Profissão perigosa? Conheça o hipnotizador de tubarões
Um piloto de avião desenvolveu uma técnica que "hipnotiza" tubarões para que possam ser estudados por pesquisadores – ou admirados por entusiastas do mergulho.
Fundador da academia de pesquisas e mergulho Shark Academy, o italiano Riccardo Sturla Avogadri, de 45 anos, diz à BBC Brasil que seu objetivo principal é colocar a técnica a serviço da preservação das centenas de espécies desse animal existentes no mundo.
"Muitas espécies de tubarão são protegidas por lei. São animais incríveis, temos muito que aprender com eles."
Ao descrever o método, ele conta que o primeiro passo é atrair os tubarões. Para isso, usa ruídos, alimentos, substâncias químicas ou imagens. "Se meu alvo é um tubarão-branco, por exemplo, uso fotos ou sangue de focas", disse Avogadri, ao Outlook, programa do serviço mundial da BBC.
Em seguida, ele coloca comida para o tubarão em um recipiente especial para que o animal possa sentir seu cheiro. "É transparente, então, ele pode ver a comida, mas não pode mordê-la."
Nesse ponto, começa fazer movimentos com as mãos e os dedos para que o tubarão pense que é um peixe e tente morder suas mãos. "Na verdade, eu forço o tubarão a morder minha mão", contou.
Instantes antes de morder, o tubarão deixa água passar dentro de sua boca para oxigenar as brânquias, explicou o piloto.
"Nesse momento – quando o tubarão está com a boca fechada – começo a usar a técnica. Coloco a mão no nariz do peixe e começo a massageá-lo. Essa é a parte mais perigosa, porque se vou muito depressa, o tubarão vai embora. Se vou muito devagar, o tubarão morde meus dedos."
Massagem e 'limpeza de pele'
A escolha do nariz para a massagem não é acidental. Ali, há estruturas sensoriais chamadas "ampolas de Lorenzini", tubos muito finos acoplados a poros localizados na pele do nariz e sensíveis a campos elétricos. E o tubarão gosta de ser massageado nessa região, segundo Avogadri.
"Movimentos circulares dão a ele uma sensação agradável. Eles começam a se afastar por uns cinco ou seis segundos, mas, quando se dão conta de que a sensação é boa, às vezes retornam. Se estou em um grupo com 20 tubarões, tenho de reconhecer quais deles vão confiar em mim."
Ao achar o tubarão certo, Avogadri tenta atraí-lo para fazê-lo relaxar. Se isso acontece, ele continua a massagem com a outra mão e sai em busca de parasitas no corpo do peixe para removê-los.
"O tubarão sente a massagem, que é gostosa para eles, e também que estou tentando tirar um parasita da sua pele. Nesse ponto, se o tubarão se afasta, ele percebe que fiz algo bom e volta imediatamente. Esse é o truque, ele pensa que sou uma estação de limpeza", disse Avogadri.
Proteção
Para um observador leigo, é impossível entender como Riccardo pode correr tamanho risco. O hipnotizador de tubarões explica, no entanto, que, quando começou a desenvolver sua técnica, usava uma proteção.
"Vestia uma roupa especial de aço inoxidável que os dentes não atravessavam. Mas, aos poucos, comecei a entender como ele se move e onde segurá-lo", disse. "Se você toca em uma parte do animal que ele não gosta, ele vai embora. Levou anos para eu aprender."
No decorrer desses anos, ele conta, foi mordido várias vezes: "Mas você tem de levar em consideração que os dentes de um tubarão não têm raiz, então, quando tocam algo duro, eles quebram."
Em alguns vídeos, o piloto é visto massageando o nariz de um tubarão, que está parado. Depois, pega o animal e começa a girá-lo. Ele explica que isso é uma forma de contornar um obstáculo no desenvolvimento da técnica: como manter o tubarão sem se mover e permitir que ele respire?
"Esse tipo de tubarão precisa se mover constantemente, porque, para respirar, a água tem de passar por sua boca, então, o ergo e faço os giros", disse. "Depois de ele dormir, o levo devagarinho para a superfície para ser estudado."
Pesquisa
Os tubarões pertencem a uma família de animais muito primitivos. Cientistas calculam que eles habitam o planeta há 400 milhões de anos – surgiram 200 milhões de anos antes dos dinossauros, por exemplo.
Por isso, são considerados por especialistas como modelos de resiliência e adaptabilidade e, portanto, extremamente valiosos para o homem.
Com o tubarão adormecido, os pesquisadores podem colocar identificações em seu corpo, medí-lo com instrumentos e fotografá-lo. "Tudo isso sem precisarmos capturar o animal. Normalmente, nos centros de pesquisa, usam-se anzóis para pegar o tubarão. Isso é estressante para eles."
Avogadri disse que sua técnica não tem esse impacto. "Sei que não porque, às vezes, coloco o tubarão para dormir por dez minutos. Depois (de acordar), ele vai embora e volta. Se fosse estressante, ele não voltaria."
Motivação
Além de trabalhar com pesquisadores, o italiano leva grupos pequenos de mergulhadores para expedições de mergulho com tubarões, como o executivo argentino Ignacio Daniel Arias, que fez cursos de alimentação e de imobilização de tubarões com Avogadri e, agora, se prepara para mais um.
"Em abril, vou para as Bahamas e desta vez (vou mergulhar) com o tubarão tigre. É o segundo mais agressivo do mundo, o que mais mata depois do tubarão branco. Chega a até seis metros de comprimento", explica Arias à BBC Brasil.
"Claro que tenho medo! Principalmente quando o animal se aproxima. Mas pensava que ia sentir mais. Sou um empresário nerd que trabalha na área de software e pratica mergulho por recreação."
"Mas também tenho respeito. E a paixão pelos animais é tão grande que a gente acaba perdendo o medo."