Após impasses, Marco Civil deve regulamentar internet
A Câmara dos Deputados deve votar nesta terça-feira o Marco Civil da internet, projeto controverso que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no País e tranca a pauta da Casa desde outubro, apesar de ser considerado prioritário pelo governo.
Com o objetivo de aumentar a segurança e a privacidade de dados na internet e assegurar condições mais igualitárias de acesso à rede mundial, a proposta passou a ser acompanhada de perto pelo Planalto após denúncias de que a agência de inteligência norte-americana teria espionado dados do governo, de empresas e cidadãos brasileiros.
O parecer do projeto, redigido pelo deputado Alessandro Molon (PT-RJ), também prevê regras para a coleta e uso de dados pessoais dos usuários, que deverão ser restritos à finalidade para a qual foram colhidos.
O Planalto já declarou ter interesse em ver o Marco Civil aprovado até o fim de abril, quando o País sedia uma conferência internacional sobre internet.
Após votação na Câmara, o projeto ainda tem de ser aprovado pelo plenário do Senado para então ser encaminhado à sanção presidencial. Se for alterado pelos senadores, a proposta ainda terá que passar por uma segunda votação no plenário da Câmara, que pode aceitar ou rejeitar eventuais pontos alterados pelo Senado.
Confira, a seguir, os principais pontos do projeto:
Neutralidade da rede
Considerada pelo governo como a espinha dorsal do projeto, este é, de longe, o tema que causou mais divergências entre os deputados. Pelo texto do relator da proposta, a neutralidade da rede é um princípio que determina o tratamento igualitário de dados por parte das operadoras de telecomunicação, sem distinção quanto ao conteúdo, a origem, o destino ou aplicativo utilizado para a troca dessas informações.
O princípio impede a venda segmentada de acesso à internet por tipo de serviço. Também tem como objetivo evitar "abusos" anticompetitivos dos diversos intermediários envolvidos na transmissão de dados na internet.
Pelo relatório, empresas de telecomunicações, por exemplo, não poderão tratar de maneira diferenciada aplicações que permitem conversas por voz na rede. Ou ainda um provedor não poderá diferenciar serviço online de vídeo de uma empresa concorrente.
A neutralidade não proíbe cobrança por volume de tráfego de dados, apenas o tratamento preferencial dos dados.
Segundo o parecer lido em plenário, as exceções à neutralidade - casos em que dados precisam ser priorizados, como numa transmissão ao vivo de vídeo ou de uma telecirurgia - serão regulamentados por decreto presidencial.
O PMDB, segunda maior bancada da Câmara, não concordava com esse trecho da proposta, por interpretar que o texto da forma que estava poderia dar brecha para que a presidente Dilma Rousseff pudesse regulamentar essas exceções além das diretrizes já estipuladas no Marco Civil.
Após reuniões com parlamentares, o governo aceitou alterar essa parte do texto que, em vez de trazer explicitamente que a regulamentação da neutralidade será feita por meio de decreto presidencial, fará referência a artigo da Constituição que trata justamente da competência privativa da presidente da República de regulamentar leis por meio de decreto. A nova redação deve deixar claro que a regulamentação não irá extrapolar os termos do Marco Civil.
Os deputados peemedebistas ainda não fecharam posição sobre a mudança, embora tenha sido sugerida ao governo pelo líder da bancada, Eduardo Cunha (RJ). A oposição defende que todas as exceções sejam definidas no texto do Marco Civil, em vez de deixar a regulamentação para a presidente da República. Mas o governo não abre mão da prerrogativa presidencial de Dilma de regulamentar o tema.
Pelo novo texto que o relator prepara para acomodar as sugestões e mudanças, Dilma terá de ouvir previamente a Anatel e o CGI para formular os decretos de regulamentação da neutralidade.
Data centers
Diante das suspeita de espionagem, o Planalto passou a defender que os dados em uso pelos brasileiros fossem armazenados em território nacional.
A pedido do governo, o relator incluiu em seu texto dispositivo que permite ao governo a possibilidade de obrigar os provedores comerciais a utilizarem bancos de dados, ou data centers, instalados no Brasil. Este ponto também não contou com a simpatia de diversas bancadas da base do governo.
Após conversas, o governo flexibilizou sua posição. Abriu mão da exigência da instalação dos data centers no País, mas faz questão de obrigar provedores que prestam serviços a brasileiros a se submeterem à legislação brasileira.
Artigo 20
Dispositivo que trata da responsabilização civil de provedores por danos decorrentes de conteúdo produzido por terceiros, o artigo causa divergências entre os parlamentares.
O PMDB, fiel da balança que pode ajudar ou atrapalhar o governo nessa votação, não concorda com o texto de Molon. Pelo parecer, o provedor será responsabilizado se não tirar o conteúdo ofensivo do ar após ordem judicial.
Os peemedebistas defendem que o conteúdo seja indisponibilizado a partir da notificação, em vez de aguardar todo o trâmite judicial. Já os defensores do texto do relator afirmam que obrigar a retirada do conteúdo do ar mediante simples notificação pode configurar censura.
O assunto deve ser objeto de uma votação à parte do texto principal do Marco Civil.