Brasileiros enfrentam riscos e querem colonizar Marte
Estudo americano indica que primeiros colonizadores de Marte não terão muitos dias de vida. Como os candidatos do projeto Mars One veem suas chances fora da Terra?
A proposta do programa Mars One é ambiciosa: levar a Marte grupos separados em quartetos - dois homens e duas mulheres - para colonizar o planeta. Para isso, o projeto de iniciativa privada, criado na Holanda, pretende enviar uma série de missões não tripuladas a partir de 2020 com o objetivo de preparar o terreno para receber a presença humana. O problema é que nem mesmo toda a precaução pode ser suficiente.
Um estudo conduzido por pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT), divulgado em outubro, indica que, nas condições atuais de desenvolvimento tecnológico, um ser humano não suportaria a vida em Marte por mais de 68 dias. Como o Mars One não trabalha com inovações - adota apenas tecnologia já existente - essa previsão inviabilizaria o sucesso da empreitada.
Colônia humana em Marte
Dos cerca de 200 mil inscritos, restam 705 candidatos do Mars One após duas fases do processo de seleção. No total, serão escolhidos de 20 a 24 viajantes espaciais para formar as equipes, que terão a missão de dar adeus à vida na Terra com o objetivo de levar a humanidade, pela primeira vez, a se estabelecer em outro planeta. Entre os remanescentes, há 418 homens e 287 mulheres de 99 países.
Vynicius Takeda, 21 anos, é um dos brasileiros na lista. Nem mesmo a divulgação do estudo do MIT diminui a sua vontade de fazer parte da história. “Eu acredito no Mars One, ainda que existam muitos detalhes a ser acertados. Acredito que o estudo do MIT foi baseado em tecnologias utilizadas na Estação Espacial Internacional, que não serão aproveitadas nessas missões, e não levou em conta a tecnologia de extração de oxigênio do ambiente”, afirma o programador de software, natural de Mirandópolis (SP), que mora em Nagoya, no Japão, desde os sete anos.
O interesse no projeto de entidades renomadas, como o MIT, é celebrado por Takeda. “Fiquei muito feliz de saber que o Mars One tem envolvido escolas consagradas. Será preciso contar com toda ajuda e colaboração de quem estiver disposto a botar a mão na massa”, diz.
O brasileiro afirma também a que aceitaria um lugar na equipe inicial do projeto, apesar de todos os riscos envolvidos. “Embora eu não creia que a viagem terá somente alegria e festa, aceitaria com toda a certeza. Estar longe de familiares e amigos não será fácil, mas creio que o esforço valerá a pena”, avalia.
Outra brasileira na lista é Norma Portal. Aos 36 anos, a publicitária, nascida no Rio de Janeiro e radicada em Lisboa, considera que a expectativa gerada pelo Mars One deu novo sentido a sua vida. Ela diz ter total confiança no projeto, mesmo com os relatos negativos do MIT. “Eu acredito no Mars One até que me provem o contrário, e estou vivendo isso intensamente. Nunca imaginei que estaria entre os 705 - não ganhava nem bingo de escola! Agora acredito, sim, que tenho a oportunidade de ser escolhida”, afirma.
A gama de brasileiros que permanecem na disputa é bem variada - e os seus motivos para viajar, bem curiosos. É possível assistir a depoimentos dos candidatos no site do projeto https://applicants.mars-one.com/. João Inácio Barros, por exemplo, disse estar “com vergonha do Brasil”, e por isso gostaria de viver em outro planeta. Já Sandra, moradora de Porto Velho, afirmou que sonha em plantar uma árvore no solo vermelho do planeta vizinho, enquanto José Jobson da Silva, ao falar sobre o fato de muitos amigos o considerarem louco pela iniciativa, declarou que “louco é quem dá aula no Brasil”.
Para MIT, planos do Mars One não têm como funcionar
O estudo publicado pelo MIT sobre o projeto Mars One não coloca muita fé no sucesso da empreitada. De acordo com o instituto, por mais que exista hoje tecnologia capaz de desenvolver – de forma isolada – os processos necessários para se colonizar Marte, não há como basear a sobrevivência neles, principalmente em um ambiente tão inóspito.
O projeto tem como principal meio de sustentar a vida humana a capacidade de retirar oxigênio da atmosfera e do ambiente marciano, liberando o gás vital nos habitats utilizados pelos viajantes. Além disso, as estações seriam instaladas em um ponto do planeta que teria gelo e onde a exposição solar seja maximizada. Com isso, seria mais fácil obter água para o consumo e a criação de plantações hidropônicas, que serviriam como alimento e também para aumentar o oxigênio no ambiente.
De acordo com o estudo, o oxigênio proveniente das plantações hidropônicas tem boas chances de ser fatal: como tudo será feito em um local confinado, a alta concentração do gás pode provocar combustões espontâneas - algo comum quando há muito oxigênio em um local. Para diminuir a quantidade de O2, seria necessário retirá-lo do ar. Só que não há como fazer isso sem eliminar também o nitrogênio, responsável pela pressurização dos módulos. O resultado seria catastrófico: em no máximo 68 dias, a mistura de ar ficaria tão rarefeita, que não seria capaz de garantir a vida dos colonizadores.
Por enquanto, apenas contatos
Enquanto não seleciona os seus viajantes para as equipes definitivas, o Mars One contata os candidatos para delinear dados gerais do programa. Norma Portal conta que são vários os e-mails enviados pelo comando do projeto, com perguntas sobre as habilidades específicas de cada um e seu trabalho em equipe.
Também são relatadas curiosidades sobre Marte, incluindo o fato de que, devido à distância da Terra, as comunicações entre os dois planetas serão feitas sempre com sete minutos de atraso.
Vynicius Takeda, por sua vez, destaca que seguidamente troca informações com outros participantes da lista de candidatos, de forma totalmente autônoma. Apesar do grande interesse, não há compensação financeira envolvida até o momento. Somente quem integrar as equipes finais passará a receber algum tipo de salário - em valores ainda não divulgados.
Ideia holandesa, apoio internacional
O projeto é uma ideia do holandês Bas Lansdorp, 37 anos, mestre em engenharia mecânica. Ele criou o Mars One em 2011, usando os valores da venda de sua parte em uma empresa que desenvolvia projetos sobre energia solar. Hoje o Mars One conta com o apoio de empresas britânicas e australianas. A ideia de Lansdorp é transmitir em vídeo todo o período de treinamentos, a viagem e a vida do time em Marte. Para isso, deve enviar em 2018 um satélite que fará a transmissão das imagens até a Terra.
O Mars One já encomendou estudos à Lockheed Martin, fabricante de aviões militares e componentes espaciais para a Nasa, e iniciou os contatos com a SpaceX para usar o Falcon, foguete criado pela empresa privada para levar o homem ao espaço sem depender das agências espaciais.
Embora não fale abertamente sobre custos da missão, Lansdorp os estimou inicialmente em US$ 6 bilhões, bem abaixo dos US$ 100 bilhões calculados pela Nasa para uma missão a Marte. Um dos motivos para essa diferença é que o plano do holandês não envolve a viagem de volta.
O vizinho mais conhecido
Marte não é o planeta mais próximo nem o mais parecido em tamanho com a Terra. Vênus é o “irmão gêmeo” do nosso planeta nesses quesitos. Há um pequeno porém: a Estrela d’Alva é o planeta mais quente do sistema solar, totalmente inviável para a vida, enquanto Marte tem temperaturas mais amenas, ao menos em comparação com os demais locais da nossa vizinhança espacial.
O tamanho de Marte é aproximadamente metade do da Terra, mas bem menos denso – apenas 1/10 do peso da Terra e tem 1/6 do nosso volume. Em termos de distância, estão separados por cerca de 80 milhões de quilômetros. Por isso, a viagem até lá dura cerca de sete meses, e a luz leva sete minutos para viajar entre os dois planetas - o que torna a comunicação instantânea impossível.
Um dia marciano tem aproximadamente a mesma duração de um dia terrestre - 24 horas e 37 minutos para uma rotação completa, enquanto o dia terrestre tem 23 horas, 56 minutos e 4 segundos. O ano vermelho dura 687 dias e, assim como a Terra, há quatro estações em Marte, cada uma durando cerca de 70% mais tempo do que as correspondentes terrestres. A temperatura por lá é o grande problema: a máxima, registrada no verão na região equatorial é de 30º centígrados, com a mínima de 140º centígrados negativos e a média de 63º centígrados negativos.