A 'chocante' e misteriosa vida sexual das enguias elétricas no Brasil
Após mais de uma década de análise, pesquisadores do Instituto Chico Mendes, do Brasil, desvendaram um dos maiores segredos a respeito das enguias elétricas: como seu comportamento de desova são impulsionados pelas condições ambientais. Reconhecidas por seus corpos rechonchudos e cheios de cicatrizes, bocas largas e olhos redondos, as enguias são os principais predadores aquáticos da Amazônia.
Liderados por Nonato Mendes, os pesquisadores descobriram novos detalhes sobre as técnicas de caça e outros comportamentos desses animais. Anteriormente, acreditava-se que as enguias desovavam durante o pico da estação das secas, quando os casais reprodutores ocupavam poços isolados que se formavam à medida que os rios recuavam. Contudo, as análises aprofundadas demonstraram algo muito mais complexo.
Comportamento das enguias elétricas
Em 2005, Mendes estabeleceu-se por um ano na várzea do rio Curiau, no Amapá, para um estudo sobre a enguia elétrica de Vari (Electrophorus varii), a espécie mais primitiva das enguias elétricas. Ele recrutou pescadores locais para ajudá-lo.
Equipados com redes de camarão, tarrafas e linhas, a equipe saía de barco a cada dois meses para capturar exemplares e coletar novas informações sobre tamanho, peso, conteúdo estomacal e desenvolvimento das gônadas — o que mostra se o animal está pronto para se reproduzir ou não.
À medida que as estações chuvosas da Amazônia chegavam e a chuva enchia os rios, a equipe começou a capturar enguias com gônadas quase cheias de espermatozoides ou óvulos. Análises posteriores dos dados revelaram um possível gatinho para o acasalamento, algo particularmente adequado para um peixe elétrico.
"Minha hipótese é que pode ser a condutividade elétrica na água causada pela chuva e pelas condições atmosféricas, talvez até mesmo pelos raios, que faz com que as enguias elétricas comecem a desova", disse Mendes em seus estudos. Porém, para a confirmação dessas informações, seria necessário mais de uma década de novas análises meticulosas antes da publicação da descoberta, em 2016.
Acasalamento 'elétrico'
A pesquisa de Mendes não só descobriu que as enguias elétricas eram favorecidas por períodos de chuvas intensas e raios, como também revelou que as fêmeas preferem parceiros grandes devido ao papel descomunal dos machos no cuidado parental da espécie. Quanto maior a enguia, mais potente é a sua descarga elétrica, dando aos machos grandes uma vantagem na competição e na defesa dos locais privilegiados de nidificação.
Os machos tendem a cuidar dos seus filhotes por cerca de quatro meses até o momento que eles se dispersam. Nesse período, eles precisam ficar muito atentos aos seus filhotes e demonstrarão comportamentos hiperagressivos para defendê-los. Os investigadores também esperam que, em breve, os dados coletados possam ser usados para trazer alguns benefícios para esses animais.
Atualmente, toda a demanda global pelas enguias elétricas é atendida pela coleta de exemplares silvestres na Amazônia peruana. Embora esse comércio permaneça sustentável e as enguias não estejam ameaçadas de extinção, Mendes acredita que suas descobertas poderão um dia eliminar a necessidade de capturá-las na natureza.
Para testar essa teoria, os pesquisadores planejam tentar replicar as condições ambientais que desencadeiam a desova selvagem num ambiente de cativeiro. No futuro, isso pode significar que as enguias poderão permanecer em seu habitat sem serem incomodadas.