Apadrinhado por Bill Gates, gaúcho cria inseticida contra malária e quer testá-lo contra zika no Brasil
Agenor Mafra-Neto chefia equipe por trás de produto que engana olfato e paladar dos insetos e se faz passar por néctar para envenená-los.
No final da década passada, o gaúcho Agenor Mafra-Neto recebeu a notícia de que, em um curto espaço de tempo, uma irmã morando no Rio e um irmão em São Paulo contraíram dengue.
Já trabalhando em projetos de ecologia química relacionados ao uso de semioquímicos (substâncias ou compostos envolvidos na comunicação entre seres vivos), ele decidiu então estudar um método alternativo de combate ao mosquito Aedes aegypti que combinasse eficácia com baixa agressividade ambiental.
Uma guinada profissional fez com que desse projeto pessoal nascesse um inseticida que oferece uma nova esperança de combate à outra doença transmitida por mosquitos: a malária, cujo total de vítimas fatais no mundo, segundo as estatísticas mais recentes da Organização Mundial da Saúde (2015) foi de 438 mil - 70% delas crianças de menos de cinco anos de idade.
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Mas Mafra-Neto ainda não tirou o aedes da alça de mira. Em especial depois de o mosquito também assolar o Brasil com o vírus Zika.
"O aedes e a dengue foram a minha epifania: queria fazer alguma coisa para combater os problemas causados pelo mosquito no Brasil", afirma Mafra-Neto, em entrevista à BBC Brasil, por telefone, de Washington.
Apoio de Bill Gates
O desenvolvimento do inseticida sofreu uma mudança de foco quando o projeto levado a cabo pela empresa comandada pelo brasileiro, a Iscatech, recebeu fundos da Bill & Melinda Gates Foundation.
A fundação do bilionário americano, dono da Microsoft, tem a erradicação da malária como um de suas principais bandeiras.
Mafra-Neto e sua equipe puseram mãos à obra, então, e criaram o Vectrax. Em testes de laboratório, o produto teria exterminado entre 70% a 80% dos mosquitos transmissores da malária, o anófeles.
Mas o que chama mais a atenção é a promessa de uma "malandragem": o inseticida atrai os mosquitos ao simular odores e sabores de néctar, produto que as fêmeas precisam consumir com frequência antes de atacar humanos. Entre machos, o efeito foi o mesmo.
"Assim como abelhas, mosquitos se alimentam de néctar. Nós usamos uma combinação de odores de flores, açúcares e proteínas e uma quantidade mínima de inseticida tradicional para atrair o mosquito para os pontos de dispersão. Isso é muito mais preciso. Tivemos a preocupação também de desenvolver um produto que não afetasse outros insetos que se alimentam de néctar, como as abelhas", explica.
Segundo o cientista brasileiro, o produto poderá ser vendido a baixo custo.
"Em um litro de Vectrax diluído, por exemplo, há menos de 1% de inseticida, o que reduz tanto a agressividade ao meio ambiente quanto o custo, para coisa de centavos por garrafa", afirma.
O Vectrax foi testado entre outubro e julho na Tanzânia, país africano em que a malária é endêmica em algumas regiões. Os testes envolveram oito vilarejos (quatro receberam o tratamento, a outra metade não), e a equipe da Iscatech constatou o que considerou uma queda que levou a incidência a "perto de zero" nos locais tratados.
"O produto não é tóxico para humanos e nem tem uma aplicação complicada. Pode ser diluído em uma garrafa d'água normal e ser espalhado pela própria população", explica Mafra-Neto, que anunciou os resultados do estudo na Tanzânia na última quarta-feira, durante da conferência anual da Sociedade Americana de Química.
Decepção no Brasil
O gaúcho é radicado nos EUA há quase 30 anos, para onde foi depois que seus estudos para um doutorado em entomologia e ecologia química, nos anos 1990, transformaram-se em decepção com o investimento em ciência no Brasil.
"Eu tinha problemas para conseguir equipamento básico para meus experimentos", lembra.
No momento em que atendeu à orientação da Gates Foundation para priorizar o mosquito da malária, porém, Mafra-Neto já tinha feito testes preliminares com o Aedes aegypti. E, segundo ele, foram obtido índices de extermínio semelhantes. Por isso, ele agora quer testar o produto em campo especificamente no combate ao mosquito transmissor da Zika e da dengue.
Nos próximos dias, a Instatech retomará os contatos feitos em 2015 para a realização de testes no Brasil. A primeira tentativa, que envolveu negociações para uma parceria com a Fiocruz, esbarrou nos surtos de dengue e Zika que assolaram o país.
"Basicamente, a situação estava complicada e não havia como as pessoas pararem para fazer testes. Mas quero ajudar meu país. Fui morar nos Estados Unidos em busca de mais oportunidades de pesquisa, mas sei o quanto o Brasil precisa de soluções para o combate a esse mosquito. No mundo inteiro, 800 mil pessoas morrem todos os anos por doenças transmitidas por mosquitos", diz.
Por sinal, foi por influência em projetos desenvolvidos no Brasil na área agrícola que a Iscatech conseguiu desenvolver o Vectrax.
O Noctovi, remédio contra mariposas em lavouras de soja, também trabalha com o princípio de atração alimentar e o uso de substâncias conhecidas como semioquímicos - que interferem nos sentidos dos insetos.
"Isso ajuda a compensar problemas logísticos com o uso de inseticidas tradicionais. Em vez de tentarmos caçar o inseto, você o atrai para uma armadilha."