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A genialidade por trás das soluções simples dos soviéticos na corrida espacial

A União Soviética não contava com os mesmos avanços tecnológicos da Nasa — mas isso não a impediu de largar na frente dos americanos na corrida espacial.

5 jun 2021 - 17h48
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Poucos dias depois de retornar à Terra, Yuri Gagarin estava ao lado do então primeiro-ministro soviético Nikita Khrushchev na Praça Vermelha de Moscou, sendo aplaudido por milhares de pessoas que comemoravam seu triunfo.

Foto: BBC News Brasil

Foi uma celebração avassaladora e, em grande parte, espontânea das conquistas soviéticas.

Mas o engenheiro que tornou possível o primeiro voo espacial tripulado por humanos não estava lá para ser visto.

Somente após a sua morte, em 1966, que o nome do projetista-chefe, Sergei Pavlovich Korolev, foi revelado ao mundo.

O gênio que estava no cerne do programa espacial russo era um dos segredos mais bem guardados da União Soviética.

Nascido na Ucrânia, Korolev supervisionou o projeto do foguete R7 que lançou o primeiro satélite, o primeiro cão, o primeiro homem, a primeira mulher e o primeiro andarilho espacial em órbita.

Ele desenvolveu as cápsulas, os sistemas de controle e as checagens rigorosas que garantiram que todas as pessoas que ele enviou ao espaço ao longo de sua trajetória voltassem com vida.

O valor de propaganda do seu trabalho por si só foi suficiente para garantir o status de superpotência da União Soviética.

Mas, diferentemente de seu famoso rival americano Wernher von Braun, a identidade do "projetista-chefe" era considerada preciosa demais para ser compartilhada com o mundo.

"Não é dado crédito suficiente para os engenheiros e técnicos que trabalharam na espaçonave, porque eles são os exércitos que realmente tornaram isso possível", diz Cathleen Lewis, curadora de Programas Espaciais Internacionais do Museu Nacional do Ar e do Espaço do Instituto Smithsoniano em Washington DC.

"É preciso uma quantidade incrível de energia e esforço para preservar a vida humana no espaço."

Os engenheiros de Korolev criaram soluções de engenharia brilhantes para os desafios dos voos espaciais tripulados, muitas vezes diferentes das escolhidas por seus colegas americanos. A simplicidade, muitas vezes, era motivada pelas limitações da tecnologia soviética.

O lançador R7, por exemplo, foi projetado como um míssil balístico intercontinental.

Com cerca de 30 metros de altura, e com quatro propulsores presos nas laterais, o tamanho do foguete era determinado pela ogiva nuclear que carregava.

Como as armas nucleares soviéticas eram maiores e mais pesadas do que as americanas, os foguetes precisavam ser mais poderosos.

Isso significava que, quando se tratava de lançar uma espaçonave com um cosmonauta a bordo, ela também poderia ser maior.

"Ao contrário dos americanos, eles não precisavam se preocupar em fazer miniaturização ou em tornar a tecnologia mais compacta", diz Lewis.

"A indústria aeronáutica americana fez a transição de tubos de vácuo para transistores, mas os soviéticos ainda usavam tubos de vácuo em suas espaçonaves até meados da década de 1960."

A cápsula soviética Vostok, que levaria o primeiro homem e, mais tarde, a primeira mulher ao espaço, certamente tinha pouca relação com a espaçonave Mercury da Nasa.

Pouco maior do que o homem que cabia lá dentro, o módulo da Mercury em forma de cone estava abarrotado de interruptores, alavancas e botões. Era uma maravilha da eletrônica e da miniaturização.

A Vostok, por outro lado, parecia uma bala de canhão oca gigante forrada com estofamento.

Havia um rádio — que parecia um rádio de carro, com uma tecla telegráfica para transmitir código Morse como suporte — e um único painel de instrumentos.

Montado dentro desta caixa estava um globo terrestre pintado, cujo movimento era controlado por um computador eletromecânico acionado por rodas e engrenagens.

Isso dava ao ocupante uma indicação de sua posição em órbita.

A ausência de instrumentação complexa também revelava outra diferença fundamental entre as duas nações.

Era esperado que os astronautas da Mercury pilotassem a espaçonave. A Vostok era operada automaticamente em uma sequência pré-determinada, deixando o cosmonauta com pouco a fazer.

A única maneira de liberar os poucos controles manuais era digitando um código secreto em um teclado.

O código estava lacrado em um envelope embaixo do assento, para ser aberto em caso de falha dos sistemas automáticos.

Korolev, no entanto, estava entre as várias pessoas que sussurraram os números para Gagarin antes de seu voo.

O design de bala de canhão da cápsula Vostok também tornou mais simples sua reentrada na atmosfera terrestre.

Os astronautas da Mercury tiveram que manobrar cuidadosamente sua cápsula para que o escudo de calor os protegesse.

A Vostok, no entanto, era inteiramente coberta por um material resistente ao calor e era simplesmente mais pesada na parte inferior, de forma que ficasse voltada para a direção certa.

Mas, na hora de pousar, os soviéticos tinham um problema. Enquanto os EUA planejavam mergulhar no oceano, os cosmonautas soviéticos voltariam para a terra.

"Eles não conseguiam desacelerar a Vostok o suficiente para que os humanos, ou qualquer um, sobrevivesse a um pouso dentro da espaçonave", diz Lewis.

"É por isso que Yuri Gagarin foi ejetado a 6 km de altura e a cápsula pousou separadamente."

Para sua próxima espaçonave, a Voskhod, os engenheiros de Korolev projetaram um sistema de pouso "suave", que incluía assentos com suspensão para os cosmonautas e um sistema de foguete que dispararia pouco antes de a cápsula atingir o solo.

Atualmente, a espaçonave Soyuz usa uma tecnologia semelhante, embora os ocupantes ainda comparem o retorno à Terra a um acidente de carro em alta velocidade.

A outra grande inovação apresentada pela Voskhod foi que, apesar de não ser maior do que a Vostok, ela precisava competir com a espaçonave americana Gemini projetada para transportar duas pessoas — ou seja, tinha que acomodar mais do que um único cosmonauta.

Três, na verdade... e um deles seria um dos engenheiros que ajudou a projetá-la.

A ideia de recrutar engenheiros, e não apenas pilotos, para ir ao espaço foi mais uma das inovações de Korolev. E só foi adotada pelos EUA na era dos Ônibus Espaciais.

Duas vezes herói da União Soviética, o cosmonauta Aleksandr Aleksandrov começaria sua carreira trabalhando na Voskhod no início dos anos 1960 e, mais tarde, estaria a bordo da Soyuz durante duas missões a estações espaciais soviéticas.

Quando o encontrei em Moscou, há dois anos, ele me explicou o pensamento de Korolev.

"O objetivo de selecionar cosmonautas de setores da engenharia é que esses especialistas poderiam trabalhar nos foguetes que eles projetaram e criaram", afirmou Aleksandrov.

"Eles conseguiam entender por que e como o foguete funcionava e obter a experiência de pilotar a própria espaçonave que haviam projetado."

Há quem possa sugerir que o fato de o engenheiro que concebeu a espaçonave também estar a bordo dela faz maravilhas no controle de qualidade.

Ambos os voos tripulados da Voskhod foram um sucesso — os soviéticos levaram três homens ao espaço em 1964 e o primeiro homem a andar no espaço, Alexei Leonov, durante a missão Voskhod-2 em 1965 (embora tenha havido alguns problemas).

Talvez a invenção mais duradoura de Korolev, no entanto, tenha sido o foguete Soyuz.

O lançador usado pela Rússia hoje parece quase idêntico ao R7 original e está imbuído da simplicidade do design soviético. Sobretudo em seu sistema de ignição.

Com cinco motores de foguete e 20 câmaras de combustão, além de 12 motores menores usados para manobra, é essencial que todos os motores acendam ao mesmo tempo.

Caso contrário, o combustível pode vazar de um motor apagado e causar uma explosão potencialmente catastrófica.

Essa sincronicidade é alcançada usando fósforos gigantes. Assim que a Soyuz alcança seu pórtico de lançamento, os engenheiros posicionam varas de madeira com dois ignitores elétricos pirotécnicos na extremidade dos bicos do foguete.

Elas são unidas por um fio de metal.

Pouco antes do lançamento, os ignitores disparam e a chama queima pelo fio.

Quando todos os fios são rompidos, isso indica que há uma chama acesa dentro de cada bico e é seguro abrir as válvulas propulsoras.

O sistema garante que o combustível só seja liberado quando esses fósforos gigantes estão todos acesos.

A casa de Korolev em Moscou — dada a ele (em segredo) pelo Estado Soviético em 1959 — foi preservada como um museu.

O local está repleto de lembranças do programa espacial que ele supervisionou — maquetes de aeronaves e foguetes, fotografias de cosmonautas, livros técnicos e artigos.

Fora do seu escritório, há uma parede coberta por um mapa detalhado da superfície lunar.

Os sonhos de Korolev de pousar um cidadão soviético na Lua nunca se realizaram, mas seus designs permanecem vivos nos foguetes, espaçonaves e estações espaciais de hoje.

Sessenta anos após Yuri Gagarin se tornar o primeiro homem a orbitar a Terra, o engenheiro que deu início à corrida espacial merece ser celebrado tanto quanto.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.

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