial. Análises posteriores afirmam que as estratégias utilizadas graças ao trabalho do matemático encurtaram a duração dos combates, salvando cerca de 14 milhões de vidas.

 A injustiça

O trabalho prestado à humanidade por Turing durante os anos da Segunda Guerra Mundial permaneceu desconhecido por muito tempo, dado seu caráter secreto. Nem mesmo Ethel Sara, mãe dele, sabia que seu genial filho era um herói de guerra quando, em 1952, a força policial britânica o condenou ao cárcere sob a alegação de grande indecência por relacionar-se afetivamente com outros homens. Foi-lhe dada a escolha entre a reclusão e a administração forçada de estrogênio para supressão da testosterona, método conhecido como castração química, e Turing optou por sacrificar quem ele era para tentar se adequar às normas da sociedade britânica dos anos 1950.

Relacionar-se com pessoas do mesmo gênero foi interpretado como crime no Reino Unido até 1982. A legislação cruel, que condenava ao cárcere, à castração química, aos trabalhos forçados não remunerados e à humilhação pública, fez mais de 50 mil vítimas na Inglaterra, incluindo, além de Alan Turing, outras grandes mentes, como o escritor Oscar Wilde.

Alan Turing durante a época do colégio (Imagem: Reproduçào / iStock)
Alan Turing durante a época do colégio (Imagem: Reproduçào / iStock)
Foto: Canaltech

A administração forçada de estrógeno, além de humilhante e invasiva, é uma prática perigosa e pode levar a problemas de circulação, depressão, perda de massa muscular e óssea, além do surgimento de ginecomastia (desenvolvimento de seios) e tumores. Mas o maior impacto que Alan Turing sofreu foi ser impedido de continuar servindo à Coroa como consultor em criptografia, uma vez que a condenação o tornou impossibilitado de acessar informações confidenciais.

Humilhado e devastado pela exclusão e perseguição, após dois anos de sua condenação, Turing foi encontrado morto em seus aposentos por um criado. Ao lado do corpo, uma maçã pela metade foi encontrada. Especula-se que o fruto tenha servido de veículo para o cianeto que levou Turing a óbito, mas essa hipótese nunca chegou a ser testada. Como a morte de Turing se relaciona com temas controversos como a injustiça com os heróis de guerra, perseguição estatal às liberdades individuais e segredos de nações durante a SGM, todos os elementos que cercam seu possível suicídio são passíveis de questionamento e incertos. Há quem garanta que a contaminação por cianeto encontrada nos exames post-mortem se deu por acidente, como acredita a mãe do gênio, já que ele ocupava sua mente executando experimentos nem sempre de forma cuidadosa em sua própria residência.

Um perdão muito tardio

Em 2009, Gordon Brown, o primeiro-ministro britânico à época, foi a público se redimir pela crueldade derramada a Alan Turing e outros cidadãos durante as décadas de 1950 e 1980. "Ainda que Turing tenha sido tratado sob as leis da época e nós não possamos voltar no tempo, seu tratamento foi evidentemente injusto e eu tenho o prazer de ter a chance de pedir profundas desculpas por todos pelo que lhe aconteceu. Então, em nome do governo britânico e de todos que vivem em liberdade graças ao trabalho de Alan, eu orgulhosamente digo: perdão, você merecia algo muito melhor", disse Brown, tarde demais.

Homenagem a Turing, a placa azul é concedida a cidadãos influentes pelo governo inglês (Imagem: Getty Images)
Homenagem a Turing, a placa azul é concedida a cidadãos influentes pelo governo inglês (Imagem: Getty Images)
Foto: Canaltech

No dia 31 de janeiro de 2017, entrou em vigor a Lei de Turing, legislação britânica que torna sem efeito as condenações ocorridas que destruíram a vida de Alan Turing, Oscar Wilde e mais de 50 mil cidadãos anônimos. Mas nada poderia responder à inquietação de quais avanços científicos e tecnológicos poderíamos ter em mãos hoje, caso a crueldade humana não tivesse interrompido o trabalho de uma mente tão brilhante quanto a de Turing.

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