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Após anos de cortes, o que esperar da ciência na gestão Lula?

Verbas às universidades federais caíram 45% durante o governo de Jair Bolsonaro. Propostas de Lula são vagas sobre financiamento

7 nov 2022 - 05h00
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As verbas de custeio às universidades federais caíram 45% durante o governo Bolsonaro, e o investimento dado a essas instituições caiu 50%
As verbas de custeio às universidades federais caíram 45% durante o governo Bolsonaro, e o investimento dado a essas instituições caiu 50%
Foto: Darko Stojanovic / Pixabay

Um dos pensamentos unânimes na produção científica brasileira é que apesar do setor sofrer com cortes de verbas públicas há muitos anos, o cenário piorou nas gestões recentes de Dilma RousseffMichel TemerJair Bolsonaro. Espera-se que a situação melhore a partir de 2023 com as propostas do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Seus mandatos anteriores, de 2003 a 2010, focaram em investimentos nas universidades e instituições de ensino superior.

Na Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2023, o governo federal já planejou um corte de 42% do orçamento previsto para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). A medida, segundo a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), traz perdas de R$ 4 bilhões para o setor. 

Essa movimentação também é resultado da Medida Provisória 1.136/2022, que congela a liberação de R$ 3,5 bilhões de recursos ao FNDCT e impede o acesso a mais de R$ 14 bilhões até 2027. Ainda em tramitação e alvo de 15 emendas, a medida está agora em comissão mista e deve seguir para a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.

O FNDCT fornece verbas para agências de ciência como a CAPES, o CNPq e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que vêm sendo alvo de constantes tentativas de contingenciamento. Além do fundo, a outra forma de uma pesquisa obter investimento federal é pelo orçamento dedicado ao Ministério da Ciência e da Tecnologia, que diminuiu ao longo dos últimos seis anos.

Um levantamento do Sou Ciência em parceria com o Instituto Serrapilheira, organização de auxílio a investimentos na ciência, mostrou que as verbas de custeio às universidades federais caíram 45% durante o governo Bolsonaro. O investimento dado a essas instituições caiu 50%.

De acordo com dados do SIOP (Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento), outras despesas que envolvem custeio e assistência estudantil das universidades caíram de R$ 8,1 bilhões em 2019 para R$ 4,4 bilhões em 2022 em valores corrigidos pela inflação. Veja o gráfico abaixo: 

Gráfico de "outras despesas correntes" nas universidades de 2018 a 2022
Gráfico de "outras despesas correntes" nas universidades de 2018 a 2022
Foto: Instituto Serrapilheira

Houve ainda a Lei Complementar 177, de 2021, que trazia um veto do presidente Jair Bolsonaro a um trecho que proibia novos contingenciamentos no FNDCT. No entanto, o Congresso derrubou o veto, impedindo novos bloqueios ao fundo. Em julho de 2022, a PLN 17/2022 foi uma nova tentativa do governo de obter verba do fundo, mas foi novamente rejeitada pelos deputados e senadores.

Na falta de dinheiro público, o Serrapilheira é uma instituição privada que abre chamadas públicas para apoiar jovens cientistas no Brasil. "Mas temos um fundo de R$ 600 milhões e um orçamento de R$ 20 milhões a R$ 25 milhões. Então não dá pra comparar o orçamento de uma instituição privada como a nossa do orçamento federal”, lembra o diretor-presidente do Instituto Serrapilheira, Hugo Aguilaniu. 

Professor Hugo Aguilaniu, diretor-presidente do Instituto Serrapilheira
Professor Hugo Aguilaniu, diretor-presidente do Instituto Serrapilheira
Foto: Instituto Serrapilheira

Para o presidente da Comissão de Pós-Graduação da FMUSP, Luiz Felipe Pinho Moreira, a política de cortes acarreta fundamentalmente na diminuição do número de bolsas oferecidas para os novos pesquisadores. Isso atrapalha a formação deles e reduz o financiamento direto para a pesquisa. 

É preciso diferenciar, no entanto, os contingenciamentos na educação como um todo daqueles diretamente relacionados às pesquisas. “Um corte nas universidades tem um impacto no ensino diretamente, deteriorando a estrutura acadêmica, nos laboratórios de pesquisa, nos serviços de manutenção etc. Mas quando há o contingenciamento das verbas para as pesquisas, elas param”, diz ele.

Professor Luiz Felipe Pinho Moreira, presidente da Comissão de Pós-Graduação da FMUSP
Professor Luiz Felipe Pinho Moreira, presidente da Comissão de Pós-Graduação da FMUSP
Foto: FMUSP

Segundo o coordenador de pós-graduação do Instituto de Geociências da Unicamp, Marko Monteiro, o impacto é na cadeia como um todo. "Os cortes sucateiam nossas capacidades de produzir ciência e tecnologia, impedem o progresso da ciência e da tecnologia e enfraquecem nossa capacidade de formar pesquisadores", diz. 

"O bolsista é, na prática, um funcionário"

Os baixos valores atuais das bolsas de pesquisa refletem a precariedade da ciência nacional. “Um exemplo: atualmente a bolsa de doutoramento federal (CAPES, CNPQ, FNDCT) está em R$ 2.200. Em 2012, o valor da bolsa de doutorado era de R$ 1.800. Hoje, com o IPCA dos últimos 10 anos seria quase R$3.200 reais”, argumenta o professor de Biotecnologia e Ciências da Natureza da USP, Diego Falceta.

Marko Monteiro, coordenador de pós-graduação do Instituto de Geociências da Unicamp e docente do Departamento de Política Científica e Tecnológica
Marko Monteiro, coordenador de pós-graduação do Instituto de Geociências da Unicamp e docente do Departamento de Política Científica e Tecnológica
Foto: Marko Monteiro / foto cedida

Para Falceta, o termo “bolsista” é normalmente mal compreendido; defende que o termo ideal deveria ser “salário”, com todos os impactos do uso desse termo, ou seja, com contrato de trabalho e direitos trabalhistas assegurados. 

“O bolsista pós-doutoral, por exemplo, é um doutor que aplica sua expertise na ciência, produz conhecimentos novos para o país, mas seu pagamento é entendido como um auxílio social”, comenta. Esse entendimento seria responsável pelo contingenciamento em épocas de cortes orçamentários, além dos atrasos constantes.

Um exemplo vivo de toda essa situação é Pedro Meirelles, da Universidade do Estado da Bahia. A redução de recursos esvaziou seu laboratório e reduziu a procura de estudantes para desenvolverem projetos de mestrado e doutorado. “Além disso, temos planos de testar diversas hipóteses com experimentos de campo e em laboratório, mas tivemos que limitar o escopo da nossa pesquisa a trabalhos in silico [via simulação] ou gerar menor quantidade de dados, com menos recursos disponíveis”, completou.

As propostas de Lula

Diante desse cenário de terra arrasada, os cientistas ouvidos pela reportagem mantêm postura crítica à forma como a ciência foi tratada nos últimos anos e espera alguma retomada com o retorno de Lula à cadeira de presidente.

"Desde 2015 o país sofre com os cortes constantes em investimentos, sofrendo com falta destes e com a imprevisibilidade dos pagamentos de salários e bolsas. A próxima gestão pode iniciar um novo ciclo, de crescimento dos investimentos, mas ainda é cedo para saber se vai ou não se concretizar", diz Diego Falceta.

Diego Falceta Gonçalves, Professor Titular de Biotecnologia e Ciências da Natureza na Universidade de São Paulo
Diego Falceta Gonçalves, Professor Titular de Biotecnologia e Ciências da Natureza na Universidade de São Paulo
Foto: Diego Falceta / foto cedida

"Existe otimismo que pode haver recuperação no orçamento voltado à pesquisa, mas as incertezas são muitas, então estamos ainda em compasso de espera. E com esperança que o novo governo tenha como prioridade essa área", defende Marko Monteiro.

Ainda que o presidente eleito Lula preveja a retomada de investimentos na ciência e na tecnologia, as quatro propostas definidas para esse campo ainda são vagas. 

O plano de governo de Lula diz que o presidente irá “recompor o sistema nacional de fomento do desenvolvimento científico e tecnológico”, mas não se sabe ainda a origem dos recursos a taxa de aumento no orçamento. O fomento público aconteceria por fundos de agências estatais, como o FNDCT, CNPq e CAPES.

Pedro Meirelles, da Universidade da Bahia, que teve seu projeto dificultado pelos cortes nos investimentos em pesquisa
Pedro Meirelles, da Universidade da Bahia, que teve seu projeto dificultado pelos cortes nos investimentos em pesquisa
Foto: Pedro Meirelles / foto cedida

O plano também pretende "fortalecer o SNCTI (Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação) para que a sociedade usufrua dos benefícios do processo de geração de conhecimento", e dar liberdade de pesquisa. 

Outro foco é fortalecer a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias), identificar potenciais nos agricultores e assegurar mais avanços tecnológicos no campo. Também planeja valorizar o uso da inteligência artificial, da biotecnologia e da nanotecnologia.

Fonte: Redação Byte
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