Animais são maltratados para produzir café mais caro do mundo
Uma reportagem da BBC flagrou cenas de crueldade com animais durante a produção de um tipo de café considerado o mais caro do mundo.
O Kopi Luwak, ou café de civeta, é feito a partir de grãos de café extraídos das fezes do civeta - um animal pequeno, de uma família de mamíferos carnívoros, com pelagem manchada e focinho pontiagudo, que vivem em palmeiras na Indonésia.
Repórteres disfarçados encontraram civetas mantidos presos em gaiolas para produzir o café na Ilha de Sumatra. E especialistas afirmam que os grãos produzidos por esses animais são vendidos como iguarias em diversas partes do mundo.
A popularidade do Kopi Luwak explodiu após o café aparecer em um programa da apresentadora americana Oprah Winfrey e no filme Antes de Partir, estrelado por Morgan Freeman e Jack Nicholson, em 2007.
Muitos revendedores promovem o produto como um artigo silvestre, colhido nas florestas a partir de excrementos de animais livres na natureza.
Em restaurantes, o preço da xícara do café pode chegar a cerca de US$ 95 (R$ 215), e parte do valor é atribuida à dificuldade de se conseguir os grãos.
Disfarçados como compradores, repórteres da BBC visitaram produtores que vendem os grãos em Sumatra. Nas fazendas, eles encontraram gaiolas mal cuidadas e apertadas e um civeta gravemente ferido - em cenas que contrariam a imagem vendida aos consumidores de "produto silvestre".
Produtores em Takengon, no norte de Sumatra, contaram à BBC que vendem os grãos para exportadores, que comercializam o produto na Europa e em outros países asiáticos.
Enjaulados
Depois de ver as imagens dos civetas engaiolados gravadas secretamente, o pesquisador Neil D'Cruze, da Sociedade Mundial para Proteção de Animais, disse que os bichos pareciam "totalmente deprimidos e infelizes"
"Esses animais silvestres têm comportamentos que precisam e querem expressar", afirmou D'Cruze. "As gaiolas são completamente secas, imundas e sem lugar para eles subirem."
O ex-empresário do setor de cafés Tony Wild, autor do livro Coffee: A Dark History ("Café: Uma História Sombria", em tradução livre), diz estar "totalmente convencido" de que os grãos produzidos por animais enjaulados são vendidos em Londres.
Wild diz acreditar que muitas vezes é enganoso vender o produto como um artigo silvestre. "O motivo por que tantas pessoas reproduzem essa história é que, por ser incrivelmente raro, você pode manter um preço ridiculamente alto", afirma.
Sem controle
Durante a reportagem em Takengon, a BBC conversou com produtores que mantinham os animais engaiolados e diziam vender grãos do Kopi Luwak para a Sari Makmur - uma empresa de exportação baseada na cidade indonésia de Medan - usá-los na produção do café comercializado com o nome de Wild Luwak.
O vice-presidente da Sari Makmur, Andry Spranoto, admitiu para os repórteres disfarçados da BBC que a empresa não tem como controlar os ingredientes do Wild Luwak.
A companhia disse que perguntava aos produtores se os grãos eram silvestres e eles diziam que sim, mas a empresa não checava a informação.
"Pra ser sincero, não estamos empenhados em vender o Wild Luwak porque não podemos controlá-lo", afirmou Spranoto.
Sem maus-tratos
Pesquisadores disfarçados como compradores também visitaram uma propriedade da empresa perto da cidade de Sidikalang, também em Sumatra. Alega-se que lá os grãos são colhidos de animais livres na natureza.
A propriedade, chamado Wahana, não tem relação com as fazendas de civetas ou com as cenas de crueldade observadas pela BBC em Sumatra.
O café premium produzido na propriedade, o Wahana Luwak, é vendido como artigo silvestre na luxuosa loja de departamentos Harrods, uma das mais conhecidas de Londres.
Os grãos do café chegam à capital britânica por meio de uma cadeia formada por uma importadora independente e um outro fornecedor.
"É silvestre, claro que é silvestre", diz Spranoto, sobre o Wahana Luwak. "Mas esse café vem com 100% de certeza de Wahana porque nós o monitoramos."
O vice-presidente da empresa garantiu aos repórteres disfarçados que não havia animais encarceirados em Wahana e que um programa de reprodução conduzido na propriedade foi concluído em 2007.
A BBC também entrou em contato com duas importadoras do café da Sari Makmur que confirmaram ter visitado a propriedade em 2011 e não ter visto nenhum civeta enjaulado.
Mas um funcionário da propriedade, que pediu para não ser identificado, revelou a presença de animais encarceirados em Wahana. Segundo ele, os civetas eram bem tratados no local.
"Nós colocamos cada civeta em um espaço próprio", disse o funcionário. "O espaço tem três metros quadrados e um chão de cimento, que é limpo e lavado todo dia."
Não há sinais de animais maltratados na propriedade.
Casas de madeira e frutas
Quando a BBC mais tarde entrou em contato com a Sari Makmur para revelar sua apuração, a empresa confirmou a presença de animais encarceirados em Wahana, mas insistiu que os grãos extraídos de civetas em cativeiro não são vendidos.
A companhia afirma que toda a produção comercializada a partir da propriedade tem origem em animais silvestres.
"Colocamos casas de madeiras e frutas na vizinhança para atrair os civetas silvestres para circular em nossa propriedade Wahana e produzir o café", disse a empresa, em um comunicado.
"No nosso programa de civetas em cativeiro, nós estudamos o comportamento animal, a sua dieta e o seu comportamento para reprodução", acrescenta o texto.
"Para atender a demanda deste mercado, nós criamos nossos próprios civetas e os soltamos na nossa propriedade quando eles estão maduros o suficiente."
"Não vendemos nenhum dos grãos de café dos civetas em cativeiro já que isso vai contra o nosso modelo de negócios", conclui o comunicado.
A BBC também perguntou à Harrods se a loja se preocupa com os sinais de que a Sari Makmur mantém animais em cativeiro longe dos olhares de visitantes ocidentais.
"A Harrods trabalha com todos os seus fornecedores para garantir que os mais altos padrões éticos de abastecimento, produção e venda sejam mantidos", respondeu a loja. "Isso se realiza por meio de rigorosos procedimentos de auditoria."
"Nosso fornecedor exclusivo (a Sari Makmur) deu à Harrods todas as garantias de que o café que recebemos é orgânico e colhido de civetas de palmeiras silvestres", acrescenta o comunicado.
A Harrods disse ainda que está trabalhando com seu fornecedor para investigar as informações da reportagem da BBC. "Se necessário, vamos rever a venda do produto", afirmou uma porta-voz da loja.
O café Wild Luwak, que o vice-presidente da Sari Makmur admitiu não ter como controlar, não é vendido na Harrods.