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Ameaça ou ferramenta? Lensa e outras IAs de imagem preocupam artistas

Serviços como o Lensa e o Dall-E criam imagens artísticas, e aparentemente exclusivas, com apenas alguns cliques

13 dez 2022 - 05h00
(atualizado às 09h09)
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Lensa levantou debate entre artistas sobre como a tecnologia de inteligência artificial pode desvalorizar seu trabalho
Lensa levantou debate entre artistas sobre como a tecnologia de inteligência artificial pode desvalorizar seu trabalho
Foto: Lensa / Reprodução

O aplicativo Lensa se tornou um fenômeno nas redes sociais nos últimos dias. Na Play Store e na App Store, se tornou um dos apps mais baixados. O motivo do sucesso é que o serviço, que existe desde 2018, lançou uma ferramenta para que pessoas criem imagens “artisticas” por cima de fotos reais.

A novidade levou artistas a se questionarem sobre como esse tipo de tecnologia pode impactar esse trabalho e, acima de tudo, sobre a disposição de pessoas pagarem pelo app. Afinal, não seria mais justo contratar uma pessoa real para fazer essas artes?

Afinal, o Lensa não é gratuito. Você coloca entre dez e 20 imagens, que servirão como base para a criação dos novos avatares -- o nome dado às imagens criadas pelo sistema. A partir daí, o aplicativo trabalha em cima dessas fotos com seu sistema de inteligência artificial e oferece três pacotes de preços.

Um deles vem com 50 avatares únicos, com cinco variações de dez estilos, por R$ 31,99; um com 100 avatares únicos, com dez variações de dez estilos, por R$ 41,99; ou 200 avatares únicos, com 20 variações de dez estilos, por R$ 63,99.

“O problema mora na desvalorização do trabalho artístico. Noto que as pessoas, de modo geral, querem consumir arte, mas não querem pagar o que ela realmente vale, seja por uma caricatura, um quadro e até mesmo música”, diz Bruna Conrado, artista independente de 30 anos. “Então quando um aplicativo cobra, digamos, R$ 35 por 50 ilustrações, a pessoa não vai querer pagar R$ 150 em um retrato personalizado." 

"Quando um app cobra R$ 35 por 50 ilustrações, a pessoa não vai querer pagar R$ 150”, diz artista Bruna Conrado sobre Lensa
"Quando um app cobra R$ 35 por 50 ilustrações, a pessoa não vai querer pagar R$ 150”, diz artista Bruna Conrado sobre Lensa
Foto: Acervo pessoal

É a mesma visão de Letícia Kanashiro, artista independente de 22 anos. Ela se posicionou ativamente no Twitter, chamando a atenção das pessoas para contratarem um artista independente e não uma inteligência artificial.

“Se uma pessoa pode pagar R$ 35 pra fazer uma arte no estilo de alguém e gerá-la instantaneamente enquanto o artista demora dias e cobra mais que o dobro, aí realmente é isso que a pessoa vai fazer. A valorização da arte é muito cultural, é uma coisa que o Brasil não tem com tanta força”, comenta Kanashiro.

Artistas versus robôs

Outros artistas independentes estão se colocando frontalmente contra o Lensa. O jornalista e artista Thiago Borbolla fez uma provocação: quem fizesse para ele um Pix no valor do pacote do Lensa receberia uma arte exclusiva. Borbs, como é conhecido, precisou até mesmo interromper a campanha, já que começou a não ter tempo para tantas artes solicitadas.

“Essa foi literalmente a primeira vez que ofereci meus desenhos como trabalho. Não consigo achar o que faço bom o suficiente e, óbvio, nunca achei que alguém pagaria. Na verdade, quando inventei isso de ‘pague pra mim ao invés de pagar o robô’, foi mais como um posicionamento sobre a história de IA. Me surpreendi com o quanto deu certo”, diz ele.

Hoje, os artistas independentes veem a inteligência artificial mais como uma desvalorização do trabalho do que uma ameaça. No entanto, assim como já existe tecnologia que substitui motoristas, faxineiros e operários de chão de fábrica, espera-se um futuro em que robôs substituem trabalhadores criativos, como artistas plásticos, escritores, poetas e jornalistas.

O segredo, para artistas, é saber usar esse burburinho. “Pode ser que o Lensa seja passageiro, apenas uma onda, como foi com os NFTs, cujo hype já deu uma baixada — e, quem soube utilizar isso a seu favor, conseguiu faturar bem e entrar em outro nicho”, diz Conrado.

Os limites do direito autoral

Uma discussão paralela surgiu com o Lensa: quais foram os desenhos que inspiraram este e outros aplicativos semelhantes? Afinal, a inteligência artificial não consegue criar nada do zero — ela precisa se alimentar do real.

No Twitter, a artista norte-americana Lauryn Ipsum encontrou alguns pontos de preocupação. Em algumas das artes compartilhadas por usuários do Lensa, foi possível notar rabiscos no canto inferior direito das obras. Ela notou que são resquícios das assinaturas dos artistas que tiveram suas obras de arte “canibalizadas” por esse sistema de arte artificial.

Letícia Kanashiro: "A valorização da arte é muito cultural, o Brasil não tem com tanta força"
Letícia Kanashiro: "A valorização da arte é muito cultural, o Brasil não tem com tanta força"
Foto: Acervo pessoal

“Estes são todos os retratos feitos no Lensa onde os restos mutilados da assinatura de um artista ainda são visíveis. São os restos da assinatura de um dos vários artistas que foram roubados”, disse a artista, na rede social.

Kanashiro apontou essa preocupação na entrevista para Byte. “Tem um problema sério com a IA que é a dependência de input. Ou seja, para gerarem as imagens, eles precisam de modelos existentes. Rola muito uso da arte alheia sem autorização”, diz ela. “[É] algo que você poderia pagar a um artista pra fazer, [mas] você joga na IA com o nome do artista e ele gera uma imagem do jeito que você quer."

São questões similares levantadas por artistas em relação ao serviço de inteligência artificial Dall-E. Mais complexo do que o Lensa, ele cria imagens do zero apenas a partir de descrições textuais dos usuários. Tudo ali é novo, mas o traço, é claro, vem de algum lugar.

Por enquanto, as leis de direito autoral se atrapalham quando se trata de IAs. Afinal, a obra geralmente não é copiada literalmente pelo sistema, apenas se inspira nela. Qual o limite disso? No Brasil, o Senado começou a tratar a questão, recebendo de uma comissão de juristas um relatório na terça-feira passada (6) sobre os direitos das pessoas afetadas pelos sistemas inteligentes.

Um futuro mais colorido

Apesar da ameaça aos artistas e da preocupação com direitos autorais, dá para vislumbrar um futuro em que IAs e artistas se beneficiam mutuamente. Por exemplo: usando o Dall-E, que na sua versão gratuita permite gerar até 15 imagens por mês, é possível ter ideias e ajudar na composição de um arte que não seja tão simples.

“Se alguém encomenda uma arte com a pessoa montada em um dinossauro com uma armadura de valquíria correndo por campos de girassóis, dificilmente você vai achar um exemplo específico para te ajudar. Jogando a ideia num programa estilo Dall-E, ele gera imagens que, mesmo com qualidade duvidosa, dão uma ideia de composição, cores, poses. O que torna algo bom ou ruim é o uso que a gente dá”, diz Letícia.

Borbs, porém, alerta que precisa haver compreensão do que é ser artista quando a inteligência artificial entrar no cotidiano. “Não dá pra considerar quem chega lá e digita alguma coisa como artista. Mas se for possível, por exemplo, eu pedir pra IA fazer uma mão, no meu estilo, na posição que eu quero... Aí sim”, diz.

E como fazer sua arte ainda ser relevante frente às tecnologias? “Fazendo arte. Não é isso o que IA faz. Se olhar pra esses avatares do Lensa, são todos iguais. ‘Ah, mas dá pra saber que foi você que fez os avatares também, Borbs!’. Sim, claro. Mas pra fazer aquilo eu procurei referências, detalhes. São personalizados. IA não faz isso.”

Fonte: Redação Byte
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