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Conheça história do pescador que 'perdeu a vida para a lama’

1 dez 2015 - 12h56
(atualizado às 15h04)
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Foto de Benilde Madeira com os olhos cheios d'água às margens do rio Doce foi compartilhada por milhares de brasileiros na semana passada
Foto de Benilde Madeira com os olhos cheios d'água às margens do rio Doce foi compartilhada por milhares de brasileiros na semana passada
Foto: Instituto Últimos Refúgios

De um lado, o dinheiro emergencial pago a moradores de distritos cobertos pela lama em Mariana. De outro, o decreto presidencial que libera o uso de fundos do FGTS para trabalhadores formais afetados. No vácuo entre eles, estão pescadores, quilombolas, índios e pequenos agricultores que perderam suas fontes de sustento - e não recebem qualquer apoio financeiro desde então.

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É o caso do pescador Benilde Madeira, cuja foto em preto e branco com os olhos cheios d'água, vidrados, às margens do rio Doce, foi compartilhada por milhares de brasileiros na semana passada.

Após a repercussão da imagem, a BBC Brasil localizou o pescador, que vive em Aimorés (MG), com o filho e a mãe de 81 anos. Com voz fraca e melancólica, ele comenta os impactos da tragédia e fala sobre dor, impotência e revolta.

"A primeira coisa que me veio quando vi aqueles peixes morrendo foi que minha vida acabou e meu rio morreu", disse em entrevista por telefone. "O culpado era uma grande mineradora, e por mais que eu pudesse lutar contra ela, não tem como (lutar) com um gigante desses. Mesmo que eu quisesse lutar, seria inútil, eu perderia essa batalha."

O pescador disse ter ido recolher peixes mortos porque achava que ninguém acreditaria nele se contasse que a vida no rio estava acabando
O pescador disse ter ido recolher peixes mortos porque achava que ninguém acreditaria nele se contasse que a vida no rio estava acabando
Foto: Instituto Últimos Refúgios

Sem trabalho ou renda, Madeira diz que tem buscado "bicos", como a limpeza de terrenos baldios. "Me sinto como um cachorrinho que caiu da mudança. Perdido", diz. "Não sei como vou pagar minhas contas, não sei como vou viver, eu não sei, eu não sei, eu simplesmente não sei."

A BBC Brasil procurou a Samarco, a Casa Civil, a secretaria da Pesca e o Ministério Público de Minas Gerais em busca de respostas sobre a situação de Benilde e outros que não tiveram as casas soterradas pela lama, nem têm recursos no FGTS, por falta de trabalho formal, mas que perderam sua fonte de renda após a "morte" do rio Doce.

As respostas não são animadoras: nenhum dos órgãos entrevistados tem um plano com soluções imediatas para estes afetados.

'Ele é apenas um exemplo'

Foto: Instituto Últimos Refúgios

A Samarco, dona da barragem de rejeitos de mineração que se rompeu há quase um mês, disse que "está profundamente consternada por todos os impactos causados por esta situação tão triste" e que "Benilde é apenas um exemplo de tantas pessoas que foram impactadas de forma tão inesperada".

Sem informar prazos ou valores, a empresa diz estar fazendo um "cadastramento de famílias diretamente impactadas, como pequenos agricultores, pescadores e areieiros" para "subsidiar temporariamente as famílias que tiveram seu recursos de subsistência afetados".

Em nota enviada à reportagem, a mineradora controlada pela Vale e pela BHP Billiton diz que "diariamente, mais de 700 pessoas de várias áreas social e ambiental da empresa atuam nos municípios atingidos, oferecendo às pessoas atingidas algum conforto, seja ele de forma material ou psicológica" (veja o texto completo abaixo).

Já o ministério da Agricultura, responsável pela secretaria da Pesca (que perdeu status de ministério), pediu desculpas e informou que está com "a equipe desfalcada" e não conseguiu "ninguém para responder à demanda".

A pasta conduzida pela ministra Katia Abreu (PMDB-TO) foi procurada porque suspendeu, em outubro, o pagamento do seguro defeso, uma espécie de "seguro desemprego" que garante um salário mínimo mensal a pescadores durante o período de reprodução dos peixes.

O corte fez parte do ajuste fiscal anunciado pelo governo para reequilibrar as contas públicas.

Decreto

Benilde Madeira: 'Preciso abandonar minha casa, meu canto e procurar outro rio para poder trabalhar'
Benilde Madeira: 'Preciso abandonar minha casa, meu canto e procurar outro rio para poder trabalhar'
Foto: Instituto Últimos Refúgios

Há duas semanas, a presidente Dilma Rousseff assinou o Decreto 8.572/2015, que "libera o saque do FGTS às vítimas do rompimento de barragens em Mariana (MG)". Segundo o governo, "o saque é opcional e limitado a R$ 6.220 do saldo do trabalhador no fundo".

Mas o que acontece com quem não tem fundos do FGTS?

A BBC Brasil fez a pergunta à Casa Civil, que disse que "o governo está estudando como encaminhar a reposição de prejuízos econômicos e sociais aos que perderam tudo e aos que não tem como sobreviver em consequência da lama".

A pasta, que não quis comentar o caso específico do pescador Benilde, promete "fechar uma posição esta semana sobre o impacto do desastre sobre os prejuízos econômicos e sociais à população".

A Casa Civil não sabe quantas pessoas foram afetadas direta ou indiretamente pela lama e diz que "caberá às prefeituras das localidades fazer o levantamento e o cadastramento das pessoas necessitadas".

Já o procurador do Trabalho Geraldo Emediato de Souza, do Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais, disse que se reunirá na próxima sexta-feira com representantes da Samarco e da Vale para definir o valor da ajuda financeira destinada aos ribeirinhos - e o prazo para pagamento.

"Estamos falando de 5 de novembro. O valor que for definido será retroativo até esta data", diz Souza.

'Abandonar minha casa'

Foto: Instituto Últimos Refúgios

Hoje, o pescador Benilde lembra com tristeza do rio onde aprendeu a pescar com o pai, ainda criança.

"(Pescar) era meu lazer, era a minha vida, né? Conviver ali na natureza, comer peixe que você sabe que não tem toxina... Por menos que eu retirasse do rio, (a pesca) era minha sobrevivência, minha autonomia."

"Eu chorei naquele momento de tristeza, de revolta", diz. "Agora não tenho como sobreviver no meu próprio país, no meu território, nem como tomar um banho sequer no meu rio."

O futuro é incerto. "Preciso abandonar minha casa, meu canto e procurar outro rio para poder trabalhar", diz. "Acho que o rio não vai voltar como era. Eu perdi as esperanças aqui. E chorei por causa disso. Mas eu espero um dia me reerguer".

*Colaborou Thiago Guimarães, da BBC Brasil em Londres

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