A misteriosa nuvem de gelo que envolve o Sistema Solar
Na parte mais fria e escura de nosso sistema — uma região ainda a ser visitada por espaçonaves humanas —, está uma nuvem estranha e gelada que contém material de outras estrelas.
Por algumas semanas no verão de 2020, se você estivesse olhando para o céu em uma noite clara, teria sido possível avistar um visitante raro na nossa região do Sistema Solar.
Através de binóculos, ele tinha a forma de um cometa clássico — um núcleo brilhante e uma longa cauda formada pelo gelo liberado em forma de gás pelo calor do Sol. Pôde até ser visto a olho nu no hemisfério norte durante o início de julho. Mas depois ele desapareceu.
Ninguém que viu aquele cometa — chamado C/2002 F3 (Neowise) — voltará a vê-lo novamente. Nem seus filhos. Tampouco várias gerações depois dos filhos de seus filhos. Este cometa, em particular, não será visto novamente por mais de 6,8 mil anos.
Sua breve passagem, no entanto, foi notável por algo que vai além de quanto tempo levaria para retornar (muitos cometas de ciclo curto visitam nossos céus várias vezes durante a vida de uma pessoa). Acredita-se que o C/2002 F3 (Neowise) tenha vindo de uma das partes menos exploradas e mais misteriosas de nosso sistema — a vasta e congelada Nuvem de Oort.
Ela se encontra nos confins do Sistema Solar, além do cinturão de asteroides e dos gigantes gasosos, mais longe do que os mundos gelados de Urano e Netuno, e até mesmo bem fora da distante órbita de Plutão. Situa-se além do limite da heliosfera, a bolha de plasma lançada por nosso Sol que envolve nosso sistema e marca o início do espaço interestelar.
Como uma enorme concha, a Nuvem de Oort envolve o Sistema Solar — não apenas ao longo do plano em que os planetas, asteroides e planetas anões se encontram, mas se estendendo por todas as direções. O único problema é que não podemos ter certeza absoluta de que essa enorme cúpula de gelo está realmente lá.
Os astrônomos nunca viram diretamente a Nuvem de Oort, e a espaçonave mais distante já lançada pela humanidade — a Voyager 1 — não deve chegar lá pelos próximos 300 anos. Mas novas pesquisas estão começando agora a revelar alguns de seus segredos, e o mesmo se espera das próximas missões espaciais. Visitas de cometas distantes como o C/2002 F3 (Neowise) também fornecem algumas pistas.
A Nuvem de Oort foi prevista pela primeira vez por Jan Oort, em 1950, para explicar a existência de cometas como Neowise. Diferentemente dos cometas de ciclo curto, que geralmente levam menos de 200 anos para orbitar o Sol e são provenientes de um disco de gelo que fica além de Netuno chamado Cinturão de Kuiper, a origem daqueles com órbitas muito mais longas era mais difícil de explicar.
A maioria dos cometas de ciclo longo leva entre 200 e 1.000 anos para completar uma órbita do Sol. Eles também têm órbitas excêntricas, chegando muito perto do Sol e, em seguida, ficando extremamente distantes novamente.
Oort teorizou que esses cometas poderiam vir de um conjunto de objetos distantes, feitos principalmente de rocha e gelo, muito longe do alcance de nosso sistema. Acredita-se que essa enorme massa de objetos comece em algum lugar em torno de 306 bilhões de km a 756 bilhões de km do Sol.
Isso é equivalente de 2 mil a 5 mil vezes a distância da Terra ao Sol (uma distância de 150 milhões de km, conhecida como unidade astronômica, ou UA).
Algumas estimativas preveem que a nuvem se estenda por até 100 mil a 200 mil UA (15 trilhões de km a 29 trilhões de km) no espaço.
"Até agora não temos nenhuma outra explicação satisfatória para o fornecimento contínuo de cometas de período longo que observamos", diz Cyrielle Opitom, que estuda cometas e o Sistema Solar na Universidade de Edimburgo, na Escócia.
"Ao reconstruir suas órbitas, eles parecem compartilhar um afélio — a maior distância do Sol — a cerca de 20 mil vezes a distância do Sol à Terra, no que chamamos de Nuvem de Oort."
As origens da nuvem ainda são um mistério. Ela pode conter centenas de bilhões ou até mesmo trilhões de planetesimais — pedaços sólidos de rocha ou gelo, semelhantes aos cometas, que muitas vezes são os blocos de construção dos planetas.
Mas esses objetos, todos variando de alguns quilômetros a algumas dezenas de quilômetros, são pequenos demais para serem vistos diretamente da Terra, mesmo com nossos telescópios mais poderosos.
Um estudo recente, no entanto, ofereceu algumas pistas sobre o que pode ter levado à formação da Nuvem de Oort. Simon Portegies Zwart e seus colegas da Universidade de Leiden, na Holanda, usaram uma série de simulações de computador para estudar como a nuvem se formou, em ordem cronológica, ao longo de 100 milhões de anos.
É o primeiro estudo a vincular todas as etapas na formação da nuvem, em vez de examiná-las separadamente. Os resultados mostram que a nuvem "não se formou de forma simples, mas por uma espécie de conspiração da natureza, em que uma série de processos teve que acompanhar", diz Portegies Zwart.
Segundo ele, planetas, estrelas e a Via Láctea desempenharam um papel em sua formação. "A complexidade do processo me surpreendeu."
Mas os resultados significam que é improvável que nosso sistema seja o único envolto por uma vasta nuvem de gelo. "Uma vez que tínhamos mapeado os vários processos, eles acabaram sendo uma consequência bastante natural da evolução do Sistema Solar", afirma Portegies Zwart.
Seu trabalho também fez previsões sobre o que a Nuvem de Oort poderia conter. E, se estiverem corretas, ela pode conter material estranho ao nosso sistema solar: "Coisas de outras estrelas", diz Portegies Zwart.
A ideia de que nosso Sol pode ter roubado material de outro lugar foi apresentada pela primeira vez há cerca de uma década. "No aglomerado de estrelas de nascimento do Sol, as estrelas irmãs estariam aninhadas próximas o suficiente para suas nuvens de cometa se sobreporem e se emaranharem", diz Michele Bannister, astrônoma planetária da Universidade de Canterbury, na Nova Zelândia. "Depois, elas se separaram enquanto o aglomerado se dispersava."
Assim como a Nuvem de Oort pode conter cometas de outras estrelas, alguns de nossos próprios cometas podem estar orbitando agora outras estrelas em contrapartida.
Um estudo, de novembro de 2020, sugere que os objetos interestelares podem ser mais numerosos do que os do nosso próprio sistema. Outro estudo, que divulgou os resultados preliminares no início deste ano, identificou três estrelas que podem ter passado pela Nuvem de Oort.
Exatamente quanto da Nuvem de Oort vem de outras estrelas permanece um mistério, e estudar os cometas de perto pode não responder essa questão.
"Seria muito difícil saber quais cometas não foram formados aqui, mas talvez estudos futuros de cometas interestelares visitantes em tempo real nos deem algumas pistas sobre isso", diz Kat Volk, cientista planetária da Universidade do Arizona, nos Estados Unidos.
Os resultados do estudo de Portegies Zwart e sua equipe sugerem que cerca de metade dos objetos na parte interna da nuvem e um quarto na parte externa podem ter sido capturados de outro lugar.
Compreender a Nuvem de Oort — e os cometas provenientes dela — pode nos dar algumas pistas importantes sobre as origens do nosso sistema e como ele se formou. Esses objetos são alguns dos mais primitivos a um alcance próximo, e acredita-se que eles se formaram ao mesmo tempo que os planetas.
"Seria muito bom ser capaz de fazer alguns furos em alguns objetos da Nuvem Oort e analisar o material", diz Portegies Zwart.
Mas a Voyager 1, que foi lançada há mais de 40 anos, ainda está a apenas um décimo da distância dos limites do Sistema Solar até a Nuvem de Oort, e é improvável que faça contato direto com qualquer coisa lá a menos que colida, e a obtenção de tais amostras poderia demorar muito.
Há quatro outras espaçonaves que vão chegar futuramente à Nuvem de Oort — Voyager 2, New Horizons e Pioneer 10 e 11.
"Mas vai demorar tanto para chegarem lá que sua fonte de energia vai morrer muito antes", diz Opitom. "É muito longe."
Em vez disso, pode ser mais fácil obter amostras de um pedaço da Nuvem de Oort que chegou até nós. Os cientistas já estão coletando pistas do que esses objetos misteriosos são feitos a partir de dados que estão reunindo a partir de observações de cometas suspeitos de terem se originado lá. Não precisamos ir aos cometas para ver do que são feitos.
Os resultados iniciais de alguns estudos encontraram monóxido de carbono, água e outros tipos de carbono e silicato em cometas da Nuvem de Oort. Mas há a expectativa de que seja possível dar uma olhada mais de perto em um desses cometas com uma missão espacial.
Missões recentes, como a sonda Rosetta e o módulo de aterrissagem Philae, da Agência Espacial Europeia, e a espaçonave Deep Impact da Nasa, agência espacial americana, visitaram cometas que estavam de passagem. Outras, como a Hayabusa e Hayabusa 2, do Japão, e a Osiris-Rex, da Nasa, também coletaram amostras de asteroides para trazê-los de volta à Terra.
Mas não é tão fácil no caso de cometas da Nuvem de Oort, uma vez que eles geralmente não são descobertos até alguns anos antes de atingirem o ponto mais próximo em sua órbita do Sol. "É uma escala de tempo muito curta para preparar uma missão e enviá-la ao encontro de um cometa", diz Opitom.
Uma próxima missão, no entanto, tem como objetivo voar perto de um cometa que veio diretamente da Nuvem de Oort, em vez de um que já passou pelo Sol algumas vezes antes.
"Há missões de naves espaciais projetadas para visitar novos cometas de período longo, elas são lançadas e depois aguardam em uma espécie de estacionamento em órbita até que um alvo adequado seja detectado", explica Volk.
Uma delas, a Comet Interceptor ("Interceptador de Cometa", em tradução livre), que será lançada pela Agência Espacial Europeia, vai usar várias espaçonaves para selecionar um cometa como alvo e depois estudá-lo de perto. "Esta é uma missão muito emocionante... e espero que nos permita investigar um cometa muito primitivo vindo diretamente da Nuvem de Oort pela primeira vez", diz Opitom.
Antes do lançamento da Comet Interceptor em 2029, um telescópio atualmente em construção no Chile, chamado Observatório Vera Rubin, começará a procurar cometas de ciclo longo provenientes da Nuvem de Oort quando for concluído em 2023.
"Isso nos permitirá enviar missões a cometas provenientes da Nuvem de Oort, e é isso que a Comet Interceptor vai fazer, mesmo que não colete e traga de volta uma amostra", explica Opitom.
Estudar os cometas de perto nos permite "monitorar como eles mudam à medida que são aquecidos pelo Sol quando chegam perto, após eras em congelamento profundo", diz Bannister.
E se for a primeira visita, podem trazer alguns segredos com eles. Olhar diretamente para os cometas desta maneira pode ajudar a responder perguntas como o quão grande a nuvem realmente é — e quanto dela é proveniente do nosso sistema.
Enquanto os cientistas continuam a juntar essas pistas para aprender mais sobre a Nuvem de Oort e reunir evidências de sua existência, só saberemos com certeza quando uma de nossas espaçonaves se aventurar nesta região desconhecida do espaço.
Se a Voyager 1 conseguir sobreviver por mais 300 anos, a humanidade realmente terá alcançado uma nova fronteira.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.