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Falácia do jogador: os pequenos erros matemáticos que podem levar à ruína

Estudo feito por pesquisadores chineses e americanos descobriu que pessoas com QI mais alto são mais suscetíveis a serem levadas por resultados padronizados.

28 fev 2020 - 15h33
(atualizado às 15h39)
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Pesquisas descobriram que pessoas com QI mais alto são mais suscetíveis à falácia do jogador, talvez porque acreditam que podem prever melhor os padrões
Pesquisas descobriram que pessoas com QI mais alto são mais suscetíveis à falácia do jogador, talvez porque acreditam que podem prever melhor os padrões
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Quinze anos atrás, o povo da Itália vivenciou um tipo estranho de histeria em massa conhecida como "Febre 53".

A loucura foi centrada na loteria do país. Os jogadores podem escolher entre 11 sorteios diferentes, baseados em cidades como Bari, Nápoles ou Veneza.

Depois de escolher em quais sorteios jogar, você pode apostar em uma seleção de números entre 1 e 90. Os ganhos dependem do quanto você apostou inicialmente, quantos números você escolheu e quantos acertou.

Em meados de 2003, no entanto, o número 53 simplesmente parou de aparecer nas extrações de Veneza — levando os jogadores a apostar cada vez mais no número, com a certeza de que em breve ele deveria reaparecer.

No início de 2005, a Febre 53 aparentemente levou milhares de pessoas à ruína financeira, cujo impacto resultou em uma onda de suicídios. A histeria só desapareceu quando o número finalmente surgiu no sorteio de 9 de fevereiro, depois de 182 rodadas e quatro bilhões de euros em apostas.

Embora possa parecer uma espécie de loucura, as vítimas foram direcionadas por uma falha de raciocínio chamada "falácia do jogador" — um erro preocupantemente comum que pode inviabilizar muitas de nossas decisões profissionais, desde as respostas de um goleiro nos pênaltis numa partida de futebol, investimentos no mercado de ações e até decisões judiciais sobre casos de asilo político.

Para descobrir se você cairia na falácia do jogador, imagine que você está jogando uma moeda para cima para tirar cara ou coroa e obtém a seguinte sequência: Cara, Cara, Cara, Cara, Cara, Cara, Cara, Cara, Cara, Cara, Cara, Cara, Cara. Qual é a chance de você tirar Coroa na próxima?

Muitas pessoas acreditam que as probabilidades mudam, de modo que a sequência deve, de alguma forma, se equilibrar, aumentando a chance de sair Coroa nas jogadas seguintes. De certa forma, parece inevitável que uma Coroa venha a seguir.

Mas a teoria básica das probabilidades nos diz que os eventos são estatisticamente independentes, o que significa que as probabilidades são exatamente as mesmas em cada jogada. A chance de uma Coroa ainda é de 50%, mesmo que você tenha 500 ou 5.000 Caras seguidas.

'Falsa intuição'

A falácia do jogador tem sido alvo de grande interesse para os pesquisadores que estudam jogos de azar. Às vezes também é conhecida como falácia de Monte Carlo, em referência a um famoso episódio ocorrido em uma das mesas de roleta de Mônaco em 1913, quando a bolinha caiu em casas pretas 26 vezes seguidas. Estudos de observação — usando imagens de câmeras de segurança de cassinos — confirmaram que isso ainda influencia as apostas hoje.

Surpreendentemente, educação e inteligência não nos protegem contra ideias falsas. De fato, um estudo realizado por pesquisadores chineses e americanos descobriu que pessoas com QI mais alto são realmente mais suscetíveis à falácia do jogador do que pessoas que obtêm menos resultados positivos em testes padronizados.

Pode ser que as pessoas mais inteligentes pensem demais nos padrões e acreditem que são inteligentes o suficiente para prever o que vem a seguir.

Velocidade da bola faz com que goleiro tente adivinhar lado em que jogador vai chutar pênalti
Velocidade da bola faz com que goleiro tente adivinhar lado em que jogador vai chutar pênalti
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Seja qual for o motivo dessas falsas intuições, pesquisas revelaram que a falácia do jogador pode ter sérias consequências muito além do cassino. O viés parece estar presente nas negociações do mercado de ações, por exemplo.

Muitas mudanças de curto prazo no preço das ações são essencialmente flutuações aleatórias, e Matthias Pelster, da Universidade Paderborn, na Alemanha, mostrou que os investidores basearão suas decisões na crença de que os preços logo "se equilibrarão".

Assim como os jogadores da loteria da Itália, eles negociam contra uma tendência. "Os investidores devem, em média, negociar igualmente 'alinhados' com a sequência e contra ela", diz ele. "No entanto, não é isso que podemos ver nos dados."

Beisebol, asilo político e empréstimos

A falácia do jogador é um problema especialmente nas profissões que exigem um julgamento justo e imparcial.

Uma equipe de pesquisadores analisou recentemente as decisões dos juízes de Direito dos Estados Unidos sobre conceder ou não asilo a refugiados. Logicamente falando, a ordem dos casos não deve importar.

Mas, de acordo com a falácia do jogador, a equipe descobriu que os juízes tinham até 5,5% menos probabilidade de conceder o asilo em um caso se já tivessem concedido nos dois casos anteriores — um declínio da taxa média de aceitação de 29%.

Conscientemente ou não, eles pareciam pensar que as chances de chegar à mesma conclusão três vezes seguidas eram pequenas demais e, portanto, estavam mais inclinados a interromper a sequência.

Os pesquisadores analisaram a equipe de um banco que analisava os pedidos de empréstimo. Mais uma vez, a ordem dos pedidos fez a diferença: os agentes de empréstimos tinham até 8% mais chances de rejeitar um pedido depois de já terem aceitado dois ou mais seguidos — e vice-versa.

Como teste final, a equipe analisou as decisões dos árbitros nos jogos da Major League Baseball, a principal liga de beisebol dos EUA. Nesse caso, os árbitros tinham cerca de 1,5% menos probabilidade de marcar um arremesso faltoso se o arremesso anterior também tiver sido faltoso — um viés pequeno, mas significativo, que poderia fazer toda a diferença em um jogo.

Kelly Shue, uma das coautoras do estudo, diz que ficou inicialmente surpresa com os resultados. "Por serem profissionais e tomarem decisões como parte de sua ocupação principal", diz ela. Mas eles ainda estavam vulneráveis ao viés.

Os jogadores de futebol podem dar uma atenção especial à falácia do jogador. Em uma disputa de pênaltis, a bola leva entre 0,2 e 0,3 segundo para chegar ao gol. "O goleiro deve decidir pular para um dos lados ou permanecer no centro do gol mais ou menos ao mesmo tempo em que o batedor escolhe como chutar", explica Simcha Avugos na Universidade Ben-Gurion, em Israel. Isso significa que a decisão de para onde pular é essencialmente uma aposta.

Eles, como juízes, agentes de crédito e árbitros de beisebol, "apostariam" contra uma sequência? A equipe de Avugos analisou recentemente cobranças em competições como a Copa do Mundo da FIFA e a Premier League do Reino Unido e descobriu que sim.

Diante dos resultados, a equipe argumenta que os jogadores de futebol poderiam explorar essa tendência, continuando a chutar na mesma direção durante uma disputa de pênaltis.

Decisões de árbitros sobre arremessos no beisebol são influenciadas por viés da 'falácia do jogador'
Decisões de árbitros sobre arremessos no beisebol são influenciadas por viés da 'falácia do jogador'
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A maioria dos empregos pode parecer um mundo distante dessas situações de alto risco, mas Shue acredita que a falácia do jogador é predominante em muitas outras carreiras — mesmo quando não percebemos que estamos fazendo julgamentos probabilísticos de maneira inconsciente.

Ela dá o exemplo do recrutamento de funcionários. Se os entrevistadores já viram um bom candidato, eles podem não esperar outro indivíduo excepcional. "E então seria mais provável fazer uma avaliação mais seca com a próxima pessoa".

O mesmo vale para professores que corrigem dissertações, diz ela. Da mesma forma, se você fosse um editor que avaliasse novos romances para publicar, poderia rejeitar a próxima JK Rowling com base apenas no fato de ter encomendado recentemente alguns outros manuscritos incríveis.

Qualquer que seja sua profissão, lembre-se da "Febre 53" da Itália e do caos que ela provocou. Repetições ocasionais podem ocorrer e ocorrem em qualquer tipo de sequência — e todos seríamos mais racionais se aceitássemos que nossa intuição sobre o acaso é muitas vezes descontrolada.

*David Robson é o autor de "The Intelligence Trap: Why Smart People Do Dumb Things" ("A armadilha da inteligência: Por que pessoas inteligentes fazem coisas idiotas", em tradução livre), que examina nossos erros de pensamento mais comuns e as maneiras de corrigi-los.

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