Evangelho de Barnabé opõe fé cristã e islâmica sobre história de Jesus
Polêmico texto apócrifo mostra ponto de vista islâmico sobre Cristo
Os evangelhos apócrifos ocupam um lugar à margem da história cristã. Além das 27 escrituras do Novo Testamento, a Igreja Católica rejeita os textos que versam sobre a vida de Jesus. Entre os mais conhecidos, estão os evangelhos de Tomé, Tadeu, André, Nicodemos, Judas e Barnabé.
Existe alguma evidência de que Jesus era casado?
De vez em quando, um deles volta à tona. Após o livro Código Da Vinci, de Dan Brown, de 2003, só se falava no texto atribuído a Judas. Recentemente, foi a vez de Barnabé ganhar destaque, depois de uma agência de notícias iraniana ter anunciado, com estardalhaço, que um documento encontrado na Turquia destruiria a base da crença cristã.
Mas não foi assim. Havia dois manuscritos conhecidos do evangelho de Barnabé, um em espanhol e um em italiano. Até que, em 2000, surgiu uma versão diferente, redigida em couro, na Turquia. O texto despertou a curiosidade de historiadores e do meio acadêmico. Escrito no idioma siríaco, um dialeto do aramaico, o livro está no Museu Etnográfico de Ancara, na Turquia, e, por ter sido considerado original por peritos (daquele país), teve valor estimado em mais de 20 milhões de euros (aproximadamente R$ 56 milhões).
Um suposto pedido da Igreja Católica para analisar o documento provocou ainda maior expectativa quanto ao conteúdo. Mas, segundo o pesquisador em História Antiga Marcio Loureiro Redondo, doutor pela Escola de Arqueologia e Estudos Orientais da Universidade de Liverpool, na Inglaterra, a escritura conhecida atua em conformidade com o ponto de vista islâmico sobre Jesus.
Ele diz que pesquisas de historiadores, incluindo muçulmanos, revelaram que o texto foi escrito por um autor islâmico que viveu nos primórdios do islamismo, ainda no século 7 da era cristã. “Um dos aspectos centrais da fé islâmica é a crença num Deus misericordioso, e esse detalhe se destaca no Evangelho de Barnabé”, explica.
Islamismo
Redondo lembra que, para avançar em regiões de população predominantemente cristã, o islamismo precisava oferecer a sua versão sobre Jesus. É nesse contexto que surgiu o Evangelho de Barnabé, que procura apresentar uma visão islâmica sobre o cristianismo e reforçar a ideia da superioridade do islamismo - inclusive dizendo que Jesus foi um profeta que predisse a vinda de um profeta ainda mais importante: Maomé.
Outro ponto conhecido da escritura indica que Jesus ascendeu vivo ao céu, sem ter sido crucificado, e que Judas Iscariotes teria sido crucificado em seu lugar. O texto também critica o apóstolo Paulo, que seria um enganador.
Segundo Redondo, as chances de o texto revelar dados confiáveis e factuais sobre a vida de Jesus são remotas. Embora avalie que o assunto exija cautela pela ausência de dados concretos, o pesquisador acredita que o texto já conhecido foi composto com o intuito de converter cristãos ao islamismo, oferecendo-lhes uma visão islâmica da pessoa de Jesus.
História
Para o historiador, no entanto, o enfoque, seja muçulmano ou cristão, não significa que o texto não traga elementos históricos. Ele salienta que achados de qualquer natureza, não apenas religiosos, sempre têm algo a dizer sobre nossa própria história, confirmando o que já se sabe ou acrescentando fatos desconhecidos.
Como exemplo de achado importante, ele menciona o fragmento de pedra monumental em que aparece o nome de “Pôncio Pilatos”. Durante muito tempo questionou-se a sua existência, a qual acabou confirmada em 1961, com a descoberta em Cesareia Marítima, em Israel. “Isso reforça a ideia de que o Novo Testamento deve ser levado a sério como documento histórico”, conclui.
O Evangelho de Tomé também merece atenção. Segundo o pesquisador, o texto oferece um testemunho de primeira mão sobre a existência e crenças de grupos de cristãos gnósticos - assim chamados aqueles que se distanciaram do cristianismo majoritário, cuja aceitação recai somente sobre os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João.
Tais grupos foram formados a partir da chegada do cristianismo ao mundo greco-romano, onde a filosofia grega tinha enorme presença e onde também as mais variadas religiões eram aceitas. Conforme Redondo, isso levou a um choque de ideias. “Alguns rechaçaram por completo as ideias cristãs. Outros passaram a aceitá-las”, conclui.
INFOGRÁFICO Histórico x Mitológico: relembre questões controversas sobre a vida de Jesus |