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Câncer: especialistas desmascaram os mitos mais comuns sobre a doença

Muitas suposições populares, mas imprecisas, sobre o câncer causam preocupações desnecessárias e são potencializadas pelas redes sociais; veja quais são

20 jun 2022 - 10h10
(atualizado às 11h17)
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Para alguém recentemente diagnosticado com câncer, ou apenas com medo de contrair a doença, o mundo - especialmente as mídias sociais - está cheio de informações cientificamente imprecisas sobre como evitá-lo, como tratá-lo e o que temer a respeito.

No entanto, para a frustração de muitos médicos especialistas em câncer, esses mitos ultrapassados - se você deve comer ou evitar certos alimentos, ingerir ervas ou outros suplementos ou pular o tratamento em favor de uma abordagem "naturalista" - continuam a atrair muitos pacientes, prejudicando como eles lidam com um diagnóstico de câncer e colocando seu tratamento em risco.

"Quando algo desencadeia emoções, pode ser difícil entender a lógica e a razão porque o câncer é assustador, especialmente para pessoas que nunca tiveram contato com isso ou para pessoas que assistiram a familiares que tiveram", diz Rachel Buchsbaum, diretora do centro de câncer e chefe de hematologia/oncologia no Tufts Medical Center. "É difícil passar a mensagem de que os tratamentos e tecnologias de hoje são muito melhores do que costumavam ser. O medo do câncer ainda é tão difundido, que muitas vezes é preciso lidar com as emoções."

As pesquisas sugerem que, apesar das constantes diminuições nas taxas de mortalidade por câncer nos últimos anos, a maioria dos americanos ainda vê o câncer como uma sentença de morte, uma percepção que não é apenas falsa, mas também perigosa se levar as pessoas a renunciar à prevenção, detecção precoce e tratamento, dizem os especialistas.

Mais de 16,9 milhões de americanos que tiveram câncer invasivo anos atrás ainda estavam vivos em 1º de janeiro de 2019 - as estatísticas mais recentes disponíveis - sem sinais da doença, de acordo com a American Cancer Society. Em 1º de janeiro de 2030, estima-se que 22,1 milhões ou mais de americanos terão sobrevivido ao câncer, diz a ACS.

"Os cuidados com o câncer, incluindo o estresse emocional e psicológico em torno de um diagnóstico, a sensação de incerteza resultante, bem como as complexidades das decisões de tratamento, tornam os pacientes vulneráveis a danos causados por desinformação", diz Wen-Ying Sylvia Chou, diretora de um programa no ramo de pesquisa em comunicação em saúde e informática do Programa de Pesquisa Comportamental do National Cancer Institute. "Todos nós queremos boas informações, mas o ambiente da informação às vezes nos leva para outras direções."

Muitas suposições populares, mas imprecisas, sobre o câncer causam preocupações desnecessárias, às vezes levando as pessoas a desconsiderar os comportamentos de prevenção estabelecidos, como se exercitar, parar de fumar ou evitar o sol, e podem resultar em decisões de tratamento imprudentes, dizem os especialistas.

"As pessoas pesquisam no Google e não entendem as nuances envolvidas no tratamento e prognóstico do câncer", diz Julie Nangia, professora associada de medicina no Baylor College of Medicine e diretora médica de oncologia de mama no Dan L. Duncan Comprehensive Cancer Center. "Os cânceres não são iguais, e o câncer não conhece regras ou limites, então não há como prever."

O Washington Post pediu a vários especialistas em câncer que abordassem alguns dos mitos mais comuns sobre o câncer:

- O câncer é quase sempre uma sentença de morte. "Muitas décadas atrás, era assim que as pessoas se sentiam porque as taxas de mortalidade eram mais altas e as pesquisas e tratamentos não eram tão avançados quanto hoje", diz o oncologista da Mayo Clinic, Karthik Giridhar. "Agora temos prevenção, detecção precoce e terapias de ponta e a grande maioria das pessoas está sobrevivendo por mais tempo, com aumentos a cada década, e vivendo vidas melhores e mais produtivas". A detecção precoce é fundamental. Por exemplo, a taxa de mortalidade por câncer de mama, que atingiu o pico em 1989, diminuiu 42% desde 2019, graças ao rastreamento precoce, melhores tratamentos e maior conscientização. Para o câncer de próstata, a taxa de sobrevivência de cinco anos se aproxima de 100% para a maioria dos homens diagnosticados com câncer de próstata "local" ou "regional", ou seja, antes de se espalhar.

- O câncer é contagioso. Isto é falso. Você não pode "pegar" câncer. Mas certos vírus e bactérias podem aumentar o risco de câncer, incluindo o papilomavírus humano (câncer do colo do útero), o vírus da hepatite B (câncer de fígado) e a bactéria Helicobacter pylori (câncer de estômago). As vacinas podem prevenir o HPV e o HBV. E não há necessidade de evitar o contato com alguém que tem câncer. "Você pode abraçar e beijar alguém com câncer, ou até mesmo ser íntimo e não há risco para você ou para a pessoa com câncer", diz Nangia.

- Tudo causa câncer, então por que me preocupar em tentar me proteger? "Nem tudo causa câncer", diz Buchsbaum. "Existem algumas coisas claras sobre estilo de vida que as pessoas podem fazer para diminuir a chance de tê-lo. Exercitar-se todos os dias. Isso é muito importante. É a melhor coisa que você pode fazer por si mesmo, além de não fumar, manter seu peso na faixa normal e limitar o álcool a menos de uma bebida por dia, que deve ser o alvo a atingir se for beber regularmente."

Diane Reidy-Lagunes, vice-médica-chefe associada da Rede de Atendimento Regional do Memorial Sloan Kettering Cancer Center na área metropolitana de Nova York e apresentadora do podcast Cancer Straight Talk do hospital, concorda. "O câncer normalmente é um acúmulo de genes que são danificados ao longo do tempo, muitas vezes ao longo de muitos anos, e é por isso que o câncer é muito mais comum em pessoas mais velhas", ela diz. "Por essa razão, fazer exercícios, comer bem e evitar exposições nocivas como fumo e álcool podem diminuir o risco de desenvolver câncer."

- Os efeitos colaterais da quimioterapia são horríveis. "Isso definitivamente não é verdade", diz Nangia. "Os medicamentos de apoio são surpreendentes agora e a maioria dos pacientes se sai muito bem. Não é comum que os pacientes tenham náuseas que não sejam controladas com medicamentos ou efeitos colaterais graves que não podem ser controlados."

Reidy-Lagunes concorda. "Os tratamentos de quimioterapia de hoje são administrados por muitas razões e em muitos tipos diferentes de câncer", ela diz. "Às vezes, a quimioterapia é administrada para diminuir um tumor antes da cirurgia. Às vezes, é administrada para controlar a doença e manter o paciente estável. Os médicos levam muitos fatores em consideração ao desenvolver os planos de tratamento de seus pacientes, e fazem todos os esforços para ajudá-los a evitar efeitos colaterais."

Reidy-Lagunes afirma ainda que os pacientes hoje podem tomar medicamentos antes da quimioterapia para evitar efeitos colaterais como náuseas e vômitos. "O efeito colateral mais comum é a fadiga, que se acumula com o tempo", ela diz. "Alguns especialistas comparam o tratamento a uma luta de boxe. A primeira vez que você é derrubado, você levanta rápido. Após a segunda ou terceira queda, você ainda se levanta rapidamente. Quando você chega ao quinto ou sexto nocaute, você se levanta mais devagar - mas você ainda se levanta."

- O cabelo não volta a crescer após a quimioterapia. Um dos efeitos colaterais temidos pelas mulheres em particular é a perda de cabelo e o medo de que ele não volte. Especialistas dizem que pode levar algum tempo, mas na maioria dos casos o cabelo volta, embora possa ser com uma textura diferente ou até mesmo uma cor diferente.

"A quimioterapia funciona atacando células de crescimento rápido", afirma Reidy-Lagunes. "As células cancerígenas crescem rapidamente, mas o mesmo ocorre com outras células, como as células ciliadas. A quimioterapia pode causar queda de cabelo no couro cabeludo, sobrancelhas, cílios, braços, pernas e região pubiana. Dependendo da quimioterapia, pode ser que você não os perca em nenhuma área, perca em algumas ou em todas essas áreas. Quando o tratamento terminar, o cabelo deve começar a crescer novamente. O crescimento do cabelo pode levar de três a cinco meses. Quando o cabelo volta a crescer, ele pode ter uma textura ou cor diferente e, em casos raros, o cabelo não voltará a crescer tão completamente quanto antes. A radioterapia na cabeça geralmente causa queda de cabelo no couro cabeludo. Às vezes, dependendo da dose de radiação, o cabelo pode voltar a crescer de forma diferente de como era antes ou, em muito poucos casos, pode não voltar a crescer."

"Ele pode ficar mais encaracolado, mas o cabelo volta a crescer na grande maioria dos pacientes", diz Andrew M. Evens, diretor associado de serviços clínicos do Rutgers Cancer Institute.

Raramente, com um agente quimioterápico chamado docetaxel, que às vezes é usado no tratamento de câncer de mama, próstata, estômago, cabeça e pescoço, e certos cânceres de pulmão, pode haver perda de cabelo permanente, explica Nangia.

Reidy-Lagunes recomenda o "resfriamento do couro cabeludo" como forma de reduzir a queda de cabelo durante a quimioterapia para tumores sólidos, ou seja, o câncer que não é leucemia ou linfoma. O resfriamento do couro cabeludo, aprovado pela Food and Drug Administration, envolve o uso de uma touca fria na cabeça antes, durante e após a quimioterapia e foi demonstrado em estudos que isso reduz a perda de cabelo.

- Antitranspirantes ou desodorantes causam câncer de mama. "Este é definitivamente um mito provavelmente vindo do fato de que quando as mulheres fazem mamografias, elas são solicitadas a não usar desodorantes ou antitranspirantes", diz Nangia. "A razão pela qual isso é solicitado é que os desodorantes e antitranspirantes contêm alumínio, que em um raio-X ou mamografia pode imitar o cálcio e interferir nos resultados da mamografia."

- Colocar alimentos em recipientes e embalagens plásticas no microondas libera substâncias cancerígenas. "Isso só é verdade para materiais plásticos mais antigos e se o plástico contiver produtos químicos como BPA ou ftalatos", diz Nangia. "Os novos plásticos não contêm esses produtos químicos e, se o plástico for rotulado como 'seguro para microondas', ele não contém esses produtos químicos e não causará câncer."

- O câncer é sempre genético. "Alguns tipos de câncer podem ocorrer em famílias e colocá-las em risco muito maior, mas a realidade é que o câncer pode ocorrer a qualquer momento da vida, e a prevalência aumenta à medida que envelhecemos, por isso é uma doença do envelhecimento", afirma Nangia. "A maioria das pessoas que desenvolvem câncer não tem histórico familiar. É esporádico. No entanto, é importante identificar famílias que tenham genes da síndrome do câncer hereditário, como o BRCA1 e o BRCA2 - o que aumenta o risco de câncer de mama e ovário -, para que seus membros possam ser examinados mais de perto e ter acesso a possíveis terapias preventivas."

- O câncer é sempre ambiental. "Fatores ambientais - como tabagismo e dieta e exposição a muitos produtos químicos, como benzeno e amianto - aumentam o risco, mas nem tudo no meio ambiente causa câncer", diz Giridhar. "Às vezes não há uma única razão clara pela qual os cânceres se desenvolvem. Provavelmente é multifatorial, incluindo exposição a certas toxinas ambientais, genética ou nada que seja óbvio."

- Provavelmente é melhor não saber que você tem câncer. "Certamente, não", diz Evens. "A maioria dos cânceres é tratável e muitos são curáveis". É importante fazer exames regulares - mamografias, colonoscopias, exames de próstata, por exemplo - porque o tratamento e a cura muitas vezes dependem da detecção precoce, dizem os especialistas.

- Beber chá verde vai protegê-lo contra o câncer. Os ingredientes ativos do chá verde incluem polifenóis como o EGCG, ou epigalocatequina galato, que é um forte antioxidante, diz Ting Bao, diretora de oncologia integrativa da mama, medicina integrativa e serviços de medicina da mama no Memorial Sloan Kettering Cancer Center.

"Estudos in vitro (de laboratório) mostram que esses ingredientes podem ajudar a prevenir o câncer, inibindo a proliferação de células cancerígenas", ela afirma. "Portanto, em teoria, beber chá verde poderia prevenir o câncer. Mas provavelmente seria preciso beber grandes quantidades por dia para que tivesse efeito."

Estudos, no entanto, fornecem evidências limitadas de que o uso de chá verde reduz o risco de câncer, ela acrescenta. Além disso, "esses estudos mostraram efeitos colaterais da alta ingestão de chá verde, como desconforto gastrointestinal e enzimas hepáticas elevadas", diz . "A maioria desses estudos foi realizada em populações asiáticas, o que limita sua generalização em outras populações."

- As mulheres grávidas não podem fazer, ou devem ficar longe do tratamento do câncer. "Geralmente tentamos evitar o tratamento no primeiro trimestre para proteger o bebê, mas é seguro fazer cirurgia e certas quimioterapias durante o segundo e terceiro trimestres", diz Nangia. Com o câncer de mama, por exemplo, há muitos estudos que demonstram a segurança da quimioterapia durante a gravidez para a gestante e para o feto, afirma. Mas "é melhor evitar a radiação durante a gravidez, se possível", ela acrescenta, já que a exposição à radiação pode prejudicar um feto em desenvolvimento.

- Eu não fumo, então não vou ter câncer de pulmão. Embora seja verdade que a grande maioria dos cânceres de pulmão - cerca de 80% a 90% - ocorre entre os fumantes, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças, outros produtos do tabaco e a exposição ao fumo passivo e ao radônio também aumentam o risco de contrair a doença, dizem os funcionários do CDC. "As chances de contrair câncer de pulmão são muito menores em não fumantes, mas 10 a 20% dos cânceres de pulmão ocorrem em pessoas que nunca fumaram ou fumaram menos de 100 cigarros na vida", diz Nangia.

- Uma biópsia ou cirurgia fará com que o câncer se espalhe. "Existe um mito de que expor o câncer ao ar por meio de biópsia ou cirurgia fará com que o câncer se espalhe, o que não é verdade", afirma Nangia. "A realidade é que, quando as pessoas têm câncer que requer biópsia ou cirurgia, alguns desses cânceres serão agressivos e se repetirão. Isso é por causa da biologia do câncer, não por causa da biópsia ou da cirurgia."

O National Cancer Institute diz que os cirurgiões tomam precauções especiais durante cirurgias e biópsias para evitar que as células cancerígenas se espalhem, como usar ferramentas cirúrgicas separadas para diferentes áreas do corpo.

- Comer açúcar faz com que o câncer cresça. "Não há dados de que o consumo de açúcar leve ao crescimento do câncer", diz Reidy-Lagunes. Embora as células cancerosas consumam mais açúcar do que as células normais, de acordo com o NCI, principal agência de pesquisa sobre a doença do governo americano, nenhum estudo mostrou que realmente comer açúcar piora o câncer, ou que cortar o açúcar ajuda ou previne a doença. Uma dieta rica em açúcar, no entanto, pode resultar em ganho de peso, e a obesidade aumenta o risco de certos tipos de câncer, como câncer de endométrio e esôfago, entre outros, de acordo com a agência.

- Celulares e adoçantes artificiais causam câncer. Não existe nenhuma evidência de que telefones ou substitutos de açúcar contribuam para o câncer, de acordo com vários estudos ao longo dos anos e com o NCI.

- Um caroço no seio sempre significa câncer de mama. Alguns nódulos mamários são cancerígenos, mas a maioria não é, de acordo com o CDC. Especialistas dizem, no entanto, que você deve avaliar cada nódulo. "Um ultrassom pode ajudar a caracterizar massas sentidas na mama e, muitas vezes, se estiver claro, a massa é benigna e a biópsia não é necessária", diz Nangia.

- O câncer sempre volta. "A maioria dos cânceres não volta, felizmente, e os avanços na medicina continuam a diminuir o risco de recorrência", diz Reidy-Lagunes. "O número de sobreviventes de câncer que vivem nos EUA continua a aumentar."

A taxa de sobrevivência de cinco anos para todos os cânceres combinados aumentou muito desde o início da década de 1960, de 39% para 68% entre os brancos e de 27% para 63% entre os afro-americanos, devido aos avanços no tratamento e diagnóstico precoce, de acordo com a ACS, a sociedade americana de câncer.

/TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

Estadão
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