Brasil força pesquisadores a sair do País, e isso não deve mudar tão cedo
Fenômeno de "fuga de cérebros" que acontece no Brasil é multidimensional, mas falta de investimento em pesquisa é principal razão
O fenômeno de “exportação” de pesquisadores brasileiros para fora do país já é uma realidade há alguns anos. Mas a situação parece estar ainda mais grave: só no governo de Jair Bolsonaro, o número de pesquisadores especializados que decidiram sair do Brasil para os Estados Unidos subiu 40% em 2019 e 2020 na comparação com 2017 e 2018.
O percentual representa a busca pela autorização permanente dos tipos EB1 e EB2, segundo dados do Departamento de Imigração norte-americano compilados por consultorias especializadas. Estes são vistos para pessoas de grande reconhecimento e talento nas mais diversas áreas.
Antes disso, a "fuga de cérebros" já estava acontecendo. Ainda que não discriminem a profissão dos brasileiros que saíram do país, informações da Receita Federal mostram que o número de migrações do tipo passou de 8.170 em 2011 para 23.271 em 2018, um aumento de 184%.
Um consenso entre os entrevistados por Byte é que falta investimento em pesquisa no Brasil. Os cientistas são muito mal pagos no país: a bolsa de mestrado, em média, é de R$ 1.200, e a de doutorado, R$ 2.200. Para esses profissionais ingressarem de fato no mercado de trabalho, leva pelo menos dez anos de estudos.
Os perrengues dos cientistas brasileiros
De acordo com Ana Maria Carneiro, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os cientistas contam com uma série de vantagens ao sair do Brasil.
“Ainda que seja muito competitivo e difícil [para sair do país], as fontes de financiamento à pesquisa no exterior costumam ser mais diversificadas e volumosas, e a infraestrutura das instituições é melhor em termos de equipamentos, laboratórios e outras instalações”, explica Carneiro.
Mas para ela, a decisão é sempre multidimensional, ou seja, nunca se dá por um único critério. Pode ser sim por conta de uma oportunidade profissional importante, mas contará também com uma predisposição do profissional para morar no exterior e querer experimentar essa vida.
Segundo Ana Tereza Vasconcelos, diretora da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), outra questão é a baixa absorção dos profissionais após o processo de pós-graduação. Há cada vez menos oportunidades de contratação por parte das universidades federais, além do pouco investimento em pesquisa e baixos valores das bolsas.
A descontinuidade das pesquisas também é um problema, quando o financiamento é interrompido. Mesmo que ele retorne um ano depois, Vasconcelos pontua que não é a mesma coisa, porque “aquela pesquisa de ponta que você ia fazer já não vai ser mais tão de ponta assim”.
Em busca de oportunidade
Graduado em ciências biológicas pela Universidade Federal de Londrina, Thiago Vidotto sempre quis morar fora. Depois de fazer um mestrado em psicobiologia na Universidade de São Paulo, conseguiu a oportunidade de cursar um “doutorado-sanduíche”, parte realizado na USP e parte na Queen’s University, no Canadá, com uma bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Vidotto atualmente faz pós-doutorado de patologia no hospital Johns Hopkins. Com a pandemia de covid-19 decidiu voltar ao Brasil, embora continue trabalhando remotamente na instituição dos EUA.
“Lá no exterior você vai ver muito dinheiro destinado para pesquisa, e aqui não (...) Na minha área de genômica, muitas empresas no exterior fazem testes de DNA, que avaliam predisposição para doenças. Algumas desenvolvem tecnologias de sequenciamento e análise de dados, por exemplo. (...) Mas a gente não tem muito disso aqui [no Brasil]”, resume, sobre sua experiência.
Nos últimos 20 anos, o orçamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) nunca foi maior que R$ 3,3 bilhões por ano. Esse valor está em queda nos últimos tempos: foi a R$ 1,2 bilhão em 2021, valor menor do que o orçamento de 20 anos antes, em 2001.
Para comparação, o orçamento do National Institutes of Health americano, responsável apenas por pesquisas na área biomédica, foi superior a US$ 50 bilhões (R$ 263 bilhões) em 2021. Felizmente, temos a arrecadação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que gira em torno de R$ 7 bilhões e recentemente, teve seu contingenciamento proibido por meio de uma lei complementar.
Estrutura do passado e expectativas futuras
Apesar dos problemas, Ana Tereza Vasconcelos, da SBPC, diz que o Brasil “guarda” uma ótima infraestrutura para os laboratórios, mas que vem de políticas do passado. “Só que não tem investimento para fazer manutenção e trazer novos equipamentos”, diz.
Além disso, ela diz que nosso país forma bons pesquisadores e a ciência desenvolvida aqui é avançada. “Quando teve a epidemia de zika, nós rapidamente identificamos, estudamos e publicamos inúmeros artigos. Essa estrutura nos serviu depois para fazermos a vigilância genômica também do coronavírus”, lembra.
Para Leni Akcelrud, professora sênior da Universidade Federal do Paraná (UFPR), uma possível solução para a crise seria o entendimento do pesquisador como um profissional com direitos trabalhistas como 13° salário e aposentadoria contada desde o início das pesquisas. “Bolsista é um título que se dá para não chamar de emprego”, destaca ela.
Ela destaca um fenômeno igualmente lamentável: o de profissionais altamente qualificados que migram para uma área diferente por não existir vagas disponíveis na sua formação.
Carneiro acha que o cenário tende a mudar com a mudança de governo. “Durante o governo Bolsonaro alguns pesquisadores foram até perseguidos e ameaçados de morte, outros sofreram ataques ou foram censurados”, comenta.
A SBPC já mandou uma documentação para o grupo de transição dos governos, requerendo melhores valores para as bolsas e continuidade de verbas na pesquisa. “A gente tem uma grande expectativa de que essas medidas sejam escutadas e implementadas no novo governo”, afirma Vasconcelos.