O Brasil tem usuários engajados e pessoas preocupadas com a privacidade e a liberdade de expressão na internet, mas precisa se organizar para fazer essas vozes serem ouvidas. Essa é a opinião de Rainey Reitman, diretora de ativismo da Electronic Frontier Foundation (EFF), organização de direitos civis na web, que falou com jornalistas após a palestra no palco central da Campus Party Brasil nesta quarta-feira.
Segundo ela, quando o Marco Civil brasileiro começou a ser elaborado, a comunidade internacional " esperava uma lei forte de proteção aos intermediários, como Facebook, YouTube e Google, para não serem responsabilizados pelo que os usuários postam". Mas o que se sabe agora é que há negociações para passar a legislação, e elas devem justamente enfraquecer esses pontos, ponderou.
"As pessoas precisam se envolver e garantir que suas vozes sejam ouvidas nesse processo", defendeu a americana. Para ela, é essencial que nesse ponto da discussão haja "muita transparência para que o público saiba o que está disposto (na lei) e porque está lá".
Para Rainey, falta no Brasil uma organização como a EFF, e essa é uma das intenções da diretora da organização na passagem pela Campus Party neste ano. "Em lugares como a Europa, há grupos com que já temos uma longa relação. Aqui no Brasil não existe nenhum grupo (de ativistas) particular, o que é estranho, porque vejo muita gente interessada nesses assuntos", disse.
O País, na visão da americana, se destaca por inovação, conhecimento em tecnologia e interesse em sistemas de código aberto. "As pessoas precisam se reunir para discutir assuntos como o Marco Civil. Mesmo grupos pequenos podem ter uma voz poderosa", diz Rainey. "Esse é o papel da EFF também, amplificar essas vozes. Temos pessoas espalhadas no mundo inteiro e queremos contar a elas o que está acontecendo no Brasil", detalhou.
Facebook Graph Search
Reitman também comentou sobre a nova busca do Facebook, a Graph Search, que levou a EFF a publicar uma carta com preocupações quanto às implicações para a privacidade do usuário. "É uma ferramenta com muitas coisas úteis às pessoas, mas que por outro lado pode ser usada para levantar dados muito sensíveis, como religião, afiliação política", enumerou.
O maior problema é as pessoas não poderem escolher não estar na busca. "A resposta do Facebook é sempre a mesma, 'atualize suas configurações de privacidade', o problema é que a pesquisa também encontra informações que os amigos compartilharam, e não temos como atualizar as configurações de privacidade dos nossos amigos", destaca.
Rainey lembrou o Tumblr Actual Facebook Graph Search, criado logo após o anúncio da nova busca da rede social e que reuniu resultados, por exemplo, de pessoas casadas que curtiram páginas de sites de affairs extraconjugais, entre outros exemplos. "Foi uma pessoa que conseguiu criar um alerta enorme sobre essa grande questão", disse a diretora do EFF.
Para ela, além de mudar as opções de privacidade, o usuário só pode, alternativamente, optar por sair do Facebook, como mecanismo de luta. "Mas não deveríamos deixar no ostracismo as pessoas que não quiserem aparecer na pesquisa", destaca, lembrando que a rede social é a maior do mundo e que os usuários gostam das comunidades criadas na rede. Manifestações coletivas de desapreço também teriam pouco efeito, ela acredita. "Historicamente, o Facebook já fez outras mudanças de termos de privacidade que desagradaram os usuários, e houve manifestações, mas eles não voltaram atrás. O cliente do Facebook não é o usuário, mas as empresas de marketing que anunciam na rede social", explicou.
Expressão x opressão
"A internet é muito boa para transmitir informações, mas também é muito ruim em manter informações privadas", opinou. No início da web, destacou, não havia normas, os espaços estavam abertos a qualquer coisa para que pudessem ser usado. "Agora as corporações têm normas estritas sobre o que é e o que não é permitido, e governos pressionando essas companhias, o que ela a uma constrição paulatina da liberdade de expressão", argumentou a diretora da EFF.
E como contra-atacar? "Há diferentes abordagens, dependendo do contexto. Nos Estados Unidos em geral é ligado ao mercado, já a Europa tem uma tendência a políticas regulatórias", exemplificou. "Não vai ser fácil, há muitas perguntas difíceis que precisamos enfrentar todos os dias", ponderou Rainey, reiterando que sua esperança em uma internet aberta está no ativismo dos usuários da rede.
"Converso com deputados, senadores, e eles têm medo de que os usuários da internet se rebelem e saiam às ruas como na época do Sopa e do Pipa. Eles me pedem para não "sopear" os temas", contou. "Sopear", nesse caso, seria provocar um levante como o visto com o Sopa.
São as pessoas que contra-atacam as iniciativas de opressão que, segundo Rainey, vão ajudar a "construir a internet do futuro". "Pessoas que editam a Wikipédia, que compartilham no Reddit, que estão no Facebook. Vale a pena lutar pela internet que queremos no futuro", conclamou.