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As formigas que conseguem 'cheirar' o câncer

Graças a suas antenas, as formigas podem identificar câncer na urina de comundongos, de acordo com novo estudo. Mas outros animais também têm essa capacidade de detecção.

3 fev 2023 - 07h39
(atualizado às 09h51)
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Cientistas conseguiram treinar a Formica fusca, geralmente chamada de formiga sedosa ou escura, para detectar sinais de câncer de mama humano presentes na urina de camundongos
Cientistas conseguiram treinar a Formica fusca, geralmente chamada de formiga sedosa ou escura, para detectar sinais de câncer de mama humano presentes na urina de camundongos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Graças ao sistema olfativo bastante sensível, as formigas vão poder ser usadas um dia para ajudar a detectar câncer em humanos, sugere um novo estudo.

Por enquanto, cientistas descobriram que as formigas são capazes de detectar a doença em camundongos.

"As formigas podem ser treinadas em dez minutos para sentir o cheiro do câncer na urina dos ratos", diz Baptiste Piqueret, principal autor do estudo, à BBC.

Piqueret, que iniciou sua pesquisa na área em 2017, conseguiu treinar formigas para distinguir entre células saudáveis e células cancerígenas cultivadas em laboratório.

Mas agora, sua equipe deu um passo à frente: as formigas detectaram desta vez tumores humanos em camundongos.

Treinamento de formigas para detectar odor maligno

Piqueret e sua equipe usaram uma técnica chamada xenoenxerto — que consiste em transplantar o câncer de mama humano para camundongos e permitir que o mesmo cresça.

Na sequência, eles coletaram amostras de urina tanto de camundongos saudáveis quanto daqueles com câncer.

"Durante o treinamento, colocamos as formigas em uma arena circular e colocamos comida como recompensa ao lado da urina dos camundongos com câncer", ele conta.

À medida que as formigas encontram a recompensa, elas associam o cheiro das células cancerígenas a ela e aprendem a reconhecê-la.

As formigas ainda permaneceram em torno das amostras de urina cancerígenas, mesmo depois que os cientistas removeram as recompensas
As formigas ainda permaneceram em torno das amostras de urina cancerígenas, mesmo depois que os cientistas removeram as recompensas
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"As células são como fábricas, precisam de nutrientes para viver e produzem resíduos. As células cancerígenas produzem resíduos que podem ser detectados no odor", afirma Piqueret.

Mais especificamente, conforme explica o estudo, as células cancerígenas possuem compostos orgânicos voláteis específicos que podem ser detectados na urina ou na respiração.

Durante o processo de treinamento, as formigas permaneciam mais tempo em torno das amostras cancerígenas de urina, mesmo depois que os cientistas removiam as recompensas.

As formigas podem ser usadas para detectar câncer em humanos?

Ainda não, diz Piqueret.

"Para ir mais longe, teríamos que começar a testar urina humana", ele acrescenta, mas isso seria mais complicado do que testar urina de camundongos.

Treinar formigas para detectar odor cancerígeno em humanos incluiria muitas variáveis — como idade, sexo e dieta —, mas também um odor específico que todo ser humano possui.

"Os seres humanos não têm os mesmos odores, eles diferem de pessoa para pessoa, e não sabemos se as formigas podem se concentrar apenas nas células cancerígenas", explica Piqueret.

Mas ele está empenhado em aprofundar a pesquisa, pois acredita que as formigas podem ser detectores extremamente eficazes e de baixo custo — e não exigem muito tempo para serem treinadas.

"Uma das vantagens pode ser o fato de que as formigas vivem em colônias e compartilham informações entre si", diz ele.

Piqueret suspeita que se 10% das formigas de uma colônia forem treinadas para detectar câncer, elas podem espalhar o conhecimento para as demais.

"Talvez a informação se espalharia, e não teríamos que perder tempo treinando toda a colônia", observa.

Esta teoria já provou funcionar com abelhas — mas, segundo ele, seria necessário realizar mais pesquisas com as formigas.

Que outros animais podem ajudar a detectar o câncer?

Debajit Saha (segundo a partir da direita) e sua equipe estão tentando explorar o cérebro de gafanhotos para desenvolver um sensor de detecção de câncer
Debajit Saha (segundo a partir da direita) e sua equipe estão tentando explorar o cérebro de gafanhotos para desenvolver um sensor de detecção de câncer
Foto: Derrick L. Turner/Michigan State University / BBC News Brasil

Há dez anos, Debajit Saha, da Universidade do Estado de Michigan, nos EUA, estuda gafanhotos e sua capacidade de ajudar a detectar células cancerígenas.

Sua equipe descobriu que os gafanhotos podem "cheirar" a diferença entre células cancerígenas e saudáveis.

Mas eles não estão tentando treinar gafanhotos — em vez disso, estão tentando explorar seus cérebros.

"Podemos ir diretamente ao cérebro e usar o conhecimento da neurociência existente para criar um modelo a partir dos sinais neurais", diz Saha à BBC.

Eles esperam que o conhecimento obtido ao estudar os cérebros dos gafanhotos forneça uma base para construir um dispositivo que usa neurônios sensoriais de insetos para detectar o câncer usando apenas a respiração de um paciente.

"Gosto da ideia como um todo de usar organismos biológicos e de pensar em como usá-los para detectar doenças", afirma Saha.

Mas não são apenas os insetos que podem ajudar.

Vários estudos mostram que os cães são capazes de detectar diferentes tipos de câncer na urina ou no sangue humano
Vários estudos mostram que os cães são capazes de detectar diferentes tipos de câncer na urina ou no sangue humano
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

No Reino Unido, uma instituição beneficente chamada Medical Detection Dogs tem trabalhado no desenvolvimento de um "nariz eletrônico" que pode farejar o câncer de próstata.

"Nosso trabalho começou investigando se os cães poderiam encontrar câncer de bexiga. Ele analisou a eficácia dos cães encontrá-lo a partir de amostras coletadas da urina de pacientes com câncer", diz Sophie Aziz, chefe de pesquisa e desenvolvimento comercial da organização, à BBC.

A instituição treinou seis cães de diferentes raças em 2004 e descobriu que a precisão do diagnóstico era três vezes maior do que a taxa esperada para o acaso.

Estudos posteriores confirmaram que os cães são capazes de farejar o câncer de bexiga com uma precisão de cerca de 90%.

Outro estudo mostrou que os cães também conseguem farejar o câncer de ovário a partir de amostras de sangue das pacientes. Cães treinados foram capazes de detectá-lo em 99% dos casos.

Depois, veio a pesquisa para desenvolver um "nariz eletrônico", mas tem sido um desafio por causa das nuances do odor.

"Particularmente quando se trata de doenças, os odores podem ser diferentes dependendo do microbioma da pessoa e da sua resposta imune à doença", explica Aziz.

Mas ela acredita que as novas pesquisas com insetos podem ser complementares a outros estudos de detecção de câncer.

"Quanto mais pudermos aprender sobre o reino animal, melhor. Quanto mais pesquisas vierem de grupos como o nosso, ou de cientistas que analisam como as formigas podem detectar o câncer, melhor. Tudo contribui para a construção de uma visão mais ampla", avalia Aziz.

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