Choquei: falta legislação para combater as fake news no Brasil?
Jessica Canedo, de 22 anos, morreu após ter prints de conversas falsas com Whinderson Nunes divulgados pela página Choquei
A morte da jovem Jessica Canedo, de 22 anos, reacendeu a discussão sobre a urgência da regulamentação nas redes sociais contra a propagação de fake news. Jessica morreu após ser mais uma vítima de notícias falsas que se espalharam na internet. O perfil Choquei, presente no Twitter/X e Instagram, divulgou um suposto affair da moça com o humorista Whindersson Nunes. Ambos negaram que teriam um relacionamento.
Na semana passada, prints de uma conversa falsa entre Jessica e o comediante foram publicadas pelo perfil de fofocas de celebridades, que tem milhões de seguidores nas redes sociais. Com a repercussão, a mulher começou a receber ataques nas redes.
No dia 22 de dezembro a mãe da jovem emitiu uma nota informando o falecimento dela, afirmando que "não resistiu a depressão e tanto ódio".
Em entrevista ao Byte, a advogada especialista em Direito Digital e CTO da consultoria de proteção de dados DataLegal, Camila Studart, afirmou que o caso já é punível pela nossa legislação e mesmo assim foi praticado.
"Se já tivéssemos uma regulamentação eficaz e tipos penais específicos, certamente os criadores do conteúdo teriam pensado duas vezes antes de produzir uma imbecilidade dessas".
"E, se mesmo assim tivessem publicado, a plataforma teria tido a obrigação legal de se comportar de forma diferente e muito provavelmente não teria tomado a proporção que tomou, culminando na morte de uma jovem", complementou a advogada.
PL das Fake News
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva espera que o Congresso retome em 2024 o projeto de lei PL 2630/2020 para regular as redes sociais no país, conhecido como PL das Fake News, disse à Reuters o secretário nacional de Políticas Digitais, João Brant.
No entanto, o debate sobre plataformas digitais pagarem por conteúdos jornalísticos e direitos autorais ainda barra o avanço da proposta, segundo Brant e o relator do projeto, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).
O texto está parado na Câmara dos Deputados desde maio, quando Silva pediu ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), o adiamento da votação diante da falta de apoio para aprovação, depois que plataformas de redes sociais se mobilizaram para barrar a proposta.
De acordo com Silva, a regulação das redes sociais "não vai evoluir" sem um acordo sobre a remuneração pelas empresas de tecnologia. Leia os destaques e polêmicas da PL das Fake News.
Quem se responsabiliza pela morte?
Ao comentar sobre a responsabilidade por este caso, Studart diz que ainda é prematuro imputar as responsabilidades antes do término das investigações.
Contudo, pelas informações já divulgadas, diversos podem ser os responsáveis por essa tragédia, "incluindo os criadores e disseminadores da notícia falsa, por diversos crimes como difamação, injúria e induzimento, instigação ou auxílio a suicídio, além da responsabilidade na esfera civil".
"É um perfil que possui, hoje, mais de 20 milhões de seguidores, vive da exposição da vida alheia e precisa arcar com as consequências da “monetização do sofrimento”, como citou o Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida", disse a especialista.
Também a plataforma deverá ser responsabilizada na medida de sua culpa, acrescenta a advogada. "O perfil @choquei ainda está ativo, o que demonstra o completo desprezo da Meta [dona do Instagram] a esse caso".
Além disso, a especialista destaca que "todos aqueles que atacaram a jovem, como ela mesma escreveu antes de morrer, com discursos de ódio, classismo, xingamentos e ameaças, deverão ser exemplarmente responsabilizados e punidos, nas esferas cível e criminal".
O Byte entrou pediu esclarecimentos à Meta, ao X (ex-Twitter) e à página Choquei, e mantém o espaço aberto para o posicionamento.
Entenda o caso
Na semana passada, prints de uma conversa falsa entre Jessica e o comediante Whindersson Nunes foram publicadas pelo perfil da Choquei, que tem milhares de seguidores nas redes sociais.
Com a repercussão da divulgação dos prints, a moça começou a receber ataques nas redes.
A jovem criou um perfil para negar o relacionamento e em um texto que publicou se posicionando, pediu: "Parem de vir até o meu perfil destilar tanto ódio. Vocês estão falando da minha aparência, da minha classe social, xingando minha família. Pensem nas consequências do que estão fazendo".
O responsável pela página que havia feito as postagens, no entanto, ironizou o texto. "Avisa pra ela que a redação do ENEM já passou. Pelo amor de Deus!", disse Raphael Souza em um comentário no Instagram em seu perfil pessoal (@raphaelsoux).
No perfil de Ines Oliveira, a mãe de Jéssica, foi publicada uma nota de falecimento no dia 22 de dezembro. "É com pesar que informamos que nessa manhã do dia 22/12 a Jéssica não resistiu a depressão e tanto ódio e veio a óbito".
A mãe relatou à Record que a filha, que já sofria de depressão, sofreu muito com os ataques que recebeu na internet. "Ela chegava aqui chorando [e falando]: 'Mamãe pede para eles pararem, porque eu não estou aguentando, faz alguma coisa'. O que eu podia fazer? Eu só gravei um vídeo pedindo para eles pelo amor de Deus que parassem porque se eles tivessem parado, capaz que a minha filha hoje estaria aqui", lamentou Inês.
Após a morte de Jessica, a Choquei apagou as postagens sobre conversas falsas e afirmou não ter responsabilidade pelos atos praticados. No dia 23 de dezembro, a página emitiu um comunicado assinado pela advogada e ex-BBB Adelia Soares.
"Em relação aos eventos que circulam nas redes sociais e que foram associados a um trágico evento envolvendo a jovem Jéssica Vitória Canedo, queremos ressaltar que todas as publicações foram feitas com os dados disponíveis no momento e em estrito cumprimento das atividades habituais decorrentes do exercício do direito à informação", dizia o texto.
Como se respaldar contra fake news na internet?
Ao Byte, Camila Studart, da DataLegal, explica que a vítima de fake news deve coletar o maior número de provas possível, da maneira correta, o que inclui a preservação de prints (sem manipulação ou cortes) e o salvamento da URL da informação falsa.
"É importante que a pessoa dê a devida validade jurídica a esse material, assim, pode ir até um cartório para obtenção de uma ata notarial, ou, como alternativa à ata notarial, se utilizar da Verifact, plataforma online de registro de provas que atende as normas forenses e os princípios de coleta e preservação da cadeia de custódia", explicou a advogada.
Em caso de fake news em redes sociais, é importante denunciar para a plataforma e registrar prova disso, sempre.
"Um boletim de ocorrência também deve ser feito e notificações para remoção de conteúdo também devem ser realizadas, dentre outras ações, por isso, é importante o acompanhamento de um advogado especialista desde o início", afirmou Camila Studart.
Importante: Se você está passando por crises emocionais e precisa de ajuda, entre em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV), que promove apoio e prevenção ao suicídio. O telefone do CVV é 188. Caso presencie um caso de emergência médica, entre em contato com o Corpo de Bombeiros (193) ou com o Samu (192).