SP possui a maior fábrica de mosquitos transgênicos do mundo
Com a ajuda de um microscópio, Raquel Soares tira a dúvida que resta quanto ao sexo das amostras de Aedes aegypti, ainda em forma de pupa. Eles nasceram num ambiente controlado, já passaram por diversos processos, e só os machos sobreviverão a esta etapa.
A equipe coordenada pela bióloga foi treinada para atuar na maior linha de montagem de mosquitos transgênicos do mundo, com capacidade de produzir 60 milhões de Aedes machos. A unidade fica em Piracicaba, inferior paulista, e pertence à Oxitex, empresa de engenharia genética fundada em 2002 em Oxford, na Inglaterra.
Depois da última checagem no microscópio, os machos são colocados em gavetas especiais, que ficarão armazenadas em prateleiras, numa espécie de sala de estoque. Nos próximos três dias, com alimentação controlada por um sistema automatizado, as pupas se transformarão em mosquito.
O inseto transgênico estará, então, pronto para ganhar as ruas. Por enquanto, testes ocorreram em 12 bairros de Piracicaba, com população de 60 mil habitantes. O mosquito OX513A combate o Aedes aegypti selvagem, que pode transmitir dengue, chikungunya e zika.
"Esta fábrica foi construída em cinco meses. Isso mostra que é fácil aumentar sua capacidade, se for preciso", disse à DW Brasil Hadyn Parry, CEO da Oxitex, durante a inauguração da unidade.
A empresa não quis revelar como estão as negociações de venda dos mosquitos para outras cidades.
Cautela perante resultados
Em Piracicaba, os mosquitos transgênicos circulam desde abril de 2015. Segundo a prefeitura, os casos de dengue no bairro que iniciou os testes caíram 91℅ em 2016 em relação à temporada passada. Dividido em quatro anos, o projeto de combate às doenças transmitidas pelo Aedes aegypti com a ajuda do transgênico vai custar R$ 3,7 milhões ao município.
O OX513A tem dois genes a mais. Quando cruza com a fêmea selvagem, ele transmite esses genes - um deles, chamado de "defeituoso", impede que a prole chegue à fase adulta. O outro confere uma fluorescência ao inseto, permitindo sua identificação. Esses mosquitos morrem entre dois e quatro dias e não deixam vestígios genéticos na natureza, garante a empresa.
"A tecnologia funciona para suprimir a população de mosquito", afirma Margareth Capurro, professora da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora de um estudo independente feito com os insetos transgênicos em Juazeiro e Jacobina, Bahia, em 2011.
No entanto, Capurro defende uma análise mais cautelosa. "Entre cinco e dez anos, é preciso ver se o número de casos das doenças diminuiu de fato, ver se não se trata apenas de um ciclo de queda - porque essas doenças têm ciclos. Por isso precisamos de testes epidemiológicos", ressalta.
A pesquisadora cita o caso de Cingapura como exemplo. "Lá, a população de mosquito caiu com uso de métodos convencionais. A taxa de infecção de mosquito era de 0,01℅. Agora subiu para 5℅, 7℅. Ou seja, pode haver até menos mosquitos, mas o vírus está circulando mais."
Questionado, Glen Slade, diretor da Oxitex Brasil, afirmou que a empresa está desenvolvendo um novo teste epidemiológico em parceria com entidades ligadas à Organização Mundial da Saúde (OMS): "Esses testes são complexos, precisamos de muitos dados e projetos com mais tempo. Mas estamos consultando estudiosos e instituições internacionais."
Voo americano
Em agosto, a agência reguladora americana deu luz verde à Oxitex realizar testes de soltura dos mosquitos transgênicos em Key Haven, na Flórida. O estado já confirmou caso de transmissão local de zika e, em todo o país, estima-se que o Aedes aegypti circule por pelo menos 16 estados.
Uma parte da população se opõe ao projeto e pede às autoridades locais que barrem a iniciativa. Um referendo deve decidir se os testes vão adiante.
Caso a maioria seja a favor do OX513A, a Oxitec planeja fazer as primeiras solturas no início de 2017. "Aguardamos o resultado na Flórida e esperamos iniciar os testes em campo em janeiro ou fevereiro", revelou Parry.