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Bloqueio de estradas já estava sendo articulado nas redes semanas antes da votação

Fala do presidente foi usada para justificar movimento golpista; grupo de militares queria paralisação antes do 2º turno.

1 nov 2022 - 15h59
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Reportagem Bruno Fonseca e Tai Nalon
Bloqueio de estradas já estava sendo articulado nas redes semanas antes da votação
Bloqueio de estradas já estava sendo articulado nas redes semanas antes da votação
Foto: Núcleo Jornalismo

Esta reportagem foi feita numa colaboração entre Agência Pública, Aos Fatos e Núcleo Jornalismo para a cobertura das eleições de 2022. A republicação só é permitida com a atribuição de crédito para todas as organizações.

Antes mesmo de os brasileiros irem às urnas no domingo (30.out), apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) já se articulavam no Telegram e no YouTube para promover bloqueios em estradas em caso de vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O cenário se tornou realidade ainda na noite do segundo turno e se intensificou na segunda-feira (31.out), quando o aeroporto internacional de Guarulhos, em São Paulo, cancelou voos em decorrência das manifestações golpistas.

Assim como ocorreu com outras tendências desinformativas durante a campanha eleitoral, os conteúdos que circularam em grupos de mensagens e redes sociais ecoam falas do candidato derrotado.

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Foto: Núcleo Jornalismo
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Foto: Núcleo Jornalismo

Em Pelotas (RS), em 11.out, Bolsonaro afirmou: "No próximo dia 30, de verde e amarelo, vamos votar e vamos permanecer na região da seção eleitoral até a apuração dos resultados. Tenho certeza que o resultado será aquele que todos nós esperamos, até porque o outro lado não consegue reunir ninguém".

Investigação da Agência Pública em colaboração com Aos Fatos e Núcleo Jornalismo identificou dezenas de mensagens apócrifas com palavras de ordem para ocupar vias do país, que circulam nas redes desde meados de outubro. Parte das convocatórias para bloqueios nas estradas faz menção ao discurso de Bolsonaro na cidade gaúcha.

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Foto: Núcleo Jornalismo
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Foto: Núcleo Jornalismo

"Pegar a convocação que o PR [Presidente da República] fez em Pelotas-RS para o povo PERMANECER (iniciar a intervenção) e ao receber a notícia da fraude seguir todos para as portas dos quartéis", diz o texto, com erros de ortografia, que circula no Telegram desde 14.out, a duas semanas do segundo turno.

"Preparem as barracas, o povo nas cidades irão para os Quartéis, os caminhoneiros e o agro irão parar às rodovias!!!", continua a mensagem, publicada nos grupos Ordem de Cristo, Conservadores e SCO Sociedade Civil, este último com 4,9 mil membros.

Mensagem golpista de 14 de outubro no Telegram pediu a bolsonaristas para permanecerem nas ruas após a votação e convocou paralisação de caminhoneiros
Mensagem golpista de 14 de outubro no Telegram pediu a bolsonaristas para permanecerem nas ruas após a votação e convocou paralisação de caminhoneiros
Foto: Núcleo Jornalismo

Paralelamente, campanhas para insuflar a população contra o resultado das eleições receberam adesão de militares da reserva e influenciadores em canais que somam mais de 1 milhão de usuários no YouTube.

Além de endossar discurso de fraude eleitoral e chamar civis para bloquear estradas, a reportagem apurou que as transmissões pedem dinheiro via Pix e usam da ferramenta de monetização de vídeos da plataforma para gerar receita com conteúdo golpista.

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Foto: Núcleo Jornalismo
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Foto: Núcleo Jornalismo

Antes de vários desses vídeos serem publicados, o YouTube anunciou nesta segunda-feira (31) ter atualizado sua política contra conteúdos que questionem a lisura das eleições brasileiras e promovam atos contra seu resultado.

Mais de 24 horas depois do anúncio e 16 horas depois de alguns desses conteúdos irem ao ar, a plataforma limitava-se a informar, num aviso padrão embaixo desses vídeos, que "o TSE anunciou que Lula foi eleito presidente do Brasil".

Canal de YouTube usa ferramenta de monetização para financiar cobertura de atos golpistas
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Foto: Núcleo Jornalismo

MILITARES DA RESERVA QUERIAM GREVE DE CAMINHONEIROS ANTES DO 2º TURNO

O coronel da reserva da Aeronáutica Marcos Koury publicou, em 16 de outubro, um vídeo em que incentivava uma greve geral de caminhoneiros antes mesmo do segundo turno das eleições.

A ideia era a seguinte: os motoristas deveriam paralisar o Brasil para demonstrar apoio a Bolsonaro, que teria tempo de publicar uma Medida Provisória que instituiria o voto impresso. A MP da cédula impressa é uma bandeira de Koury no grupo B-38, formado por militares da reserva apoiadores de Bolsonaro e criado em 2018.

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Foto: Núcleo Jornalismo
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Foto: Núcleo Jornalismo

"Ah, mas vai prejudicar a economia… Quatro dias, cinco dias paralisado vai prejudicar a economia?!", questiona, defendendo que caminhoneiros bloqueassem as principais rodovias do país. "A ideia é sensibilizar o presidente da República, apoiar o Bolsonaro, ajudar o Bolsonaro", explica.

Economia tem se mostrado, de fato, uma preocupação recorrente do coronel. Com uma série de canais desmonetizados no YouTube, Koury comemora em vídeo de 28 de outubro mais de 1 milhão de visualizações em seus últimos vídeos, mas reclama de ter recebido "apenas três Pix depositados".

Nesta terça-feira, em vídeo hospedado no YouTube e distribuído em grupos de Telegram, pede novamente contribuições, depois de exaltar paralisação em Pernambuco e afirmar que é necessário "agir em conjunto, paralisar o Brasil, para nós não entrarmos no socialismo".

Militar aposentado da Aeronáutica, Koury postou vídeo pedindo paralisação com caminhões semanas antes das votações; mensagem viralizou no Telegram
Militar aposentado da Aeronáutica, Koury postou vídeo pedindo paralisação com caminhões semanas antes das votações; mensagem viralizou no Telegram
Foto: Núcleo Jornalismo

Reportagem da Pública mostrou que, em fevereiro deste ano, Koury e outros quatro integrantes do grupo reuniram com o chefe do Gabinete de Segurança Institucional no Planalto, o general Augusto Heleno. O maior grupo de Telegram do B-38, o Super Grupo, está atualmente excluído do Telegram. Ele já havia sido suspenso em maio.

No vídeo, o militar aposentado menciona o movimento para que a paralisação aconteça após a votação. "Ah, coronel, tem um movimento para paralisar o Brasil dia 30 se houverem fraudes. [...] Vou abrir o jogo com vocês: o que vocês estão me pedindo é deixar eles tomarem a capital que depois a gente toma de volta? Paralisar dia 30 é chorar sobre o leite derramado", criticou.

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Foto: Núcleo Jornalismo
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O vídeo de Koury sobre as paralisações foi compartilhado em diversos grupos bolsonaristas no Telegram: Bolsonaro 22, com 55,3 mil membros; Advogados pela Verdade, com 7,7 mil; ODB Ordem de Cristo, com 3,5 mil; e Aliança com Bolsonaro, com 1,7 mil membros, dentre outros. Dias depois, membros desses mesmos grupos passaram a defender os bloqueios às rodovias pós-eleições.

A falta de adesão ao chamado de Koury gerou dúvidas nos próprios membros. "CORONEL KOURY, CADÊ A PARALISAÇÃO DOS CAMINHONEIROS?????", questionou um membro do B-38 no dia 19 de outubro.

"Bom dia! Com está a paralisação nacional dos caminhoneiros organizada pelo Cel Koury? Quais os pontos na BR 101 estão bloqueados alguém sabe?", perguntou outro membro no dia seguinte.

REDES PERMITEM CONTEÚDOS GOLPISTAS E ANTIDEMOCRÁTICOS

O YouTube permitiu a monetização de uma transmissão ao vivo de paralisação que bloqueou os acessos ao aeroporto de Guarulhos, na noite desta segunda-feira (31), contrariando política da própria plaforma.

O perfil responsável pela live chama-se Na Lata Driver e é gerenciado por Henrique Pereira, que se declara motorista de Uber e costuma publicar seus passeios em tempo real enquanto comenta assuntos diversos - dentre eles, política brasileira.

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Foto: Núcleo Jornalismo
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Foto: Núcleo Jornalismo

Seu canal no YouTube conta com mais de 1,5 milhão de seguidores e, nesta segunda-feira, dedicou-se a fazer duas transmissões ao vivo de bloqueios nas estradas.

Uma de suas lives, com mais de sete horas de duração, foi veiculada diretamente de paralisação nas proximidades do aeroporto de Guarulhos e transmitida pelo YouTube durante entre segunda e terça-feira para mais de 191 mil usuários.

Nela, Henrique agradece contribuições feitas por espectadores por meio da ferramenta de doações do YouTube.

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O dono do canal convoca manifestantes durante a transmissão e endossa pauta bolsonarista de fraude. Também está ciente de que o conteúdo veiculado não é aceito por algumas redes sociais.

"Se o WhatsApp cair, se o Instagram cair, se o YouTube cair… mas acho difícil o YouTube cair, porque o YouTube não é brasileiro", diz.

Outra transmissão foi feita mais cedo, enquanto o youtuber se dirigia para uma das barreiras em São Paulo de moto. São mais de duas horas de transmissão, mas, desta vez, sem contribuições financeiras visíveis. A live acumula mais de 30 mil visualizações.

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Com mais de 36 mil inscritos no seu canal de YouTube, Durval Ferreira se apresenta como oficial de carreira do Exército Brasileiro e jornalista. Apesar de defender os atos que desrespeitam o resultado das eleições, o YouTube também não havia retirado a transmissão do ar mais de 14 horas após ela ser publicada — e quando o vídeo passava de 9,9 mil visualizações.

"O que é necessário? Primeiro, nós temos que ser rápidos, extremamente rápidos. Tem que parar imediatamente todo o país e a participação tem que ser unânime [...] Os caminhoneiros vão para as rodovias e parte deles tem que ir para os quarteis. O pessoal do agronegócio também pode participar nas rodovias e colocar seus tratores em volta dos quartéis por todo o Brasil", diz durante transmissão no YouTube realizada no início da noite desta segunda. "Isso é o povo praticando desobediência civil."

Live de militar defendendo desobediência civil durante paralisação não foi removida pelo YouTubes
Live de militar defendendo desobediência civil durante paralisação não foi removida pelo YouTubes
Foto: Núcleo Jornalismo

A reportagem encontrou links para transmissão de Ferreira em pelo menos quatro grupos no Telegram nos quais bolsonaristas articulavam e defendiam as paralisações de rodovias: Grupo Renato Barros, com 13,7 mil membros; SCO Sociedade Civil, com 4,9 mil; Confederação Direita Brasil, com 2,1 mil; e Conservadores, com 2,1 mil.

Neste último, uma das mensagens dizia "sugiro seguirem os links do Capitão Durval que é de extrema confiança afim de traçarmos uma linha de ação segura para o atual momento".

Além da transmissão, Ferreira já havia publicado um vídeo no YouTube um dia antes das votações dizendo que político tem medo do povo na frente dos quarteis. A publicação teve 5,3 mil visualizações.

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