Especialista destaca importância do saneamento básico
Conhecedor das técnicas inovadoras de saneamento básico, o engenheiro civil Luiz Roberto Santos Moraes é pós-graduado em Engenharia Sanitária e professor titular do departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia. Os projetos coordenados por ele integram fatores como a gestão de recursos hídricos, saúde pública e ciências sociais, com distribuição equitativa de benefícios, envolvimento da população local e com custo/benefício favorável.
Um bom exemplo é o plano de saneamento ambiental implantado na cidade baiana de Alagoinhas, a 108 quilômetros de Salvador, a partir de 2001. Com o apoio do poder público e da participação popular, Luiz Moraes e outros especialistas ajudaram o município a reverter uma realidade preocupante no que diz respeito ao abastecimento de água e manejo dos resíduos sólidos.
Nesta entrevista ao portal EcoDesenvolvimento.org, o professor e também líder-parceiro da Fundação REMA, Luiz Moraes, destaca a importância de se ter instalações sanitárias adequadas, lamenta o constante desperdício de água e explica como o exemplo de Alagoinhas influenciou o Brasil a idealizar um Plano Nacional de Saneamento Básico, que agora precisa ser aprovado no Legislativo federal.
Eu entendo como saneamento básico os componentes de abastecimento de água, o manejo de águas pluviais e o de resíduos sólidos. Já o saneamento ambiental é algo mais amplo.
Ele pode ser compreendido como o conjunto de ações que visam melhorar a salubridade ambiental contemplando o abastecimento de água em quantidade e qualidade, a coleta, tratamento e disposição final adequada dos resíduos líquidos, sólidos e gasosos, a prevenção e o controle do excesso de ruídos, a drenagem das águas pluviais, promoção da disciplina sanitária do uso e ocupação do solo, o controle ambiental de vetores de doenças transmissíveis e demais serviços eobras especializados, buscando contribuir para prevenir doenças e promover a saúde, o bem-estar e acidadania.
Ninguém pode viver sem saneamento. Em meu entendimento, ele é, inclusive, um direito essencial para a cidadania. Sem saneamento básico, as pessoas ficam expostas à doenças graves, e o meio ambiente pode ser duramente prejudicado (solo, vegetação, águas dos mares e dos rios).
O relatório recente da ONU sobre o tema mostra que boa parte da população mundial não têm água segura, ou seja, aquela água fundamental para lavar os alimentos, tomar banho e ser ingerida, por exemplo. Há um déficit mundial muito grande no que diz respeito ao saneamento básico.
Infelizmente, a sociedade de forma geral deixa de priorizar pontos como o manejo adequado de resíduos sólidos e o das águas pluviais. Já em relação aos governos, é necessário que os recursos públicos sejam usados para atender a população. Alguns países dificilmente conseguirão a Meta do Milênio nesse sentido (até o ano de 2015).
No entanto, é válido destacar que a maioria dos países da Europa correu atrás do prejuízo depois da formação da União Europeia. Lá, assim como nos Estados Unidos, as pessoas costumam ter os direitos atendidos, o que se constitui uma realidade diferente da nossa.
Mas existem bons exemplos aqui no Brasil também. Um livro que trata bem do assunto chama-se "Experiências de Êxito em Serviços Públicos Municipais de Saneamento", uma publicação da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae).
Lá estão exemplos como o de Santo André (SP), primeiro município a ter uma autarquia exclusiva voltada para o saneamento básico. Também destaco Porto Alegre, com seus departamentos municipais e indicadores surpreendentes. Alagoinhas (BA), onde o Plano Municipal de Saneamento Ambiental é lei. Penápolis (SP), que conta com nível de cobertura de 100%, enfim. São cidades que não devem muito às europeias, e que chegam a importar suas experiências para o resto do mundo.
Precisamos despertar em relação a pontos como o manejo de águas pluviais. Os municípios precisam da implementação de estrutura de engenharia adequada. Não é apenas "de onde a água cai para o onde a água vai". É necessário saber reter essa água, impermeabilizar o local corretamente. Já em relação aos resíduos sólidos, costumamos priorizar, somente, a coleta seletiva, mas é preciso sabermos reutilizar o lixo, reprocessá-lo e destiná-lo corretamente.
Em nossa sociedade, há algo que eu chamo de "ditadura tecnológica". O que eu quero dizer com isso? Há uma insistência absurda em relação ao esgotamento a partir de tubulações e também sobre redes públicas de abastecimento de água.
Ora, existem diversas outras técnicas possíveis, sustentáveis, diga-se de passagem. No Semi-Árido, por exemplo, a água coletada nos telhados das pessoas é encaminhada para cisternas, logo, será reaproveitada. Agora, se você refletir, raramente um prédio das grandes metrópoles, que possuem telhados imensos, reaproveitam a água. Ainda bem que já existem leis municipais que obrigam empreendimentos a armazenar e reutilizar a água.
E os "banheiros secos"? Nossa urina é rica em substâncias como o fósforo. Uma vez tratada, ela poderia ajudar no plantio de alimentos. As fezes humanas, por sua vez, podem servir nas compostagens (fertilizante orgânico). Tais práticas são muito comuns na Ásia e passam de geração para geração.
Mas o que fazemos? Desperdiçamos cerca de 250 ml de urina cada vez que vamos ao banheiro. Ao puxarmos a descarga, lá se vão mais 10 mil ml de água tratada... Nossa cultura também é um obstáculo. Não desligamos o chuveiro enquanto nos ensaboamos no banho ou fazemos a barba. Sem saber, estamos gerando esgoto de forma desnecessária.
Outro problema recorrente está na agricultura, segmento que desperdiça água em excesso, muito em decorrência de técnicas de irrigação impróprias.
Eu tive participação na implantação do modelo de saneamento ambiental em Alagoinhas (BA). Lembro que existia uma grande deficiência de abastecimento de água por lá, além de uma visão limitada acerca do manejo de resíduos sólidos.
Ao assumir a prefeitura do município em 2001, o então prefeito Joseildo Ribeiro Ramos procurou a Universidade Federal da Bahia, da qual sou professor, a fim de que ajudássemos a mudar aquela realidade complicada. Foi então que organizamos uma série de pré-conferências que contaram com representantes do poder público, engenheiros da área de saneamento e a participação das pessoas da cidade. A própria comunidade traçou um diagnóstico sobre a situação do saneamento básico do município.
Aos poucos, com muito trabalho técnico e diálogo, chegamos a definição de princípios e diretrizes para a formulação da Política Municipal de Saneamento Ambiental - a primeira do país. Trata-se da Lei Municipal nº 1.460/2001, fruto da Conferência Municipal de Saneamento Ambiental. Ou seja, a partir de então, qualquer gestor que assuma a cidade depois das eleições está sujeito ao cumprimento desta legislação. Vale destacar que após ter recebido a política elaborada sobre o tema, o prefeito encaminhou o texto ao Legislativo, que em seguida aprovou a lei.
Só para servir de parâmetro, hoje a cobertura de água em Alagoinhas é de quase 100%. Já o esgotamento sanitário, que era de 1% antes do projeto que foi desenvolvido, agora abrange 40% da sede municipal.
É claro que nada é perfeito e que existem problemas, mas os avanços obtidos nos últimos anos são muito significativos, tanto que o município tem sido procurado por prefeitos de diversas regiões do mundo, interessados no modelo que segue sendo implantado em Alagoinhas. É importante esclarecer que a Política Municipal de Saneamento Ambiental prevê medidas de curto, médio e longo prazo.
Gostaria de observar, que no dia 10 de março, depois de 19 anos de espera, tomamos o conhecimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos. O texto ainda precisa ser aprovado no Legislativo, mas trata-se de um progresso considerável, cuja a proposta é a de contemplar todo o país.