Após demissões em série, startups do Brasil entram em recuperação tímida
Áreas de tecnologia foram as mais afetadas no pós-pandemia; dispensa de profissionais atingiram de startups a bigtechs
“Fui mais uma vítima de layoff”; “eu e mais alguns colegas estamos buscando recolocação”; “voltei de férias com a notícia da demissão”. Quem acompanha o LinkedIn — rede social voltada com enfoque em carreiras — certamente se deparou com essas frases inúmeras vezes entre o fim de 2022 e o início deste ano. Isso porque a temida demissão do tipo layoff atingiu diversas startups no Brasil e no mundo.
O layoff é uma estratégia que suspende o contrato de trabalho de profissionais por um período de inatividade. Diferente da demissão em massa, o layoff é regulamentado pelo artigo 476-A da CLT. A tradução da palavra significa “período de inatividade”.
A prática foi amplamente utilizada por startups e big techs no período da pandemia. Muitas empresas alegaram que os acordos coletivos com os trabalhadores faziam parte da reestruturação da empresa. Meses depois, a luta agora é retomar crescimento com equipes menores e estar mais preparado para acidentes do cenário global.
Mais de 100 mil funcionários do setor de tecnologia perderam os empregos em 2022, de acordo com o site Layoffs.fyi, que acompanha demissões. Os cortes foram desde empresas bem conhecidas, com ações negociadas publicamente, como Meta, Salesforce, Booking.com e Lyft, até startups de capital privado altamente valorizadas, como o serviço de entregas Gopuff e as plataformas de finanças Chime e Brex.
A plataforma Layoffs.fyi revelou ainda que 91 empresas realizaram 24 mil cortes de funcionários somente em janeiro de 2023. Com pouco mais de 15 dias de ano, a média era de 1,6 mil dispensas por dia, incluindo empresas nacionais e globais.
Até mesmo a gigante de tecnologia Google sofreu os impactos do cenário instável para as startups e big techs. A empresa cortou 12 mil postos de trabalho em janeiro deste ano.
“Nos últimos dois anos, assistimos a períodos de crescimento dramático. Para corresponder e alimentar esse crescimento, contratamos para uma realidade econômica diferente daquela que enfrentamos hoje”, escreveu o CEO do Google, Sundar Pichai, em um comunicado na época.
Crescimento acelerado no período pré-pandemia
O “período de crescimento dramático” citado pelo CEO do Google, refere-se ao boom de tecnologia ocorrido em 2019, no período pré-pandemia de covid-19.
De acordo com o economista Guilherme Fowler, professor no Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), naquele período o cenário era de taxas reduzidas de juros, o que fez com que as startups brasileiras captassem muito dinheiro.
“Tínhamos muita liquidez na economia e baixa taxa de juros. Isso fez com que startups captassem muito dinheiro. O Brasil não foi exceção nesse cenário, na verdade. O país foi um dos principais mercados de captação de dinheiro naquele período”, disse Fowler.
“Em 2019, com muita liquidez na economia e baixa taxa de juros, as startups eram uma promessa de retorno alto”, incluiu.
“Tormenta” pós-pandemia
No pós-pandemia, comentou o economista, houve o aumento da taxa de juros no Brasil e no mundo. Esse aumento naturalmente fez com que parte do investimento que foi para as startups reduzisse, porque os investidores buscariam apostas mais atrativas.
“Essas startups conseguiram muito dinheiro, mas isso não foi de graça, elas esperavam retorno. A startup precisa de caixa para conseguir rodar, para validar seu modelo de negócio e gerar receita. Precisa de recursos para sobreviver, então surge o movimento de encolhimento, racionalização de custos, porque o dinheiro não está entrando como deveria”, disse Fowler.
“Ou elas diminuem os custos para tentar passar essa tormenta ou não vão conseguir sobreviver”, resumiu o economista.
Dentre as brasileiras, a startup Loft realizou ao menos quatro rodadas de cortes da força de trabalho em menos de um ano. No total, foram demitidas 1.195 pessoas, segundo informações publicadas pelo Estadão
Avaliada em US$ 2,9 bilhões (R$ 14,1 bilhões), a proptech — que fornece tecnologia para imobiliárias — foi a que mais demitiu entre os "unicórnios" brasileiros. O termo é um apelido para startups com avaliação de mercado acima de US$ 1 bilhão.
Ao Byte, a Loft informou que desde o início de 2023, depois da integração das unidades de negócio do grupo, vem trabalhando com foco na aceleração dos negócios. Isso está trazendo, diz a empresa, um crescimento significativo de receita, puxado principalmente pelas verticais financeiras CredPago, de fiança locatícia, e Credihome, de financiamento e home equity.
“A empresa prevê o atingimento do break even para os próximos meses. O quadro de funcionários da Loft tem se mantido sem alteração relevante desde então, com movimentos pontuais de entrada e saída, habituais em qualquer negócio”, disse a Loft à reportagem.
O Pagbank, conta digital do PagSeguro, também passou pela onda de layoffs no início do ano. Cerca de 500 funcionários foram demitidos, o equivalente a 7% da força de trabalho.
Dentre os demitidos, a maioria dos cargos era referente à área de tecnologia da companhia, especialmente os setores de desenvolvimento ágil, produto e UX (experiência de usuário).
“Assim como empresas de tecnologia e fintechs no Brasil e no mundo, o PagBank realizou uma reestruturação no início do ano, com o objetivo de melhorar a eficiência da companhia. Porém, após tais desligamentos, foram abertas novas vagas com o intuito de o PagBank seguir empenhado em sua missão de facilitar a vida financeira de pessoas e negócios”, disse a fintech em nota.
Expectativa para o futuro
As empresas estão crescendo mais devagar nesse novo cenário, avalia o vice-presidente da Associação Brasileira de Startups (Abstartups), Felipe Matos. Entretanto, pondera que a expectativa é de que os investimentos no setor apresentem novo crescimento no futuro.
"A tendência é que os investimentos no setor voltem a crescer no médio e longo prazos, mas ainda atravessamos um período de dificuldades no curto prazo. Mas já começamos a sentir alguma recuperação", disse o executivo.
Para ele, o período de layoffs trouxe como aprendizado a importância de se adaptar rapidamente aos cenários colocados, além de "priorizar a geração saudável de caixa ao crescimento".
A analista de inovação do Sebrae Nacional, Cristina Mieko, afirma que as startups brasileiras têm enfrentado desafios para manter o rendimento e a produção após os layoffs. No entanto, ela cita que algumas companhias conseguiram se adaptar ao novo cenário e continuaram a crescer.
"As perspectivas para os próximos meses em termos de lucro e geração de novos postos de trabalho são variadas. Apesar do atual aumento nas taxas de juros e inflação, os investimentos em venture capital [capital de risco, oferecido a pequenos negócios] estão em ascensão. A Distrito [consultoria de startups] estima que os investimentos em startups chegarão a US$ 12,9 bilhões (R$ 63,2 bilhões) no final deste ano", afirma a analista do Sebrae.
O período de layoffs ensinou às startups a importância de crescer de forma sustentável e responsável, segundo Cristina Mieko.
"Elas aprenderam que devem se preparar para momentos de capital mais escasso e focar na disciplina em vez do crescimento a qualquer custo", disse.
Sobrecarga aos colaboradores que ficam
O professor do Insper Guilherme Fowler levanta uma questão bastante comentada no período das demissões: a saúde mental da equipe que fica e como isso irá impactar na produção da empresa.
"Você tem uma redução de pessoal, mas não há necessariamente uma redução das atividades. Isso leva potencialmente a situação de estresse das pessoas que ficaram, no limite e o burnout das pessoas. Essa resiliência não se mantém no médio prazo, porque gestores não conseguem fazer a gestão", diz o economista.
Para o futuro, o especialista comenta que há um cenário mundial de incertezas, especialmente devido às guerras que acontecem envolvendo Ucrânia e Rússia, e Israel e Palestina.
Quanto ao cenário nacional, Fowler destaca questões políticas que podem desestabilizar os investimentos neste setor, como o fato de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva colocar em dúvida a meta fiscal para 2024.
Apesar dos possíveis percalços, o professor destaca um ponto positivo para as startups no país. "O Brasil é um país altamente rentável. A gente gosta dessa instabilidade".
"Eu acho que aqui as startups já nascem nesse cenário. Então ela já tende a ter uma casca mais grossa, e os empreendedores daqui sabem 'se virar nos 30' muito melhor do que muitos empreendedores em países mais estáveis. Esse componente do nosso ambiente nunca pode ser desconsiderado", afirma o especialista.
Como as startups podem continuar crescendo ainda em 2023?
Ao Byte, a analista de inovação do Sebrae Nacional, Cristina Mieko, elencou algumas das principais medidas que devem ser adotadas pelas startups para aceleramento.
- Planejamento: é o principal norte para entrar em ação. Quando falamos de startups, é comum que ele mude conforme o aprendizado da operação e possíveis pivotações;
- Visão holística do negócio: É importante entender todos os aspectos dele e como eles se interconectam;
- Profissionalização e projetos sólidos: são pontos fundamentais para o crescimento sustentável, segundo Mieko;
- Aproveitar as tendências tecnológicas: a inteligência artificial (IA) está trazendo um novo momento para o mercado. As startups podem aproveitar essa tendência para inovar e crescer;
- Foco em setores em ascensão: setores como serviços financeiros online, alimentação, beleza, transporte, viagens e educação estão crescendo. As startups podem explorar essas áreas para encontrar novas oportunidades de negócios;
- Atração de talentos: as startups que mais se destacam são aquelas que conseguem atrair os melhores nomes do ramo. Portanto, é crucial investir em uma cultura empresarial forte e orientada para o crescimento de cada profissional.