Alunas de escolas públicas sonham com militarismo, enquanto as de particular querem medicina, diz estudo
Pesquisa buscou entender baixa representatividade de mulheres nas carreiras tecnológicas e científicas no Brasil
Um estudo inédito revelou que alunas de escolas públicas sonham em seguir carreiras militares — como policiais ou delegadas — enquanto as de escolas particulares citam medicina e administração como profissões desejadas para o futuro. Carreiras nas áreas de ciências, tecnologia e engenharia quase não são citadas pelas meninas.
Para saber o que as meninas de hoje estão sonhando para seu futuro profissional, equipes de pesquisadores foram a 17 escolas públicas e particulares por todo o Brasil e fizeram a seguinte pergunta para estudantes, de 10 a 17 anos: o que você quer ser quando crescer?
Nas escolas particulares, a maioria massiva de estudantes disse que quer seguir na medicina e também em administração, enquanto as de escolas públicas, por sua vez, apontaram carreiras militares ou jurídicas como preferência.
Segundo o estudo, nas particulares, a escolha é pautada por uma decisão familiar, como administração para tocar a empresa da família e medicina como a carreira com mais status social e com oportunidades de crescimento financeiro.
Já nas escolas públicas, as carreiras citadas, como policial, delegada, juíza ou advogada, se referem a lugares de poder que afetam seu cotidiano. "A escolha por essas profissões está relacionada às experiências de violência, necessidades de estabilidade econômica e de proteção de si mesmo e da família", diz o estudo.
Os dados fazem parte do relatório "Meninas brasileiras e a inserção em STEM: um abismo no presente e horizonte para o futuro", realizado pela plataforma educacional Força Meninas, em parceria com as consultorias de pesquisa criativa 65|10 e Studio Ideias.
Meninas na Ciência
O objetivo do estudo é levantar dados que demonstrem as barreiras enfrentadas por meninas para ingressas nas carreiras "STEM" (sigla em inglês para Ciência,Tecnologia, Engenharia e Matemática) no Brasil, tentando justificar a baixa presença de mulheres nessas carreiras.
Isso porque, outro levantamento, que usou dados do Censo da Educação Superior, do Inep, apontou que em 2018 as mulheres eram maioria nos estudantes cursando o ensino superior, com presença de 56%. No entanto, nos cursos das áreas científicas e tecnológicas, o número de mulheres estudantes cai para 30%.
Carreiras nas áreas de Ciências, Tecnologia e Engenharia quase não são citadas pelas meninas.
A primeira barreira para o interesse para essas áreas destacada pelo levantamento da Força Meninas reúne os estereótipos de gênero que influenciam interesses e restringem o desenvolvimento de habilidades. “Mesmo as meninas com mais de 15 anos que têm bom desempenho nestas áreas, em algum momento se desinteressam por não enxergarem possibilidades de futuro”, explica Déborah De Mari, fundadora da Força Meninas.
“Meninas vêem as ciências exatas como uma área que não é pra elas. Essa mentalidade limita as oportunidades que elas encontrarão no mercado de trabalho. ‘Desestereotipar’ essas profissões é importante para destravar o futuro das meninas. A participação das mulheres na criação da inovação é um caminho crucial para acelerar a luta pela igualdade de gênero”, declara De Mari.
Outra barreira é a violência de gênero, que pode impedir a permanência de muitas crianças na escola. O terceiro ponto sensível é o aprendizado deficiente de matemática. Dados do Sistema de Avaliação do Ensino Básico de 2021, revelam que 95% das crianças saem do ensino médio sem o conhecimento adequado em matemática.
A falta de representatividade, encorajamento e oportunidades também aparece neste relatório como uma das principais barreiras enfrentadas pelas meninas hoje. “O padrão pra mulher na minha cidade seria estudar, terminar o ensino médio, não necessariamente fazer faculdade e depois casar ou se juntar com alguém, sendo assim bem sucedida". Essa é a fala de uma estudante de 16 anos, de uma escola privada de Fortaleza (CE).
Das meninas entrevistadas, 62% dizem desconhecer pessoas que trabalham nas áreas de ciências e tecnologia, enquanto 42% dos meninos afirmam não ter tido contato com alguém que exerça uma dessas profissões.
“Se outra mulher consegue, isso significa que eu também poderia conseguir. Isso mostra abertura para outras possibilidades de mulheres entrando nesse tipo de profissão”, relata uma menina de 17 anos, estudante de uma escola privada de Curitiba (PR).
Preparação para o futuro
Até 2025, o mercado brasileiro precisará contar com mais de 600 mil profissionais aptos a preencher vagas em STEM, segundo um estudo da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais (Brasscom). Porém, a estimativa é que o país não conseguirá produzir mão de obra qualificada nesta quantidade em um período tão curto de tempo.
O estudo da iniciativa Força Meninas finalizou o relatócio com pistas capazes de abrir portas para que mais jovens e mulheres integrem o quadro de profissionais de ciências e tecnologia no país:
• Combater estereótipos e violências de gênero que afetam o desenvolvimento das meninas
• Melhorar a infraestrutura de escolas e o acesso a laboratórios
• Apoiar e reconhecer as habilidades das meninas desde cedo
• Estimular a curiosidade e ampliar seus interesses por meio de modelos inspiradores
• Ajudar meninas a enxergarem essas áreas como ferramentas para mudar seus mundos