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Como se tornar um fóssil após a morte

Menos de um décimo do 1% de todas as espécies que já viveram se tornaram fósseis. Mas há formas de aumentar suas chances de ficar para a 'eternidade'.

23 abr 2018 - 18h10
(atualizado às 18h43)
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As possibilidades de falhar no processo de fossilização são infinitas
As possibilidades de falhar no processo de fossilização são infinitas
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Todo fóssil é um pequeno milagre. Como o escritor Bill Bryson constata em seu livro Breve História de Quase Tudo, estima-se que apenas um osso em cada um bilhão vire um fóssil. De acordo com esse cálculo, o "legado fóssil" dos 200 milhões de habitantes que o Brasil tem hoje somaria apenas cerca de 37,5 ossos - menos de um quarto do total que compõe um esqueleto humano.

Essa é apenas a chance de ser fossilizado. Considerando que os ossos seriam enterrados em qualquer lugar dos 8,5 milhões de quilômetros quadrados do Brasil, a chance de alguém encontrá-los no futuro é praticamente zero.

A fossilização é tão improvável que cientistas estimam que menos de um décimo do 1% de todas as espécies animais que já viveram se tornaram fósseis. Um número muito menor que esse foi encontrado.

Como humanos, temos algumas questões: temos esqueletos duros e somos relativamente grandes. Então temos muito mais chances de chegar lá do que uma água-viva ou um verme, por exemplo. Há coisas, no entanto, que você pode fazer para aumentar suas chances de sucesso.

A tafonomia é o estudo do sepultamento, decomposição e preservação dos organismos - todo o processo desde a morte até sua eventual fossilização. Para responder à pergunta de como se tornar um fóssil, a BBC Future falou com alguns dos melhores tafônomos do mundo.

1. Seja enterrado - e rapidamente

"É realmente uma questão de manter uma boa condição do corpo após a morte - por tempo o bastante para ficar embaixo de uma boa camada de sedimentos e, então, ser alterado química e fisicamente nas profundezas do solo para se tornar um fóssil", diz Sue Beardmore, tafônoma e assistente de coleções no Museu de História Natural da Universidade de Oxford.

"Para ser preservado por milhões de anos, você também precisa sobreviver as primeiras horas, dias, estações do ano, décadas, séculos e milhares de anos", diz Susan Kidwell, uma professora da Universidade de Chicago. "Ou seja, você precisa sobreviver à transição inicial de 'zona tafonomicamente ativa' para uma zona de enterro permanente, onde seus restos provavelmente não serão exumados".

As possibilidades de falhar no processo de fossilização são infinitas. Muitas delas acontecem a cerca de (ou emabaixo de) 20 a 50 centímetros da superfície do solo.

Você não quer que seus restos sejam comidos e espalhados por predadores, por exemplo, ou expostos a elementos por tempo demais. E você não quer que eles sejam perfurados ou remexidos por animais escavadores.

Os depósitos de areia e lama do semi-árido canadense rapidamente enterraram ossos, tornando a área uma das mais ricas do mundo para a 'caça' de fósseis de dinossauro
Os depósitos de areia e lama do semi-árido canadense rapidamente enterraram ossos, tornando a área uma das mais ricas do mundo para a 'caça' de fósseis de dinossauro
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Quando se trata de enterro rápido, às vezes desastres naturais podem ajudar - como as enchentes que despejam quantidades enormes de sedimentos ou erupções vulcânicas que abafam objetos em lama e cinzas.

"Uma teoria para a ocorrência de ossadas de dinossauros é em primeiro lugar as condições de estiagem que mataram os dinossauros e em seguida as enchentes que moveram os sedimentos para enterrá-los", diz Beardmore.

É claro que o fato de os corpos humanos serem enterrados tipicamente a sete palmos abaixo da terra (a não ser que sejam cremados) dá uma ajuda extra. Mas isso, por si só, não é o bastante.

2. Encontre água

Obviamente, o primeiro passo é morrer, mas você não pode simplesmente morrer em qualquer lugar.

Escolher o ambiente perfeito é uma questão chave. Água é o elemento mais importante a se considerar. Se você morrer em um ambiente seco, assim que você for pego pelos escavadores, seus ossos provavelmente vão desintegrar na superfície. Em vez disso, a maioria dos especialistas concorda que você precisa ser delicadamente abafado na areia, lama e sedimentos - e os melhores lugares para isso são lagos, várzeas e rios ou no fundo do mar.

"Os ambientes paleontológicos onde frequentemente vemos os melhores fósseis são sistemas de lagos e rios", diz Caitlin Syme, uma tafônoma da Universidade de Queensland, em Brisbane, Austrália. Nesse sentido, deve-se observar em que ritmo os sedimentos frescos estão enterrando o material. Ela recomenda rios que descem de montanhas, causando erosão pelo caminho e, portanto, carregando muitos sedimentos.

Outra opção é um delta litorâneo ou uma planície aluvial, onde os sedimentos dos rios são rapidamente despejados, já que a água vai para o mar.

Idealmente, você também vai querer um ambiente anóxido: com muito pouco oxigênio, no qual animais e microorganismos que iriam digerir seus restos não conseguem sobreviver.

Kidwell recomenda evitar profundidades de até 50 cm abaixo do fundo marinho, "a profundidade máxima em que camarões, caranguejos e vermes poderiam irrigar os sedimentos com água oxigenada", o que levaria à decomposição do corpo.

"Você precisa 'se acabar' rapidamente após a morte em um local com elevação relativamente baixa, para que possa afundar em sedimentos, e preferencialmente com água parada - um lago, uma lagoa, uma foz ou um oceano - para que as condições anóxidas possam se desenvolver", diz ela.

Escolha as condições certas e você também poderá ser preservado por tanto tempo quanto esse arqueoptérix de 150 milhões de anos
Escolha as condições certas e você também poderá ser preservado por tanto tempo quanto esse arqueoptérix de 150 milhões de anos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Em casos raros, fósseis criados nessas condições preservam seus tecidos delicados, como pele, órgãos internos, e até penas. Exemplos incluem os deslumbrantes dinossauros de penas da China ou as minas da Bavária que produziram os fósseis do dinossauro "ancestral" dos pássaros, o arqueoptérix.

Uma vez que seus fósseis ficam abaixo da camada superficial biologicamente ativa, então eles estarão estáveis e continuarão a ser enterrados mais profundamente conforme os sedimentos se acumulam, diz Kidwell. "O risco de destruição então muda para uma escala geológica de tempo completamente diferente, aquela chamada de tectonismo".

A questão, então, é quanto tempo antes dos sedimentos revestirem o cadáver que ele se torna uma pedra permanente… e é levantado por atividades geológicas a uma altura onde a erosão possa expor os restos mortais.

3. Deixe o caixão para lá

Agora chegamos às questões técnicas que explicam o que um fóssil é de verdade - e que tipo de fóssil você quer ser.

De maneira geral, qualquer coisa com cerca de 50 mil anos de idade é conhecida como um "subfóssil". Eles são feitos em sua maioria a partir dos tecidos originais do organismo.

A extinta megafauna do Plistoceno encontrada em cavernas - como os bichos-preguiça gigantes na América do Sul, os ursos de cavernas na Europa e os leões marsupiais da Austrália - são bons exemplos.

No entanto, se você quer que seus restos se tornem um fóssil que dura milhões de anos, então você precisa que os minerais se infiltrem em seus ossos e os substituam por substâncias mais duras. Esse processo, conhecido como 'permineralização', é o que tipicamente cria um fóssil pleno. Pode levar milhões de anos.

Como resultado, você pode deixar o caixão para lá. Os ossos 'permineralizam' mais rapidamente quando a água rica em minerais pode fluir por meio deles, trazendo coisas como ferro e cálcio. Um caixão pode manter um esqueleto belamente unido, mas vai interferir no processo.

Há uma forma de fazer o caixão funcionar, porém. Mike Archer, um paleontólogo da Universidade de New South Wales (Reino Unido) sugere o enterro em um caixão de concreto cheio de areia e com centenas de buracos de 5mm feitos nas laterais, que deve ser enterrado profundamente para que a água do solo possa passar por ele.

"Se você quer ser um fóssil clássico, como algo do Parque Provincial de Dinossauros do Canadá, algo como areias ásperas de rios seriam muito boas para isso", diz Syme. "Todos os tecidos delicados seriam destruídos e você ficaria com esse esqueleto belamente articulado".

Em termos de minerais, íons de cálcio que podem se precipitar e virar calcita, uma espécie de carbonato de cálcio, são especialmente bons. "Eles podem começar a cimentar ou cobrir o corpo, o que o protegerá a longo prazo, porque com o tempo é muito provável que ele seja enterrado em uma profundidade maior", diz Syme.

Alimentar seu cadáver deliberadamente com os minerais apropriados, como calcita ou gesso, pode ser uma maneira de acelerar isso. Encorajar o aumento da concentração de minerais ricos em ferro também seria útil, já que eles suportam bem os desgastes climáticos a longo prazo.

Silicatos, substâncias presentes na areia, também são um tipo de mineral durável. Archer sugere até ser enterrado com faixas de cobre e bolinhas de níquel se você quiser adicionar um pouco de azul e verde aos seus ossos fossilizados.

4. Evite as bordas das placas tectônicas

Se você conseguiu sobreviver às primeiras centenas de milhares de anos e os minerais começaram a substituir seus ossos, parabéns! Você se tornou um fóssil com sucesso. Conforme os sedimentos se agregam na parte de cima e você é empurrado mais para o interior da crosta terrestre, o calor e a pressão ajudarão o processo ainda mais.

Mas o processo ainda não está completo. Seu fóssil ainda pode cair em profundidades tão remotas que pode ser derretido pelo calor ou desintegrado pela pressão da Terra.

Não quer que isso aconteça? Mantenha-se longe das placas tectônicas, onde a crosta eventualmente será sugada para baixo da superfície. Uma zona de subducção é o Irã, onde a Placa Eurasiática está se sobrepondo à Placa Iraniana.

5. Seja descoberto

Agora você precisa pensar no potencial para descoberta.

Se você quer que alguém encontre seu fóssil cuidadosamente preservado um dia, você precisa planejar o enterro em um local que seja baixo o suficiente para acumular os sedimentos necessários para o enterro profundo - mas você quer ser erguido de novo eventualmente. Em outras palavras, você precisa de um lugar com elevação suficiente para que as condições climáticas e a erosão eventualmente raspem as camadas da superfície, expondo você.

O Mar Morto pode ser um bom local para preservar seu fóssil
O Mar Morto pode ser um bom local para preservar seu fóssil
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

De acordo com Syme, um bom ponto pode ser o Mar Mediterrâneo, que está ficando mais raso conforme a África é empurrada em direção à Europa. Outros mares pequenos e internos cheios de sedimentos também são boas apostas. "Talvez o Mar Morto", diz ela. "A quantidade alta de sal irá preservá-lo e conservá-lo".

6. Ou trapaceie

Nós cobrimos todos os métodos tradicionais para criar fósseis resistentes e duráveis, com os ossos sendo substituídos por minerais. Mas há outros métodos, mais estranhos, a serem considerados.

No topo da lista está o âmbar. Há fósseis incríveis perfeitamente preservados nessa pedra feita de três resinas - como as recentes descobertas de pássaros, lagartos e até do rabo de um dinossauro de penas em Mianmar.

"Se você conseguir encontrar uma quantidade suficiente de seiva de árvore e se cobrir em âmbar, será a melhor forma de preservar seus tecidos delicados assim como seus ossos", diz Syme. "Mas óbvio que isso é difícil para um animal tão grande".

Não consegue achar âmbar? A próxima opção são os poços de piche que preservaram tigres dente-de-sabre e mamutes em La Brea, Los Angeles (EUA). Nesse caso, contudo, você provavelmente acabaria com os ossos desarticulados e misturados aos de outros animais.

Também há a opção de ser congelado em uma montanha ou em uma geleira, como Ötzi, o homem de gelo, encontrado nos Alpes Europeus em 1991.

Outro caminho pode ser a mumificação natural, com seu corpo deixado para secar em uma caverna. "Há vários restos em cavernas que são cobertos com cálcio da água do solo, o que também forma estalactites e estalagmites", diz Syme. "As pessoas gostam de entrar em cavernas, então, se elas ainda existirem no futuro, elas podem tropeçar em você".

Um último método para preservar seu cadáver quase indefinidamente, apesar de não ser na forma de um fóssil, seria lançá-lo no espaço - ou deixá-lo na superfície de um corpo celestial inerte sem atmosfera, como a Lua.

"O vácuo do espaço seria muito bom se você quer que seu corpo nunca se degrade", diz Syme. Ela acrescenta que você poderia ainda anexar um rádio farol se quisesse ser encontrado no futuro distante.

7. Deixe algo a mais

Vamos supor que você seja encontrado daqui milhões de anos, o que mais pode ser preservado com você? Plásticos, outros produtos derivados de petróleo que não sejam biodegradáveis e metais inertes como os de ligas, ouro e metais raros do tipo daqueles encontrados em celulares - tudo isso pode ficar para a eternidade com você.

Seriam os celulares os artefatos que deixaremos para as gerações em um futuro distante?
Seriam os celulares os artefatos que deixaremos para as gerações em um futuro distante?
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Vidro também é durável e pode suportar temperaturas e pressões altas. Você pode imaginar encontrar "os esboços ou formatos de smartphones", diz Syme. Archer observa que a durabilidade do vidro implica que você poderia talhar algo como "Aproveite!" em uma chapa de vidro em um caixão de concreto com seu corpo dentro - e ela estaria lá com seu fóssil.

"Para ter 100% de segurança, eu usaria diamante", diz Syme - é incrivelmente estável. Usando um laser, você poderia talhar uma carta explicando tudo que fez para ser fossilizado.

Se você também quiser planejar seu contexto arqueológico, Syme acredita que o asfalto de rodovias e as bases de arranha-céus são bons candidatos. "Nós cavamos o solo muito profundamente para construir essas coisas. Você será capaz de ver os planos das cidades ainda lá", diz ela.

Lembre-se, as palavras que você escrever vão desaparecer e seus feitos serão esquecidos. Mas um fóssil? Isso, talvez, possa durar para sempre.

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