A descoberta arqueológica que muda o que se sabia sobre passado nômade dos humanos
Pesquisadores encontraram evidências de que madeira foi usada para construir uma estrutura há quase meio milhão de anos.
A descoberta de toras de madeira nas margens de um rio na Zâmbia mudou a compreensão dos arqueólogos sobre a vida humana antiga.
Os pesquisadores encontraram evidências de que a madeira foi usada para construir uma estrutura há quase meio milhão de anos.
As evidências, publicadas nesta quarta-feira (20) na revista Nature, sugerem que pessoas da idade da pedra podem ter usado a estrutura como abrigo.
"A descoberta mudou a forma como penso sobre os nossos primeiros antepassados", analisa o arqueólogo Larry Barham.
Ele, cientista da Universidade de Liverpool, lidera o projeto de pesquisa Deep Roots of Humanity ("Raízes Profundas da Humanidade", em tradução livre), que escavou e analisou a madeira antiga.
A descoberta pode transformar a crença vigente até aqui de que os humanos antigos levavam vidas simples e nômades.
"Eles fizeram algo novo, e grande, a partir da madeira", disse o professor Barham.
"Eles usaram sua inteligência, imaginação e habilidades para criar algo que nunca tinham visto antes, algo que nunca existiu."
Os pesquisadores também descobriram no local ferramentas antigas de madeira, incluindo varas para escavação. Mas o que mais gerou entusiasmo foram dois pedaços de madeira perpendiculares encontrados.
"Um está sobre o outro e ambas as toras de madeira têm entalhes", relata o arqueólogo Geoff Duller, da Universidade de Aberystwyth.
"Você pode ver claramente que esses entalhes foram feitos por ferramentas de pedra."
"Isso faz com que os dois pedaços se encaixem para se tornarem objetos estruturais."
Análises posteriores confirmaram que os troncos tinham cerca de 476 mil anos.
Perrice Nkombwe, do Museu Livingstone, na Zâmbia, participou da exploração e afirmou: "Fiquei espantada ao descobrir que o trabalho em madeira era uma tradição tão profundamente enraizada."
"Percebi que havíamos descoberto algo extraordinário."
Até agora, as evidências do uso da madeira na vida humana antiga limitavam-se à produção de fogo e à fabricação de ferramentas, como varas de escavação e lanças.
Datação por luminescência
Uma das mais antigas descobertas de itens de madeira foi uma lança de 400 mil anos nas areias pré-históricas de Clacton-on-Sea, no Reino Unido, em 1911.
A menos que seja preservada em condições muito específicas, a madeira normalmente apodrece.
Mas nas margens sinuosas do rio acima da cachoeira de Kalambo, perto da fronteira entre a Zâmbia e a Tanzânia, os troncos encontrados ficaram alagados e conservados por milênios.
A equipe mediu a idade das camadas de terra em que eles estavam enterrados, usando datação por luminescência.
Ao longo do tempo, grãos de rocha absorvem a radioatividade natural do ambiente — basicamente carregando-se como se fossem pequenas baterias, explica Duller.
E essa radioatividade pode ser liberada e medida aquecendo os grãos e depois analisando a luz emitida.
O tamanho das duas toras, a menor das quais com cerca de 1,5m, sugere que quem as juntou estava construindo algo substancial.
É pouco provável que fosse uma cabana ou residência permanente, mas poderia ser parte de um abrigo, na análise da equipe.
"Poderia ser uma estrutura para sentar na margem do rio e pescar", explicou Duller.
"Mas é difícil dizer que tipo de estrutura [completa] pode ter sido."
Também não está claro quais humanos antigos — ou hominídeos — a construiu.
Nenhum osso humano foi encontrado no local até agora.
E as toras de madeira encontradas são muito mais antigas do que os primeiros fósseis do homem moderno, o Homo sapiens, conhecidos, que têm cerca de 315 mil anos.
"Poderia ter sido o Homo sapiens, mas ainda não descobrimos fósseis dessa idade", afirmou Duller.
"Mas poderia ser uma espécie diferente — o Homo erectus ou Homo naledi. Havia uma série de espécies de hominídeos naquela época no sul da África."
Transportados para o Reino Unido para análise e preservação, os itens de madeira estão armazenados em tanques que imitam o alagamento que os preservou durante o último meio milhão de anos. Mas, em breve, eles regressarão à Zâmbia para serem exibidos.
"Com esta descoberta, esperamos enriquecer a nossa coleção e utilizar os achados para qualificar a interpretação da tradição da marcenaria na Zâmbia", disse Nkombwe.