Cinábrio, o cobiçado mineral que antigas civilizações usavam em rituais sem saber que podia se tornar tóxico
Diversas culturas em diferentes regiões do planeta utilizaram o cinábrio para fins decorativos, medicinais, metalúrgicos e simbólicos, até ele cair em desuso.
Bonito e perigoso assim como o fenômeno natural que costuma preceder sua origem, as erupções vulcânicas.
O cinábrio preenche as rachaduras que permanecem nas rochas, formando atraentes veias vermelhas que há milênios fascinam aqueles que o descobrem.
E foram muitos que o descobriram, pois o mineral está presente em todos os lugares onde há ou houve vulcões.
Como aponta o portal Geology.com, esse é um dos poucos minerais que foram descobertos, processados e utilizados de forma independente por povos antigos em diversas partes do mundo.
O cinábrio podia ser facilmente moído e transformado em um pó fino que, misturado com diferentes líquidos, transformava-se em vários tipos de tinta.
Além disso, ele era - e continua a ser - o principal minério de mercúrio.
Eis o problema: sua associação com esse metal pesado fez com que o cinábrio passasse de muito precioso para desprezado.
Mas antes que isso acontecesse, ele deixou uma marca em várias regiões do planeta.
Como pigmento - chamado vermelhão -, dava tons que iam do vermelho laranja brilhante ao violeta avermelhado mais apagado.
Há cerca de 10.000 anos, os primeiros artistas usaram-no para pintar imagens do auroque, um bovino gigante hoje extinto, nas paredes do antigo assentamento de Çatalhöyük, onde hoje é a Turquia; e em cerâmicas da cultura Yangshao na China (5000 a 3000 a.C.).
No continente que os europeus batizariam de América, o cinábrio pode ser encontrado em túmulos, murais, máscaras, ornamentos e sobre metais preciosos das culturas da área andina e da Mesoamérica.
Na Espanha - que abriga as lendárias minas de Almadén, em Ciudad Real, de onde foi extraída a maior quantidade de mercúrio do mundo ao longo de séculos -, a presença do mais antigo pigmento conhecido data de 6000 a.C.
A maior parte do vermelho profundo com o qual, séculos depois, os antigos romanos ricos pintavam suas paredes vinha de Almadén, e custava o triplo do precioso azul egípcio.
No Renascimento, o cinábrio era usado em selos de cera para certificar documentos e como pigmento vermelho brilhante por artistas como Giotto, Tizano e Van Eyck.
A Europa importou o vermelhão da China durante anos, pois o material era considerado mais bonito e puro.
Na própria China, o pigmento historicamente teve um lugar especial na cultura e, além de colorir as paredes de locais importantes como a Cidade Proibida, está presente em uma infinidade de objetos, como os de laca chinesa esculpida.
Mais que belo
Além de seu uso decorativo na arte, em tatuagens, na maquiagem e, na Idade Média, como tinta para escrever, em muitas culturas o cinábrio foi usado para fins medicinais, metalúrgicos e simbólicos.
É que ele tinha algumas propriedades incomuns.
Como o filósofo grego Teofrasto observou, "quando esmagado com vinagre em pilão de cobre, dá prata líquida (como era comum referir-se antigamente ao mercúrio)".
É ainda mais estranho o que acontece quando ele é aquecido em um forno, o que se fazia há milhares de anos: o mercúrio escapa na forma de vapor, que se condensa em mercúrio líquido.
Em sua História Natural, o escritor romano Plínio, o Velho, relata que o mercúrio dissolve o nobre metal ouro.
Esse processo de amalgação se tornaria um dos principais métodos de purificação do ouro ao longo dos séculos.
Os romanos importavam cinco toneladas de mercúrio por ano e a maioria era usada com esse propósito.
A mistura podia ser usada para fazer objetos dourados, colocando-os no forno para que o mercúrio desaparecesse e revelasse uma camada lustrosa do mais puro ouro.
E havia mais.
Os alquimistas tinham descoberto que podiam produzir o cinábrio aquecendo mercúrio e enxofre.
A transformação do cinábrio em mercúrio e sua reversão, convertendo-o em cinábrio novamente, era um processo cíclico aparentemente inexplicável - para alguns, semelhante ao da ressurreição do corpo.
Por isso, alguns povos acreditavam que o material proporcionava poderes especiais, explicou o químico Andrea Sella na série da BBC In the Element.
No Império Chinês, os poderosos consumiam elixires de vermelhão para prolongar a vida e obter a imortalidade.
E até hoje existem cerca de 40 medicamentos tradicionais que contêm cinábrio.
Do Oriente Médio à América Latina, ele também era usado em rituais de bênção e em enterros.
As mulheres hindus costumavam aplicar o vermelhão na divisão do cabelo e da testa como um sinal de que eram casadas.
O costume tem o nome de sindoor e está relacionado à astrologia hindu, na qual a Casa de Áries ou Mesha Rashi está na testa e é considerada auspiciosa.
Sindoor também é considerado o símbolo da energia feminina de Shakti.
O ritual continua, mas o cinábrio foi substituído por ingredientes mais seguros.
Esse tem sido o destino do vermelhão: sua relação tóxica com o mercúrio foi tirando-o da história.
Especialistas como Terri Ottaway, curador do museu do Instituto Gemológico da América (GIA), explicam que, em sua forma natural, o cinábrio não é perigoso.
No entanto, quando as temperaturas aumentam, ele libera vapor de mercúrio, que é tóxico se inalado.
"Enquanto o cinábrio não aquece, o mercúrio fica preso no enxofre, o que torna o cinábrio pouco tóxico", explicou Ottaway ao portal "How Stuff Works".
Pablo Higueras, José María Esbrí e Eva M. García Noguero, do Instituto de Geologia Aplicada da Universidade de Castilla-La Mancha, concordam que é a separação dos componentes do cinábrio que oferece risco à saúde.
E acrescentam que há outra razão pela qual o mineral é indiretamente responsável por efeitos prejudiciais: "É comum encontrar gotas de mercúrio metálico juntamente com o cinábrio".
Em todo caso, o uso do cinábrio, à exceção da mineração de baixa escala, foi desaparecendo. Aqueles que são forçados a trabalhar com ele, como os arqueólogos, o fazem com cautela.
E o vermelhão, que reinou como o pigmento vermelho mais utilizado no mundo, teve que passar sua coroa adiante com a descoberta do vermelho-cádmio no início do século 20.