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Covid: por que imunidade coletiva pode ser 'utopia' com variantes, segundo especialistas

Para alguns especialistas, alcançar imunidade de rebanho contra a doença pode ser 'utopia': 'Não devemos entrar em pânico, temos que aprender a conviver com o vírus'.

16 dez 2021 - 17h17
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Para alguns especialistas, alcançar imunidade de rebanho contra a doença pode ser 'utopia':
Para alguns especialistas, alcançar imunidade de rebanho contra a doença pode ser 'utopia':
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O termo "imunidade coletiva" apareceu já nos primeiros meses da pandemia de covid-19, em 2020.

Ela é alcançada quando um número suficientemente grande de pessoas já tiveram determinada doença e desenvolveram anticorpos ou quando um percentual significativo da população foi vacinada.

Nessas condições, a probabilidade de que um agente infeccioso continue circulando na população diminui consideravelmente, levando à extinção de eventuais surtos (ou pandemias).

Os números exatos variam conforme o micro-organismo. Algumas doenças exigem um percentual de imunidade - adquirida naturalmente ou conquistada por meio de vacinas - maior do que outras.

A covid-19 tem se mostrado um desses casos mais complexos. Mesmo com programas de vacinação em curso, o vírus Sars-CoV-2 segue circulando em algumas regiões.

Não se pode dizer que a chamada "imunidade de rebanho" tenha sido alcançada e, segundo especialistas consultados pela BBC News Mundo, serviço em língua espanhola da BBC, vários são os fatores que tornam improvável que ela o seja.

Independentemente do cenário futuro, contudo, especialistas ressaltam que a vacinação e as medidas de controle continuam sendo ferramentas poderosas para se avançar na luta contra a covid-19.

Conheça, a seguir, algumas das razões citadas pelos especialistas que avaliam que a imunidade coletiva contra covid-19 pode ser uma "utopia".

'Não devemos entrar em pânico, temos que aprender a conviver com o vírus'
'Não devemos entrar em pânico, temos que aprender a conviver com o vírus'
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A evolução do vírus

Nos dois anos de pandemia, o Sars-CoV-2 evoluiu para variantes que, em alguns casos, permitiram que o vírus se tornasse mais contagioso e um pouco mais resistente às vacinas.

O exemplo mais claro é a variante delta, que demonstrou ser pelo menos duas vezes mais transmissível do que o vírus original.

Quanto à ômicron, os primeiros estudos apontam que ela pode ter maior capacidade de escapar à imunidade.

Até o momento, as vacinas têm se mostrado eficazes na redução significativa do risco de desenvolver uma forma grave da doença e do risco de morte.

Pessoas vacinadas, contudo, podem contrair o vírus e transmiti-lo a outras pessoas, ainda que em menor grau do que as pessoas não vacinadas.

Esse é o primeiro fator complicador.

"Com as vacinas que temos, mesmo que reduzam a transmissão, o conceito de imunidade de rebanho não faz sentido", diz Salvador Peiró, médico especialista em saúde pública e pesquisador em farmacoepidemiologia da FISABIO, organização espanhola de fomento à pesquisa.

Com as taxas de transmissão observadas com a ômicron, ele acrescenta, a ideia faz ainda menos sentido. Assim, embora as vacinas salvem vidas, elas não conseguem impedir que o vírus continue circulando, mesmo que em menor escala.

E o fato de o vírus continuar circulando gera uma segunda complicação: como segue sendo transmitindo, existe a possibilidade de surgirem novas variantes mais contagiosas, que produzam sintomas mais graves ou driblem o efeito das vacinas.

"Qualquer lugar com grande número de infecções, sejam em vacinados ou não, é uma fonte potencial de novas variantes", pontua Caroline Colijn, pesquisadora em epidemiologia e evolução de patógenos da Universidade Simon Fraser em Vancouver, no Canadá.

Colijn recorda que o Sars-CoV-2 também infecta animais - assim, outras espécies podem atuar como uma "reserva" do vírus até que, em algum momento, ele seja reintroduzido em humanos.

Distribuição desigual das vacinas dificulta controle da pandemia
Distribuição desigual das vacinas dificulta controle da pandemia
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Proteção decrescente

Outro fator relevante é o fato de que a imunidade adquirida com a vacina ou após o contato com o vírus diminui com o tempo, conforme indicado pelo Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos, o CDC.

De acordo com Shabir A. Madhi, reitor da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, a resposta imunológica após uma infecção ou a vacinação dura entre seis e nove meses.

Mas esse período pode mudar diante do surgimento de novas variantes - por isso estão sendo aplicadas doses de reforço em diversos países.

Imunidade coletiva se mostrou difícil de alcançar no caso do Sars-CoV-2
Imunidade coletiva se mostrou difícil de alcançar no caso do Sars-CoV-2
Foto: Radoslav Zilinsky / BBC News Brasil

Vacinação desigual

E há a questão da distribuição desigual das vacinas.

Em países como Estados Unidos e Reino Unido, cerca de 70% da população já está vacinada com duas doses. Globalmente, contudo, pouco mais da metade da população recebeu pelo menos uma dose.

Nos países de renda mais baixa, apenas 6,3% receberam uma dose, de acordo com as informações da plataforma Our World in Data.

Isso aumenta o risco de que o vírus continue a se espalhar e que novas variantes potencialmente perigosas surjam.

"Não vamos superar isso vacinando os países ricos a cada 6 meses", diz Colijn.

"É extremamente importante ter uma visão global e garantir que as vacinas estejam disponíveis e sejam usadas em todas as partes do mundo."

Em essência, é inútil que um país esteja totalmente protegido enquanto outras regiões do mundo permanecem vulneráveis, porque o vírus não respeita fronteiras.

'Temos que pensar em quais medidas estamos dispostos a manter, talvez o uso de máscaras ou testes rápidos'
'Temos que pensar em quais medidas estamos dispostos a manter, talvez o uso de máscaras ou testes rápidos'
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Utopia

"A imunidade de rebanho para covid-19 é uma utopia", afirma o Mauricio Rodríguez, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM).

Segundo ele, a imunidade coletiva se aplica a grupos pequenos ou delimitados.

"O problema da covid é que ela está presente em todas as faixas etárias, em todas as populações, em todos os lugares, o tempo todo", completa.

Qual é a saída?

Segundo os especialistas consultados pela reportagem, em vez de se aspirar à supressão total do vírus, os esforços deveriam ser voltados para que o mundo se habitue a conviver com o vírus, sem que ele represente uma ameaça grave para a humanidade.

O objetivo é que se torne um vírus endêmico, ou seja, continue circulando na população, mas em um nível considerado administrável.

Chegar a esse ponto é o que Peiró chama de "ter um controle funcional da pandemia".

"Não se trata de eliminar todos os casos, o que esperamos é ter um quadro com pouquíssimos casos graves", afirma o especialista.

"Não é que as pessoas não sejam infectadas, é que os hospitais não se encham de casos graves."

Peiró diz que a ideia é que a covid se pareça cada vez mais com um resfriado.

"O sucesso da pandemia é ver os hospitais vazios de casos de covid."

'Vacinas nos permitiram combater a pandemia quase sem restrições'
'Vacinas nos permitiram combater a pandemia quase sem restrições'
Foto: Getty / BBC News Brasil

Imunidade na prática

Colijn, por sua vez, concorda que é improvável se atingir uma imunidade coletiva, mas afirma que é possível obter uma "imunidade coletiva na prática".

Isso significa que, se as vacinas forem aplicadas de forma massiva e equitativa, níveis quase normais de atividade podem ser alcançados, sem a necessidade de medidas mais radicais, como os lockdowns.

"Temos que pensar em quais medidas estamos dispostos a manter para sempre, talvez algumas dessas medidas sejam o uso de máscaras ou testes rápidos."

"Parar de ver nossos amigos ou familiares provavelmente não é uma dessas medidas, não podemos fazer isso para sempre."

Para se alcançar essa "imunidade de rebanho na prática" e o "controle funcional da pandemia", os especialistas concordam que é importante priorizar os grupos mais vulneráveis nas campanhas de vacinação.

A ideia é garantir que o maior número possível de pessoas fique protegida contra doenças graves.

"As vacinas nos permitiram combater a pandemia quase sem restrições", diz Peiró. "Em outras circunstâncias, estaríamos todos trancados, com mais mortes e mais internados. Mas estamos enfrentando a Delta com tudo aberto, isso graças às vacinas."

Esse cenário de combinação da vacinação massiva e igualitária manutenção dos cuidados se aproxima da fase em que a pandemia parece estar entrando.

"Estamos em uma fase de transição, passando de um estágio de emergência para um estágio endêmico, que é quando o vírus estará circulando com mais regularidade", diz Rodríguez.

"Não devemos entrar em pânico, temos que aprender a conviver com o vírus."

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