Cientista dá nome a macaco e afirma: “ser humano é praga"
Nesses tempos em que o racismo do brasileiro anda aflorando em campos de futebol e nas redes sociais, um brasileiro tem orgulho de ter seu nome ligado a um macaco. O biólogo Alcides Pissinatti, chefe do Centro de Primatologia do Rio de Janeiro, em Guapimirim, região serrana do Estado, acaba de ser agraciado com a honraria de ter seu sobrenome dado a uma nova espécie de primata encontrado na Amazônia, o Pitechia pissinatti. No total foram cinco novas espécies descobertas pela cientista americana Laura Marshall, que foi quem decidiu dar o nome de Pissinatti a um deles.
O anúncio foi feito no 25º Congresso Internacional de Primatologia, promovido pela Sociedade Internacional, que aconteceu no mês de agosto no Vietnã. Paulista de nascimento e carioca por opção, Pissinati trabalha com mico-leão, sagüí, macaco-prego, bugio e muriqui e conversou com o Terra sobre temas polêmicos como pesquisas com animais e o racismo, que anda deixando muitos primos envergonhados com nossa capacidade de depreciar nossa própria espécie. “O ser humano é uma praga que tem na natureza”.
Terra - O que significa essa homenagem?
Pissinatti - Primeiro é uma grande honra. Um marco muito significativo para medicina veterinária do país. Fica para a história. Para mim também, que venho trabalhando há muito tempo nem imaginava receber essa honraria. É ótimo também para a ciência brasileira. É um trabalho de 40 anos, que começou do nada, construindo da estrada toda a estrutura. Vale a pena conhecer.
Terra - No momento que o Brasil fala tanto de racismo, de negros sendo chamados da macacos na internet, em estádios de futebol, o senhor recebe uma homenagem pelo trabalho com primatas. Os macacos estão com vergonha dos humanos?
Pissinatti - (Risos) O ser humano é uma praga que tem na natureza. Um erro biológico. Todos somos macacos. O problema é quando há ofensa. As pessoas precisam entender o que é um primata. Não da forma depreciativa. O problema é de cultura e educação lá embaixo. A cor da pessoa não faz com que ela seja diferente. Isso está muito na cabeça de quem fica discutindo socialismo e comunismo na mesa do bar. Não existe nada igual na natureza. Nenhuma folha é igual à outra na natureza. Cada coisa é diferente. Nada é igual. Dar oportunidade para todo mundo sim, mas alguns sobem mais que os outros. Um jogador de futebol é melhor que outro. Não tem que brigar, tem que aplaudir. Não venço você no futebol e procuro algo para te colocar no chão. Nesse contexto quem é menor e quem é mais insignificante é que usa desses meios. Macaco todos nós somos. Não somos ave, não somos répteis, então somos o quê? Mas humano se julga o máximo.
Terra - Como é o trabalho de vocês no Centro de Primatas?
Pissinatti - Trabalhamos com espécies ameaçadas. É o trabalho de biologia de uma determinada espécie, de acordo com avaliação que você faz na natureza. O que come, como se reproduz, doenças, comportamento em relação à natureza e em relação a outros animais. Para entender a biologia do animal. Dar uma importância à espécie. Temos apenas dois centros no Brasil: um aqui e outro em Belém do Pará, com objetivos diferentes.
Terra - O Brasil investe pouco no estudo dos primatas?
Pissinatti - Nós começamos na década de 70 e avançamos bastante, mas o trabalho ainda é muito tímido. Temos trabalhos publicados mas nada comparado ao que fazem americanos e europeus. Nos dois centros do Brasil, um estuda a relação com a natureza e outro é para estudos medicinais.
Terra - Falando em pesquisas com animais, ano passado houve uma polêmica muito grande em relação à utilização de cachorros em pesquisas médicas. O que senhor pensa a respeito da utilização de animais para esses fins?
Pissinati - Não se pode jogar de lado esse tipo de estudos com animais. Por exemplo, no que se refere à produção de vacina, dependemos muito dos testes feitos em primatas, porque é um organismo quase semelhante ao humano. Mas tem critérios que regulamentam isso. Não é feito de qualquer maneira. O pessoal que briga por isso, e entendo quem o faça, ajuda muito a melhorar a questão da tecnologia, por exemplo. Mas não pode sair por aí destruindo, soltando animais, porque cria mais problemas. Tem certo exagero nessa atitude. Hoje em dia existe comissão de ética o governo avançou bastante na legislação sobre esse tipo de testes. Mesmo com cães. Tem algumas formas de estudos que não precisa mais utilizar animais. Mas não podemos desprezar isso.