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App terá botão do pânico para vítimas de violência doméstica

Programa Guardiã Maria da Penha também ampliará atuação para regiões norte e sul de São Paulo

24 out 2018 - 03h11
(atualizado às 09h27)
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Proibida pelo marido de trabalhar, Susana* doou 15 anos da vida aos cuidados da casa, do companheiro e dos três filhos. Em troca, teve o rosto esmurrado, a cabeça esmagada contra a parede e a mente invadida por xingamentos como "vagabunda". Registrou boletins de ocorrência, pediu separação e, há um ano, ganhou, enfim, uma medida protetiva deferida pela Justiça: ele não pode chegar a mens de 500 metros de distância dela. O que ainda conecta Susana ao ex-marido é o filho mais novo, de 13 anos, com problemas psiquiátricos, que demanda cuidados médicos.

Um ano após a medida protetiva contra o marido, porém, ela hoje se vê com um problema parecido: o filho, com surtos frequentes, passou a também agredi-la fisicamente. Falar sobre as agressões do marido, calejadas em mais de duas décadas, já não dói na dona de casa de 49 anos. É a violência do filho que arranca um choro abafado: "É triste ver que você passou 9 meses com um filho na barriga e hoje ele bate em você. Me livrei de uma violência, mas agora estou passando pela mesma situação novamente, só que é mais difícil porque é com o meu filho", conta, emocionada. "É muito difícil. Uma guarda civil me disse que talvez a próxima medida protetiva tenha de ser contra o meu filho."

Susana está no programa Guardiã Maria da Penha, criado para mulheres vítimas de violência doméstica com medidas protetivas contra os agressores, uma parceria entre a Guarda Civil Metropolitana e o Ministério Público de São Paulo (MPSP). Hoje, caso se sinta ameaçada pelo agressor ou perceba que ele está infringindo a medida protetiva, a vítima liga para o 153 e uma viatura da GCM comparece ao local. O chamado chega aos guardas com alerta de emergência, sendo prioritário - o que, segundo o órgão, coloca o tempo médio de atendimento no patamar de cinco minutos.

Hoje o programa atende 170 mulheres nesse perfil, mas somente da região central da capital paulista. O programa será ampliado para as regiões norte e sul de São Paulo a partir de 1º de novembro. Como ferramenta adicional, começa a funcionar nesta quarta-feira, 24, um aplicativo com a função de botão do pânico para as vítimas já assistidas. "Hoje encorajo todas as mulheres a tomarem a mesma iniciativa que tomei. Não somos obrigadas a viver sendo espancadas e não devemos ter medo de denunciar. Devemos, sim, ter uma proteção", diz Susana. "Acredito que vou ficar mais protegida com o aplicativo. Só um clique que eu der, eles já vêm imediatamente."

Desde 2014, a iniciativa já realizou 42.814 visitas e atendeu 1.888 mulheres. Com a renovação do termo de cooperação entre a Prefeitura e o MPSP, que vigora até 2022, a expectativa é atender a cidade inteira. Duas viaturas e 12 guardas civis metropolitanos - entre homens e mulheres - têm visitado e acompanhado as vítimas nos últimos quatro anos no centro de São Paulo. Agora, com a expansão, haverá reforço de 18 agentes e três viaturas. A partir de novembro, 30 guardas-civis estarão capacitados para fazer o atendimento especializado das vítimas nas regiões central, sul e norte.

Na prática, o Ministério Público encaminha os casos de medidas protetivas para a GCM, com classificação de risco verde, amarela ou vermelha, de acordo com a gravidade. A equipe da Guarda, treinada em conjunto com o MP, vai até a casa da vítima, apresenta-se e passa as orientações. Após o primeiro contato e a inclusão no programa, a equipe passa então a rondar os locais onde a vítima se sente ameaçada: na maioria dos casos, são a casa dela, o trabalho e a casa de parentes. A cor vermelha indica, por exemplo, que uma viatura vai circular todos os dias no local de maior risco para a mulher.

"Se o agressor se aproximar ou infringir a medida, ele é conduzido para a delegacia. Na maioria das vezes, ele não paga para ver. São poucos os casos em que o agressor desrespeita a medida", explica a coordenadora do programa Guardiã Maria da Penha, inspetora superintendente Elza Paulina de Souza.

Até esta terça, caso estivesse em situação de emergência e precisasse pedir o socorro dos guardas civis, a única opção da vítima seria telefonar para o 153. Hoje o aplicativo é mais uma possibilidade de acionamento. Mas, segundo Elza, o ideal é que o aplicativo não tenha uso. "Nosso intuito é que nenhuma mulher use. Porque se usar significa que estamos falhando na outra proteção. Ela estará em vias de fato, sofrendo a agressão. Esperamos que tenhamos um número bastante pequeno nesse sentido", diz.

Em um ano e meio no programa Guardiã Maria da Penha, a recepcionista desempregada Raquel*, de 44 anos, já recorreu ao socorro dos guardas civis por se sentir ameaçada em algumas ocasiões. Morando no apartamento onde residiu por três anos com o ex-marido, o local já teve a fechadura trocada pelo agressor e pelo filho dele pelo menos duas vezes. Desde que obteve a medida protetiva, em março do ano passado, o agressor deixou o apartamento, mas nunca foi buscar o carro na garagem. Ela também relata que a energia da casa já foi cortada pelo ex-companheiro. Além disso, ele trabalha perto do local onde mora Raquel e, por isso, ela já o viu na rua e teme uma aproximação.

Após dois anos de agressões físicas e verbais - época em que ia ao trabalho com maquiagem pesada para esconder o olho roxo e sofria calada por vergonha de contar aos parentes e amigos -, ela registrou três boletins de ocorrência contra o marido. O último foi registrado após uma discussão em que foi enforcada e ouviu "vou te matar". Conseguiu escapar e fugir de casa porque, por medo, já havia criado o hábito de deixar a porta de casa destrancada.

"Todas as vezes em que ele me agrediu, apertou muito o meu pescoço. Me lembrei do caso daquela moça no Paraná que foi assassinada pelo marido este ano. Se eu não tivesse deixado a porta aberta, se não tivesse tido essa percepção, acho que ele teria me matado jogando do prédio", afirma. "Com o aplicativo, acho que vai dar mais agilidade. Me sinto mais segura porque é só apertar um botão e eles chegam ao local."

Medidas protetivas

Em um estudo do MPSP publicado este ano, a equipe do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica (Gevid) analisou 364 denúncias de mulheres vítimas de violência doméstica. No estudo, foram encontrados 124 casos de feminicídio consumado. Deste montante, em cinco casos as vítimas haviam registrado boletim de ocorrência contra o agressor. Os processos em que houve deferimento de medida protetiva foram 12 em um universo de 364 casos, o que representa apenas 3% do total de casos.

Valéria Scarance, promotora do Gevid e coordenadora do estudo, diz que as medidas protetivas têm efeito positivo de evitar a morte das mulheres. "A Lei Maria da Penha não criou mecanismos de fiscalização das medidas protetivas, daí a necessidade do Guardiã Maria da Penha. O programa complementa esse sistema de proteção da mulher. Via de regra, cabe à mulher, que já está fragilizada, notificar o descumprimento da medida protetiva e notificar a polícia. Com o programa da GCM, é o Estado que passa a ir ao encontro da vítima", explica.

Segundo ela, a escolha pelas zonas norte e sul como as próximas regiões a receber o programa foi baseada na ausência de projetos direcionados para atendimento da vítima de violência doméstica e no alto número de casos. As zonas leste e oeste já possuem, explica a promotora, uma rede mais consolidada. "A região sul é extremamente vulnerável, com elevadíssimos índices de violência sexual, inclusive estupro de vulnerável", diz Valéria.

Dados do Tribunal de Justiça de São Paulo mostram que neste ano foram concedidas 7.012 medidas protetivas a mulheres vítimas de violência. Dessas, mais de um quarto (1.912) foram concedidas pelo fórum de Santo Amaro, na zona sul da capital. O fórum da Penha, na zona leste, aparece em segundo lugar, com 1.052 medidas protetivas só neste ano. Desde 2013, foram concedidas em toda a cidade de São Paulo mais de 57 mil medidas protetivas.

Outras cidades

O secretário municipal da Segurança Urbana, José Roberto Rodrigues de Oliveira, defende que o aplicativo é mais moderno que o dispositivo do botão de pânico, equipamento com geolocalização adotado no Espírito Santo em caráter pioneiro no País. Quando a mulher aperta o botão, a polícia pode localizar o conflito e acompanhar o diálogo, já que o equipamento grava a conversa em um raio de até cinco metros - o áudio pode ser usado como prova no processo.

"O aplicativo Socorro Imediato vai conversar com a plataforma que já temos, a SP+Segura. Celular é algo que todo mundo tem. É até melhor do que botão de pânico porque não expõe a mulher. E o botão tem um raio de atuação. Se não tiver viatura por perto, fora daquele raio, não funciona", justifica o secretário.

Em outras cidades de São Paulo, as vítimas podem recorrer ainda ao aplicativo Juntas (PLP 2.0). Nele, vítimas em perigo podem pedir socorro a pessoas previamente cadastradas, que recebem, por mensagem, a exata localização da mulher.

* Os nomes foram trocados para preservar a identidade das vítimas

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