Brasil cresce na produção de energia solar, mas política ainda impede "boom" do setor
Tecnologia já está presente em 5.545 municípios e em todos os estados brasileiros; país possui mais de 2,3 milhões de instalações
O Brasil tem a geografia privilegiada para ser uma das potências na geração de energia solar, que já é a segunda maior fonte do país, atrás apenas da hidrelétrica.
Apesar do crescimento neste setor, a porcentagem de adeptos à energia fotovoltaica ainda é pequena perante o potencial de consumo que teríamos.
O que trava esse avanço? Questões financeiras e, principalmente, políticas, são os principais entraves, segundo especialistas ouvidos pelo Byte.
O pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe) e coordenador do laboratório de hidrogênio na Universidade de Campinas (Unicamp), Ennio Peres da Silva, explica que, em uma casa de uma família classe média, de quatro pessoas, o custo para a instalação de painéis de energia solar custaria entre R$ 15 mil e R$ 20 mil.
“Depois vai economizar, porque a conta vai se reduzir drasticamente. Com essa economia, em cerca de cinco anos, você paga o investimento que fez. O sistema dura de 15 a 20 anos; com uma instalação bem feita, a manutenção é mínima, tanto das casas quanto das empresas”, disse ao Byte.
Dados da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), divulgados este mês, mostram que a geração própria de energia solar ultrapassou a marca de 26 gigawatts (GW) de potência instalada em residências, comércios, indústrias, propriedades rurais e prédios públicos no Brasil.
O mapeamento da entidade apontou ainda que:
- São mais de 3,3 milhões de unidades consumidoras atendidas pela tecnologia fotovoltaica;
- O Brasil possui mais de 2,3 milhões de sistemas solares fotovoltaicos instalados em telhados, fachadas e pequenos terrenos;
- Desde 2012, foram cerca de R$ 130,7 bilhões em novos investimentos, que geraram mais de 780,1 mil empregos;
- O mercado de energia solar arrecadou aos cofres públicos, neste período, R$ 39,2 bilhões;
- A tecnologia fotovoltaica já está presente em 5.545 municípios e em todos os estados brasileiros.
Ao calcular os custos e benefícios da chamada geração distribuída, um estudo da Volt Robotics concluiu que a economia líquida na conta de luz de todos os brasileiros será de mais de R$ 84,9 bilhões até 2031.
Apesar dos números positivos, ainda há potencial para muito mais crescimento, conforme afirmou Ronaldo Koloszuk, presidente do Conselho de Administração da Absolar.
“Embora as 3,3 milhões de unidades consumidoras abastecidas com energia solar distribuída sejam motivo de comemoração, há ainda muito espaço para crescer, já que o Brasil possui cerca de 92,4 milhões de unidades consumidoras de energia elétrica no mercado cativo”, disse Koloszuk em artigo da associação.
Energia limpa
Com o avanço da energia solar fotovoltaica no país, foi possível evitar a emissão de 45,2 milhões de toneladas de gases de efeito estufa na geração de eletricidade, com a produção de energia limpa e renovável.
O presidente executivo da Absolar, Rodrigo Sauaia, pontuou que, pela ótica ambiental, a geração de energia elétrica se dá de forma limpa e renovável.
“Uma fonte que não emite gases de efeito estufa, nem nenhum tipo de líquido ou sólido durante a sua operação, não consome água, que é um recurso cada vez mais precioso e escasso. Contribui para o atendimento das metas de redução de emissões de gases de efeito estufa do país, é uma tecnologia robusta que não gera ruídos, não possui nenhum tipo de partes móveis”, elencou Sauaia ao Byte.
O CEO da associação citou ainda os dados do Ibope Inteligência, que mostra que mais de 90% da população brasileira quer gerar a sua própria energia renovável em casa. E, segundo dados do DataSenado, 85% dos brasileiros apoiam mais investimentos públicos em energias renováveis.
“A fonte solar é, portanto, uma alavanca para o desenvolvimento social, econômico e ambiental do país. O crescimento da geração própria da energia fotovoltaica também amplia a atração de capital e impulsiona a geração de mais emprego e renda aos brasileiros”, incluiu Sauaia.
Precauções na implementação
A energia solar vem sendo vista com bons olhos pela sociedade, empresas e governo por ser uma aposta limpa e sustentável, comentou Camila Bernardinelli, head de Marketing e Vendas da consultoria de tecnologia Actionsys.
Em 2022, um levantamento feito pelo Sebrae, em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou que a energia solar é usada por 14% dos pequenos empreendimentos. Ao todo, 74% das micro e pequenas empresas implementaram o controle do consumo de energia.
No entanto, a implementação dessas tecnologias ainda é um desafio e levanta preocupações, segundo Camila. Ela destaca que:
- Em locais onde há a necessidade de grandes terraplanagens onde serão feitas as "fazendas/usinas" de módulos solares, há o impacto na vegetação e animais que vivem ao redor, podendo haver acidentes;
- A produção dos equipamentos para a captação também é um ponto, pois envolve metais que têm grande impacto no meio ambiente e o descarte dos materiais ao fim de sua vida útil.
“Mesmo com esses pontos, o impacto é bem menor ao meio ambiente do que os [modelos] tradicionais”, afirmou Camila Bernardinelli.
O que trava o crescimento da energia solar no Brasil?
Custo, questões regulatórias, política e lobby são alguns dos problemas enfrentados pelo Brasil que dificultam que o mercado de energia solar se expanda.
“Há um lobby muito forte das empresas do setor elétrico que não querem perder mercado.Se você produz sua própria energia, você não compra deles. Quando eles achavam que era pouca coisa, não se incomodavam, agora, se incomodam”, disse o pesquisador da Unicamp Ennio Peres da Silva.
“A gente trabalha para ver quais são as melhores opções para o país e não somos ouvidos. O que é considerado pela legislação é a opinião dos lobistas de gás, de carvão, entre outros”, completou o pesquisador.
Para o avanço mais acelerado da energia solar fotovoltaica no Brasil, o primeiro ponto mais importante, segundo a Absolar, é a implementação da lei 14.300/2022, o marco legal da geração própria de energia renovável.
“Esse marco legal ainda tem uma série de pontos da legislação que não estão implementados adequadamente. Isso pode ajudar de forma importante o mercado e o setor a acelerar”, disse Rodrigo Sauaia.
Dentre os pontos mais críticos que precisam ser melhorados, ele cita o cálculo dos benefícios para valorar os créditos de energia elétrica; que é a energia excedente que o consumidor pode injetar na rede e virar um crédito para abater no futuro. E a solução de problemas de conexão do sistema fotovoltaicos às redes de distribuição.
Distribuidoras alegam uma série de desafios técnicos para conectar aos sistemas, mas não comprovam esses desafios técnicos, disse Sauai.
“E a gente precisa melhorar a regulamentação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para impedir abusos e barreiras que dificultam acesso a essa rede”, comentou.
“Que haja um tratamento adequado, correto e favorável para a energia solar fotovoltaica do ponto de vista tributário, para que durante essa implementação da reforma tributária as tecnologias sustentáveis, que contribuem para um país mais limpo com uma matriz mais competitiva, sejam fortalecidas”.
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