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A fascinante história da Rainha Vermelha, aristocrata cuja tumba guardava segredos da civilização maia

Sarcófago conta a história dos sangrentos costumes dos maias. Pela primeira vez, o material arqueológico será exibido ao público, no México.

5 ago 2018 - 08h22
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Parecia a cena de um crime. Os cadáveres de uma criança com a garganta cortada e de uma mulher, cujo coração foi removido, estavam deitados ao lado de um sarcófago, esculpido em um único pedaço de pedra, com 2,40 m de comprimento e 1,18 m de largura.

Na tampa da urna funerária, havia um buraco, através do qual o arqueólogo Arnulfo González olhou e gritou: "Está cheio de jade! É uma alucinação, alucinação, alucinação!"

Era a manhã de 1 de junho de 1994.

Além das pedras de jade, havia ali dentro ossos e conchas do mar cobertos por uma poeira avermelhada, um minério, o cinábrio.

Composto de mercúrio e enxofre, ele é usado para preservar os restos humanos, o que fez com que a mulher, enterrada naquela tumba há 1.346 anos, no ano de 672, ganhasse o título de "Rainha Vermelha".

Seus restos circularam por Nova York e Los Angeles, nos Estados Unidos, por Palenque, no México, e por Ontário, no Canadá.

Mas, agora, 24 anos depois de sua descoberta, o enxoval funerário da rainha finalmente chegará ao público. O material será exibido pela primeira vez no Museu do Templo Mayor, na Cidade do México, onde pode ser visitado até 9 de setembro.

Mas quem era essa mulher e como a ciência passou a conhecê-la? O que ela nos diz sobre o mundo maia?

O enxoval funerário da Rainha Vermelha é composto por sete peças: máscara, tiara, colar, peitoral, cocar, concha e estatueta
O enxoval funerário da Rainha Vermelha é composto por sete peças: máscara, tiara, colar, peitoral, cocar, concha e estatueta
Foto: Instituto Nacional de Antropología e Historia / BBC News Brasil

Dentes da Rainha Vermelha indicam dieta carnívora e aristocrática

A análise dos restos mortais da aristocrata levou os pesquisadores a concluir que ela tinha 1,54 metro de altura, morreu com idade entre 50 e 60 anos e teve seu crânio deformado, com a testa achatada, para seguir os padrões de beleza da sociedade maia.

Com o material, também foi possível concluir que ela sofria de osteoporose, que teve filhos e sofria de sinusite crônica. Além disso, em sua tíbia esquerda, encontraram um casulo de larvas de vespa. Acredita-se que, quando morreu, ela estava bastante debilitada.

Seus dentes indicaram aos pesquisadores que ela não nasceu na região de Palenque (onde os restos foram encontrados), que sofria de tártaro, abscessos e cáries, e que tinha uma dieta rica em carne - algo que mostra que fazia parte da alta sociedade.

Máscara encontrada na urna funerária estava quebrada em 119 pedaços; sua reconstrução levou nove meses
Máscara encontrada na urna funerária estava quebrada em 119 pedaços; sua reconstrução levou nove meses
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

No entanto, não só os dentes indicaram que ela era uma mulher de uma classe privilegiada.

A arqueóloga Fanny López Jiménez foi quem encontrou a urna funerária da Rainha Vermelha. Em sua pesquisa, ele leu repetidas vezes os relatos dos arqueólogos Alberto Ruz e Jorge Acosta, que fizeram grandes descobertas no mesmo templo nas décadas de 50 e 70.

"Não entendi como foi possível eles me deixarem tal presente, o que não me desagradou nem um pouco", escreveu López na revista Arqueología Mexicana.

Devido à localização dos restos da Rainha Vermelha, ao lado do Templo das Inscrições, perto do rio Usumacinta, em Chiapas, seu alto posto já estava quase comprovado.

A máscara funerária do Rei Pacal é exibida na Cidade do México
A máscara funerária do Rei Pacal é exibida na Cidade do México
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O templo foi construído para guardar os restos mortais de Pacal, o Grande, um homem que viveu entre os anos 603 e 683. Ele foi rei desde os 12 anos de idade, liderou uma campanha militar que deu grande renome a Palenque e fez com que a história do seu povo fosse registrada em glifos. Seus restos mortais foram encontrados em 1949.

Graças a esses escritos, Fanny conseguiu fazer uma lista de quem eram as mulheres mais importantes da vida de Pacal: Yohl Ik Nal, sua avó, rainha de Palenque; Sak Kuk, sua mãe, e Tzakbu Ajaw, sua esposa.

O arqueólogo Alberto Ruz encontrou em 1949 a tumba de Pacal
O arqueólogo Alberto Ruz encontrou em 1949 a tumba de Pacal
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Análises de DNA que levaram dois anos para serem feitas pelo arqueólogo Carney Matheson, da Universidade de Lakehead, em Ontário, revelaram que não havia parentesco entre Pacal e a Rainha Vermelha.

Assim, foi possível descartar que o cadáver de mulher coberto de poeira vermelha fosse da avó ou da mãe de Pacal. Restava a indicação de que se tratava de Tzakbu Ajaw, a esposa e mãe dos dois filhos do rei: K'inich Kan Bahlam II, que sucedeu o pai no reinado, e K'inich K'an Joy Chitam II, rei de Palenque por nove anos.

Vera Tiesler, professora de arqueologia da Universidade Autônoma de Yucatán, no México, disse no documentário A Rainha Vermelha: um mistério maia, do Discovery Channel, que, se a ciência encontrar no futuro a tumba de qualquer um deles, poderá ser confirmada a real identidade da Rainha Vermelha.

Estima-se que, em Palenque, apenas 15% dos 1.500 edifícios tenham sido escavados
Estima-se que, em Palenque, apenas 15% dos 1.500 edifícios tenham sido escavados
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Indícios de mortes sangrentas foram encontrados

Segundo o livro A Rainha Vermelha: O segredo dos maias em Palenque, da jornalista Adriana Malvido, os ossos da mulher e da criança encontrados ao lado do sarcófago da aristocrata foram analisados em Miami, nos Estados Unidos, onde se concluiu que eles foram sacrificados entre os anos 620 e 680, datas que correspondem ao tempo em que a esposa de Pacal estava viva.

Mas o que esses corpos estavam fazendo lá?

O arqueólogo mexicano Arnoldo González disse ao Discovery Channel que esses corpos foram sacrificados para fornecer "um novo e fresco suprimento de sangue". Esta conclusão diz muito sobre as circunstâncias de suas mortes.

Complexo arqueológico de Palenque foi declarado Patrimônio da Humanidade em 1987
Complexo arqueológico de Palenque foi declarado Patrimônio da Humanidade em 1987
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

No livro Janaab' Pakal de Palenque, de Vera Tiesler e Andrea Cucina, descreve-se que o cadáver da mulher e da criança estavam no chão. "Nenhum dos corpos foi depositado com cuidado", dizem os autores.

A mulher, com idade entre 20 e 30 anos, sofreu várias facadas em duas costelas e estava deitada de bruços, com os braços cruzados sobre as costas: "As várias marcas profundas e multidirecionais indicam um padrão complexo de violência "

Inclusive, acredita-se que o corpo da mulher sofreu "uma separação em duas metades ou simplesmente uma carnificina que fazia parte de uma mutilação ritual logo após a remoção do coração".

Restos da Rainha Vermelha foram encontrados no complexo arqueológico de Palenque
Restos da Rainha Vermelha foram encontrados no complexo arqueológico de Palenque
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A criança, por sua vez, estava decapitada, como indica sua terceira vértebra cervical, com uma marca contínua de corte horizontal - o que só poderia ser feito "com o impacto violento na nuca de um elemento pontiagudo".

Essa descoberta de indícios de violência diz respeito não só à crença que os maias tinham sobre a vida além da morte, mas da existência de uma forte hierarquia social, onde pessoas de baixa posição eram sacrificadas para fins rituais.

No túmulo da Rainha Vermelha, apenas dois corpos foram encontrados, enquanto no de Pacal havia restos mortais de seis pessoas.

Especialistas afirmam que nas mais de 1,5 mil construções existentes em Palenque, apenas cerca de 15% foram escavados. Assim, ainda há muitos segredos dos maias a serem revelados.

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