Minicérebros criados em laboratório no Rio têm até olhos
No futuro, testes dirão se os organoides podem 'enxergar'; estruturas devem servir para entender doenças e avaliar medicamentos
RIO - Cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto D'Or de Pesquisa criaram, pela primeira vez na América Latina, minicérebros com olhos em laboratório. E não é só. Provavelmente eles podem "enxergar" - um avanço e tanto que pode ampliar a compreensão sobre diversas doenças, acelerar as pesquisas sobre o desenvolvimento do cérebro humano e revolucionar a própria definição de vida.
Os cientistas brasileiros trabalham desde 2016 na criação desses organoides. São estruturas tridimensionais criadas a partir de células reprogramadas, que funcionam como modelo do cérebro humano. Ao longo desse período, os pesquisadores têm procurado aperfeiçoar esse modelo, criando estruturas cada vez mais complexas.
Agora, eles conseguiram dar um passo inédito: criar minicérebros com células pigmentadas da retina. No cérebro humano, essas células são responsáveis por receber estímulos luminosos e, a partir deles, transmitir impulsos elétricos às células nervosas envolvidas no processamento da visão. Em outras palavras: enxergar.
"A gente ainda não teve essa confirmação", ressaltou o neurocientista Stevens Rehen, principal autor do estudo, já aceito para publicação na BMC Developmental Biology. "Mas temos uma estrutura que é um olho e células de retina funcionando. Se comprovarmos que o padrão de atividade cerebral muda com o estímulo luminoso, isso significa que 'enxerga'."
Os organoides têm 5 milhões de células, entre elas neurônios. Um cérebro humano plenamente desenvolvido soma 86 bilhões de neurônios. "Os organoides estão longe de ser um cérebro real", explica Rehen. "Mas eles têm características morfológicas e bioquímicas que os aproximam mais do que qualquer outro modelo disponível no momento de um cérebro real."
A criação dos minicérebros com olhos são uma demonstração importante de que é possível repetir, em laboratório, graus cada vez mais avançados de desenvolvimento humano. Mas, principalmente, a experiência é importante para entender diferentes doenças e testar, sem risco para pessoas, efeitos de substâncias com potencial terapêutico em organoides vivos. O grupo de Rehen determinou, por exemplo, a relação entre o vírus zika e a microcefalia com base em testes feitos nos minicérebros. A equipe testa também os efeitos de substâncias psicodélicas no cérebro.
Os cientistas usam células da pele ou da urina de um voluntário e as induzem, no laboratório, a voltarem ao estágio de células-tronco embrionárias, capazes de se transformarem em qualquer tecido do corpo. Essas células são transformadas em neurônios e em outras células do sistema nervoso.
Sofisticação
A equipe de Rehen conseguiu sofisticar o ambiente onde as células são mantidas, se aproximando mais ainda do que acontece no desenvolvimento intrauterino. Assim se formou, por exemplo, o epitélio pigmentar e células da retina, uma estrutura capaz de reagir a estímulos luminosos.
"Eles são uma demonstração de que é possível repetir, em laboratório, graus cada vez mais avançados de desenvolvimento humano", comemora o cientista. "Mas, principalmente, eles nos ajudarão a entender doenças humanas e testar, sem risco para pessoas, efeitos de substâncias com potencial terapêutico."