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A verdadeira face da 'Eva de Naharon', a mulher mais antiga das Américas

Fóssil humano de mulher que viveu há 13,6 mil anos foi encontrado no México em caverna submersa em 2001; especialista brasileiro foi procurado para fazer reconstituição facial a partir de crânio.

17 ago 2018 - 06h31
(atualizado às 06h43)
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Rosto da 'Eva de Naharon' foi criado digitalmente a partir de crânio mais antigo já encontrado nas Américas
Rosto da 'Eva de Naharon' foi criado digitalmente a partir de crânio mais antigo já encontrado nas Américas
Foto: Cícero Moraes / BBC News Brasil

Ela é a mulher mais antiga das Américas - pelo menos é o mais antigo fóssil humano encontrado no continente. Dezessete anos depois de ter seus restos mortais encontrados, a "Eva de Naharon" é apresentada com sua face real. Graças a um trabalho de reconstituição em 3D, o crânio dessa mulher ancestral, cuja ossada foi encontrada no México e que viveu há 13,6 mil anos, ganhou traços realistas que permitem ver como eram suas feições.

"O trabalho realizado é congruente e preciso com as características físicas dos habitantes do sul da Ásia, ou seja, coincide com estudos antropológicos e de DNA realizados em fósseis humanos encontrados nessa região, todos apontando para uma ascendência asiática", afirmou à BBC News Brasil o espeleólogo e investigador subaquático Octavio del Río, pesquisador do Instituto Nacional de Antropologia e História do México e líder da equipe que descobriu a ossada, em 2001.

Reconstituição foi realizada por designer brasileiro especialista em revelar faces de personalidades históricas
Reconstituição foi realizada por designer brasileiro especialista em revelar faces de personalidades históricas
Foto: Cícero Moraes / BBC News Brasil

A reconstituição em 3D foi realizada ao longo das últimas duas semanas pelo designer brasileiro Cícero Moraes, especialista em reconstituir digitalmente faces realistas de personalidades históricas e religiosas - ele tem no currículo cerca de 60 trabalhos do tipo, entre os quais, Santo Antonio de Pádua, São Valentim e Dom Pedro 1º. Para tanto, Moraes utiliza técnicas avançadas de reconstrução facial forense.

A descoberta

Em 2001, Del Río foi o descobridor da Eva de Naharon, quando mergulhava em uma expedição do Instituto Nacional de Arqueologia e História do México nas proximidades da cidade de Tulum, no Estado mexicano de Quintana Roo. A equipe explorava cenotes, cavidades naturais comuns na Península de Yucatán e pontos muito utilizados para rituais e sepultamentos pela civilização maia, povo pré-colombiano que habitou a região.

Os trabalhos se seguiram até 2002, com o recolhimento de resquícios arqueológicos e paleontológicos.

Ossos de Eva de Naharon estavam a 22,6 metros de profundidade
Ossos de Eva de Naharon estavam a 22,6 metros de profundidade
Foto: Eugenio Aceves/INAH / BBC News Brasil

O esqueleto dessa mulher, batizada de "Eva de Naharon" - ganhou este nome porque foi encontrada no cenote de Naharon - estava a 22,6 metros de profundidade. E foi encontrado bem preservado, com 80% da estrutura original.

Uma série de análises foi realizada pela Universidade Nacional Autônoma do México para estimar dados sobre a mulher. Eva media 1,41 metro de altura e tinha de 20 a 25 anos quando morreu. Entre 2002 e 2008, três laboratórios diferentes fizeram testes de datação. A idade foi impressionante: com 13,6 mil anos, Eva de Naharon é o mais antigo fóssil humano encontrado nas Américas.

E, de certa forma, indica que houve outras migrações para o povoamento da América, antes do Estreito de Bering ter se convertido em uma "ponte" devido à Era do Gelo.

Cenotes eram muito utilizados para rituais da civilização maia
Cenotes eram muito utilizados para rituais da civilização maia
Foto: Octavio Del Rio/INAH / BBC News Brasil

Teorias

Proposta pela primeira vez em 1590 e validada com escavações arqueológicas realizadas na primeira metade do século 20, a teoria mais aceita para o povoamento da América diz que, na última Era Glacial, que terminou por volta de 13 mil anos atrás, o nível dos oceanos recuou em pelo menos 120 metros. Isso abriu conexões terrestres em diversos pontos do planeta, inclusive entre o atual extremo leste da Rússia e o atual Alasca, no chamado Estreito de Bering - um trecho de mar naturalmente raso.

Entretanto, se os primeiros habitantes da América chegaram apenas nessa época, seria impossível que Eva estivesse no México mais ou menos ao mesmo tempo.

Sua datação, portanto, veio reforçar teorias como a proposta pelo etnólogo francês Paul Rivet (1876-1958), que não negava a tradicional ideia do Estreito de Bering, mas supunha que outras migrações teriam ocorrido em séculos anteriores, por exemplo, em embarcações que saltaram de ilha em ilha.

O investigador subaquático Octavio del Río foi o descobridor de Eva de Naharon
O investigador subaquático Octavio del Río foi o descobridor de Eva de Naharon
Foto: Eugenio Aceves/INAH / BBC News Brasil

'Eva de Naharon'

De acordo com pesquisas realizadas após a descoberta, Eva viveu na região de Yucatán e era caçadora-coletora. Não se sabe se ela foi levada para o labirinto de cavernas - na época, seco - antes ou depois de morta.

Estudos mostram que os cenotes se tornaram estruturas submersas após a Era do Gelo, quando o nível dos oceanos aumentou.

Del Río recorda-se que encontrar Eva exigiu um ano e meio de mergulhos na região. "O trabalho foi uma maratona. Todas as referências nos levaram a lugares escondidos dentro da caverna. Foram muitas horas mergulhando em locais e rotas dentro do sistema até que finalmente obtivemos uma referência precisa da localização dos restos mortais", conta.

"Quando finalmente encontramos o lugar e tive a sorte, juntamente com meu colega Eugenio Acevez, de me deparar com os restos do esqueleto de Naharon, vimos que certamente era um esqueleto humano", diz. "Mas não fazíamos a menor ideia de que se tratava do mais antigo fóssil humano já encontrado no continente."

Del Río lembra que encontrar fósseis de Eva exigiu um ano e meio de mergulhos
Del Río lembra que encontrar fósseis de Eva exigiu um ano e meio de mergulhos
Foto: Octavio Del Rio/INAH / BBC News Brasil

A descoberta foi relatada ao Instituto Nacional de Antropologia e História do México e, cerca de um ano depois, dentro de um projeto de pesquisa específico, a coleta do material foi realizada - e então se iniciou o processo de análises e datação.

Atualmente, o fóssil está sob a guarda do instituto, com acesso restrito a pesquisadores.

Reconstrução facial

Del Río conta que procurou os trabalhos de Moraes depois de tomar conhecimento de outras reconstruções faciais realizadas pelo brasileiro. "Ele é reconhecido em todo o mundo por seu trabalho de recriação facial virtual a partir de modelos tridimensionais de crânios de importantes figuras históricas", comenta.

Não está nos planos do instituto fazer uma reprodução física da Eva de Naharon. "Mas parte dos objetivos é criar, dentro de um curto prazo, um museu virtual com modelos tridimensionais de restos arqueológicos e paleontológicos encontrados. Será um meio alternativo para conhecimento e estudo, que poderá ser acessado remotamente por interessados", diz Del Río.

"Gostei bastante do resultado final", avalia Moraes. "Ficou diferente do que imaginava, mas os grandes mestres da reconstrução facial dizem que não podemos esperar o resultado ao mirar os ossos - temos de trabalhar e focar na metodologia, e ele (o resultado) vem naturalmente."

Para o designer, Eva se revelou uma mulher de "rosto altivo e agradável aos olhos, nos contemplando com tranquilidade".

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