A perigosa proximidade entre ursos polares e humanos em cidades do Ártico afetadas pelo aquecimento global
A mudança climática torna mais difícil para os moradores de Churchill, a 'capital mundial' dos ursos polares, coexistirem com predadores cada vez mais famintos.
"Posso te dar alguns conselhos sobre ursos polares?", pergunta Tee, uma autoconfiante adolescente de 13 anos de idade que conhecemos durante uma visita a um colégio em Churchill, no Canadá.
"Se um urso chegar a essa distância de você", ela diz, indicando um espaço de cerca de 30 cm com as mãos, "dê um soco no nariz dele".
"Ursos polares têm um nariz muito sensível - ele vai sair correndo."
Tee nunca precisou colocar esse conselho em prática. Mas, para quem vive nessa região — e convive com o maior predador terrestre do planeta —, saber se proteger de ursos polares faz parte da vida cotidiana.
Placas em lojas e cafés da cidade lembram a população de que é preciso estar atenta aos ursos.
Meu cartaz favorito diz o seguinte: "Se um urso polar te atacar, você deve lutar."
Correr de um urso polar é perigoso. O instinto do urso é perseguir a presa, e ursos polares pode correr a 40 km por hora.
Conselhos básicos: esteja sempre vigilante e consciente dos seus arredores. Não ande sozinho à noite.
Onde os ursos polares esperam
Churchill é conhecida como a capital mundial dos ursos polares. Todos os anos, a porção oeste da Baía de Hudson, onde a cidade está situada, derrete, empurrando os ursos para a costa.
Mais tarde, no outono, quando as águas voltam a se congelar, centenas de ursos se reúnem no local, esperando.
"Temos rios de água doce desaguando nessa área e água gelada vindo do Ártico", explica Alysa McCall, da ONG Polar Bear International (PBI).
"Então, o congelamento começa aqui primeiro. E para ursos polares, o mar congelado significa acesso às focas, sua principal presa. Provavelmente, estão loucos para comer uma farta refeição de gordura de foca. Em terra, durante o verão, comeram muito pouco."
Existem 20 subpopulações de ursos polares no Ártico. Esta, situada mais ao sul do continente, é a mais estudada.
"Tínhamos cerca de 1.200 ursos polares na década de 1980 e perdemos mais da metade deles", diz Alysa.
O declínio está associado ao período em que a baía permanece descongelada — cada vez mais longo à medida que o clima aquece.
"Hoje, os ursos passam um mês a mais em terra por aqui do que seus pais passavam", explica Alysa. "Isso coloca pressão sobre as mães. [Com menos alimento] É mais difícil continuar grávida e sustentar os bebês."
Com sua sobrevivência ameaçada, os ursos atraem especialistas em conservação e milhares de turistas para Churchill anualmente.
Nos juntamos a um grupo da PBI para procurar ursos na tundra subártica, a poucos quilômetros de distância da cidade.
Após avistarmos alguns ursos à distância, um encontro me deixa de coração acelerado: um urso jovem se aproxima e investiga nosso veículo, que se move lentamente.
Ele cheira um dos veículos, dá um salto e planta duas patas gigantes na lateral do buggy. Depois, casualmente coloca as quatro patas de volta no chão e olha brevemente para mim.
É profundamente desconcertante olhar a cara de um animal que é simultaneamente adorável e potencialmente letal.
"Você viu como ele cheirou e até lambeu o veículo, usando todos os sentidos para investigar", diz Geoff York, da PBI.
Ele trabalha no Ártico há mais de três décadas.
Geoff e equipe aproveitam a presença dos ursos para testar novas tecnologias para detectar a presença dos animais e proteger pessoas.
Atualmente, a PBI está ajustando um sistema detector baseado em radares.
A plataforma experimental, uma antena alta com detectores que varrem o terreno em 360 graus de amplitude, está instalada no telhado de um alojamento no meio da tundra, perto de Churchill.
"[O radar] usa inteligência artificial, então podemos ensiná-lo o que é um urso polar", explica Geoff. "Ele funciona 24 horas por dia, durante a noite e em condições de baixa visibilidade."
Ataques por ursos polares são raros, mas são um risco para pessoas que vivem e trabalham em regiões isoladas do Ártico.
Em 2024, um trabalhador canadense foi morto por dois ursos polares perto de um posto de defesa remoto no território de Nunavut, no norte do Canadá.
Coexistir com esses predadores que dependem do gelo num período em que o clima do Ártico muda mais rapidamente do que em qualquer outro momento na história representa um desafio paradoxal para Churchill.
A longo prazo, a população de ursos polares está em declínio. Mas, a curto prazo, os ursos estão passando mais tempo do ano na costa, aumentando a probabilidade de contato entre ursos e pessoas.
Proteger a comunidade é tarefa da equipe de alerta sobre ursos polares — guardas treinados que patrulham Churchill diariamente.
Nós pegamos uma carona com o guarda Ian Van Nest, que está à procura de um urso teimoso que ele e seus colegas tentaram afugentar mais cedo naquele dia.
"Ele deu meia volta e voltou na direção de Churchill. Não parece estar querendo ir embora", diz Ian
Para ursos que insistem em rondar os arredores da cidade, a equipe pode usar uma armadilha: um contêiner tubular contendo carne de foca como isca. A armadilha tem uma porta que é ativada e se fecha quando o urso entra.
Uma vez capturado, o urso fica confinado por 30 dias, em um alojamento específico para isso.
Sem colocar a vida do animal em risco, esse período de confinamento tem como objetivo ensinar ao urso que não é uma coisa positiva vir para a cidade procurar comida — sem, no entanto, colocar a vida do animal em risco.
Depois, os ursos são levados — em um trailer ou, ocasionalmente, de helicóptero — e soltos em algum ponto da baía, longe de pessoas.
Cyril Fredlund, que trabalha no novo observatório científico de Churchill, lembra-se da última vez em que uma pessoa foi morta por um urso polar na cidade, em 1983.
"Era um homem sem teto. Ele estava num prédio abandonado, à noite. Tinha um urso jovem lá dentro, também. Ele derrubou o homem com a pata, como se ele fosse uma foca."
Veio gente ajudar, lembra Cyril, mas não conseguiam afastar o urso do homem.
"É como se ele estivesse tomando conta da sua refeição."
O programa de alerta sobre ursos polares foi criado nessa época. Desde então, ninguém na região foi morto por um urso polar.
Hoje, Cyril é um dos técnicos do Observatório Marinho de Churchill. Um dos objetivos do observatório é tentar entender como aquele meio ambiente vai reagir às mudanças climáticas.
Sob o telhado móvel do prédio estão duas piscinas gigantes cheias de água trazida da Baía de Hudson.
"Podemos fazer vários tipos de estudos experimentais para analisar mudanças no Ártico", diz um dos cientistas, professor Feiyue Wang.
Uma das consequências de uma Baía de Hudson menos gelada seria um período mais longo de funcionamento do porto, que atualmente fica fechado durante nove meses por ano.
Os estudos no observatório estão se preparando para melhorar a precisão da previsão do gelo marinho. A pesquisa também examinará os riscos associados à expansão do porto.
Uma das primeiras investigações envolve o derramamento de óleo experimental — os cientistas planejam liberar óleo em uma das piscinas, testar técnicas de limpeza e medir a rapidez com que o óleo se degrada na água fria.
Para o prefeito de Churchill, Mike Spence, entender como planejar o futuro, especialmente quando se trata de transportar mercadorias para dentro e para fora de Churchill, é vital para o futuro da cidade em um mundo em aquecimento.
"Já estamos pensando em estender a temporada", diz ele, apontando para o porto, que deixou de funcionar durante o inverno.
"Daqui a dez anos, isso aqui estará movimentado."
A mudança climática é um grande desafio para a capital mundial dos ursos polares, mas o prefeito está otimista.
"Nós temos uma grande cidade e uma comunidade maravilhosa", diz. "E a temporada de verão [quando turistas vêm ver as baleias beluga na baía] está crescendo."
"Todos nós estamos sendo desafiados pela mudança climática", diz o prefeito. "Isso quer dizer que você deixa de existir? Não. Você se adapta. Você descobre como tirar vantagem dela."
Se para Mike Spence o futuro de Churchill parece ensolarado, para os ursos polares a previsão não é tão boa.
Pela janela da escola, Tee e seus amigos contemplam a Baía de Hudson. Os veículos da equipe de alerta para ursos polares estão reunidos, tentando afugentar um urso para longe da cidade.
"Se a mudança climática continuar", reflete Charlie, colega de Tee, "os ursos talvez parem de vir aqui".
E como é rotina na capital mundial dos ursos polares, a professora se aproxima para ter certeza de que alguém está vindo buscar as criancas. Elas não podem andar para casa sozinhas.