COP16 termina sem acordo sobre financiamento para biodiversidade
Reunião termina sem definição sobre investimentos na proteção de espécies, mas cúpula concordou que empresas devem pagar por uso de DNA de animais e plantas.A maior conferência sobre biodiversidade do mundo, a COP16, terminou em Cali, na Colômbia, neste sábado (02/11) após 12 dias de negociações sem que houvesse acordo sobre a criação de um roteiro de financiamento detalhado para a proteção de espécies em todo o mundo.
A 16ª Conferência das Nações Unidas, que trata da Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD) da ONU foi suspensa por sua presidente, Susana Muhamad, pois as negociações sobre o texto final duraram quase 12 horas a mais do que o planejado e os representantes dos países começaram a sair para o aeroporto para embarcar em seus voos.
O êxodo deixou a cúpula sem quórum para a tomada de decisões. A proposta queria contornar a estagnação do financiamento contra a perda da biodiversidade. Segundo a presidência, a discussão foi apenas suspensa e será retomada em outro momento.
Com cerca de 23 mil delegados registrados, a conferência estava encarregada de avaliar e acelerar o progresso para atingir as 23 metas estabelecidas no Canadá na última COP, em 2022.
Essas metas dispostas no Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal incluem proteger 30% das áreas terrestres e marítimas mundiais e restaurar 30% dos ecossistemas degradados até 2030, além de reduzir a poluição e eliminar gradualmente os subsídios agrícolas e outros prejudiciais à natureza.
Países ricos não alcançam metas de investimentos
A falta de consenso na Colômbia frustrou as expectativas de países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, que esperavam estabelecer um plano de financiamento detalhado para cumprir os objetivos do documento.
A proposta visava definir vias de investimento específicas para a proteção da biodiversidade, que seguiriam paralelas a outros modelos de financiamento internacional para temas como mudanças climáticas e aquecimento global.
Isso porque em 2022 foi acordado que 200 bilhões de dólares por ano seriam disponibilizados pelas nações em desenvolvimento para proteger a biodiversidade até 2030, o que beneficiaria países como o Brasil, detentor da maior diversidade de espécies de fauna e flora do mundo.
O total investido pelos países desenvolvidos, porém, tem sido muito inferior ao prometido, Em 2022, por exemplo, foram cerca de 15 bilhões de dólares, 15% da meta, de acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Países rechaçam atual modelo de financiamento
Além disso, os países haviam prometido investir outros 400 milhões de dólares para um Fundo do Marco Global para a Biodiversidade (GBFF) criado no ano passado para cumprir as metas da ONU. O GBFF está dentro da estrutura do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), lançado em 1991 para apoiar a proteção do meio ambiente em todo o mundo, e é vinculado ao Banco Mundial.
Mas o modelo de governança do GEF é criticado pelos países em desenvolvimento, pois dá maior poder às nações ricas na tomada de decisão e é considerado pouco transparente na prestação de contas dos valores investidos.
Por isso, a Colômbia ofereceu um texto preliminar propondo a criação de um fundo dedicado à biodiversidade, que foi rejeitado pela União Europeia, Suíça e Japão.
"Nós fomos muito claros que não aceitamos criar um novo fundo", disse o representante da União Europeia. "Novo fundo não significa novo financiamento. É difícil explicar para nosso cidadãos a quantidade de fundos associados e o fardo administrativo relacionado a isso. Os cidadãos são os pagadores de impostos, a fonte para financiarmos", completou.
Segundo o delegado, a UE atuou de boa-fé nas negociações, mas recomendou a recusa de todo o texto da COP, não apenas dos parágrafos associados ao investimento.
A representante do Brasil na COP16 Maria Angelica Ikeda disse que os países em desenvolvimento estão "muito decepcionados com a falta de abertura dos países industrializados". "Se não tivermos os meios para implementá-la, nunca conseguiremos tornar essa convenção uma realidade", afirmou.
Lucros por dados genéticos
No entanto, os países conseguiram concordar com a criação de um fundo para compartilhar os lucros obtidos pelo uso de dados genéticos de plantas e animais com as comunidades de onde eles vêm, como os ribeirinhos.
Esses dados, em grande parte provenientes de espécies encontradas em países pobres, são usados principalmente em medicamentos e cosméticos que podem render bilhões aos seus desenvolvedores, sendo que muito pouco disso é revertido para as comunidades locais.
O acordo de Cali determina que as empresas que usam dados genéticos cuja renda exceda um determinado limite devem contribuir com 1% dos lucros ou 0,1% da receita para o novo fundo, que pode valer bilhões de dólares por ano.
A COP também concordou em criar um órgão permanente subsidiário para tratar de assuntos relacionados aos povos indígenas e comunidades locais. O Brasil liderou a elaboração do texto definitivo, aprovado após discussões que se estenderam até a madrugada.
Repercussão
"Os governos em Cali apresentaram planos para proteger a natureza, mas não conseguiram mobilizar o dinheiro para realmente fazê-lo", disse An Lambrechts, chefe da delegação do Greenpeace na COP16.
"O financiamento da biodiversidade continua estagnado após uma ausência ensurdecedora de promessas financeiras confiáveis de governos ricos e lobby corporativo sem precedentes", completou.
Brian O'Donnell, do grupo de defesa Campaign for Nature, lamentou a falta de urgência. "A falta de progresso no financiamento diante da perda sem precedentes da biodiversidade mantém o mundo no caminho da perda da natureza e da extinção de espécies", disse.
gq (dw, afp, reuters, ots)